.: Capítulo 4 :.

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"Aprendendo a recomeçar."

Depois de certo esforço, obriguei minhas pernas a caminharem de volta a festa. Dei-lhe as costas, mas ainda podia sentir estar sendo observada. Aproximei-me da fogueira e me sentei na areia entre Andrew e Elena, que parecia estar enfeitiçada olhando fixamente para frente. Somente depois de acompanhar seu olhar é que entendi o porquê: Tom estava do outro lado da roda, tocando violão.

― Onde você estava? – ela perguntou parecendo despertar de um sonho.

― Precisei atender o celular, aqui o sinal é péssimo! – resmunguei.

― Ah. – ela voltou a encara-lo de longe e certamente não havia ouvido minha resposta.

Dei de ombros e me voltei para Andrew, que fazia uma escultura com o copo descartável. Algo que somente ele deveria entender. Não disse nada, até notar que Zoey Green, uma das líderes de torcida da escola se aproximava:

― Sabe onde está o Ethan? – ela perguntou para Andrew, mas seu olhar se dirigia a mim.

― Ele está aqui? Não sabia. – ele deu de ombros.

― E você? Sabe onde ele está? – agora sim a pergunta era pra mim, mas seu olhar, superior, não me atingia em nada.

― Felizmente não. – respondi rispidamente.

Ela sorriu. Um sorriso completamente sarcástico. Jogou seus cabelos tingidos para o lado e se levantou. Voltou rebolando para o grupo de pessoas um pouco mais adiante. Ela certamente havia me visto com ele e agora estava tentando mostrar que ele tinha "dona". Coitada! Boa sorte com ele querida.

― Você e Ethan são amigos? – perguntei a Andrew, tentando parecer uma pergunta normal.

― Amigos, amigos não. – ele deixou o copo de lado – Andamos de skate algumas vezes, mais foi só isso. Pra falar a verdade, Ethan não é muito de ter amigos.

― Ah – murmurei baixo – Ele parece estar sempre rodeado de pessoas...

― De meninas você quer dizer né? – ele sorriu meio de lado – Elas adoram aquele jeito durão e meio rebelde, mas ele não dá muita bola.

Engoli em seco e mentalmente tive que admitir a mim mesma que eu também gostava, e muito, daquele jeito. Respirei fundo e tentei sorrir, um sorriso nervoso e muito confuso, mas nada fazia sentido. Porque justamente a mim ele havia escolhido para atormentar – ou flertar, como preferir. Perdida em meus pensamentos nem ouvi quando Andrew continuou:

― Bem, não que ele não goste de garotas, não é isso que quis dizer ok? – ele gargalhou – Ele não gosta daquele tipo de garota – ele apontou com o queixo para o grupinho em que Zoey estava. – Líderes de torcida não faz muito o tipo dele.

― Não consigo imaginá-los juntos – tentei brincar.

― Ethan parece ser meio encrenqueiro, mas, acredite, ele é gente boa.

Gostaria muito de acreditar nisso, porém meu alerta de perigo parecia sempre apitar quando estava ao seu lado. Sentia-me desconfortável, mas ao mesmo tempo atraída e a ideia da tal aposta entre amigos ainda continuava em minha cabeça.

●●●

Após estacionar o carro subi os poucos degraus que levavam até a porta. Não foi preciso revirar muito o vaso de orquídeas, pois logo encontrei as chaves. Entrei devagar, tentando não fazer barulho. A sala estava em perfeito silêncio e algumas garrafas de cerveja ainda estavam sobre a mesa ao lado do baralho. Já chegando a meu quarto, ouvi a TV do quarto de minha tia ligada, não sei se ela estava dormindo ou se realmente estava me esperando voltar.

Sempre reservei meus domingos para fazer coisas que sempre deixava de lado. Como arrumar meu guarda-roupa, organizar meus livros e CDs na escrivaninha ou qualquer outra coisa que fizesse meu tempo livre passar. Aquele domingo não foi muito diferente e até peguei no sono após mais uma etapa de organização. Acordei com as risadas vindas do andar de baixo. Eram de minha tia, mas havia outra voz, um pouco mais grossa que a dela. Resolvi que precisava pegar um copo de água. Ok! Essa seria uma bela desculpa para poder ir lá embaixo ver de quem era aquela voz.

― Abby! – chamou minha tia ao me ver na ponta da escada. Ela recuperava o fôlego depois de mais algumas gargalhadas. A conversa parecia estar boa. – Venha cá, quero lhe apresentar uma pessoa. – ela esticou o braço para que eu me aproximasse.

Caminhei devagar, cautelosa, e juro que tentei sorrir.

­― Este é Ralf, um amigo! – ela piscou para ele ao dizer amigo. – Ralf, está é Abby.

Ele estendeu a mão e sorriu. Um sorriso amarelado e com um hálito horrível de cerveja e rum. Suas roupas pareciam mais de um morador do Kansas do que de um de São Francisco. Vestia calças jeans escuras e com algumas manchas secas, talvez de molho de carne, uma camisa branca e uma jaqueta de couro desgastada pelo tempo. Nos pés, calçava enormes botas de camurça com bico de ferro. Sua barba quase branca estava por fazer e seu cabelo do mesmo tom, parecia um pouco desgrenhado. Algo nele me assustou, mas resolvi me manter calada.

― Linda como a tia. – disse ele. Seu sotaque forte me fez achar que, provavelmente, ele fosse natural da Georgia. Isso explicava seus trajes.

Mais uma vez tentei sorrir, mas senti que aquele havia saído forçado.

― Obrigada! – agradeci e então, lhe dando as costas, segui para a cozinha.

Eles continuaram a gargalhar. Um amigo? Minha tia pensa que sou boba o bastante para cair em uma história dessas. Ela parece feliz demais ao lado dele, sorri mais do que uma criança no circo e ainda vem dizer que é somente um amigo?

  ●●●  

No dia seguinte, tinha início mais uma semana na Lowell High e aquela prometia ser bastante agitada. Estávamos na segunda semana de setembro o que significava para os alunos veteranos, que as provas estavam por vir. Claro que só soube disso quando o Sr. Hopinks questionou-me se já havia começado a me preparar para o seminário de sexta-feira, foi então que Elena me informou sobre a semana de provas. Montamos um grupo de estudos e estudávamos dia sim, dia não na biblioteca. Graças a toda aquela agitação, acabei não cruzando muito com Ethan pelos corredores e agradeci demais por isso. Talvez ele devesse estar fazendo o mesmo, estudando com alguns amigos e... Não! Isso era pedir demais.

A sexta-feira chegou e trouxe com ela o tão temido seminário. O Sr. Hopinks não perdoava e deixava até mesmo os alunos mais desinibidos, constrangidos com suas perguntas regulares e complexas. Por ser sexta-feira os alunos, assim como eu, não víamos a hora de atravessarmos aquele portão e finalmente sentir o gostinho da liberdade e então quando o último sinal tocou, uma multidão se formou na porta da sala. Arrumei minhas coisas devagar, mesmo querendo fazer o mesmo, mas era sexta-feira e poderia dormir até mais tarde na manhã seguinte. Despedi-me dos demais e atravessei o estacionamento indo em direção ao pessegueiro, minha vaga permanente. Avistei em cima do capô do meu carro um jornal de classificados e foi tentador não olhar a página de empregos. Mesmo que não encontrasse nada, pelo menos teria procurado. Uma página em questão chamou minha atenção: estavam contratando monitoras de creches infantis com ou sem experiência para trabalharem meio-período. O horário era flexível com a escola e quem sabe não poderia dar certo. No Kansas, às vezes, fazia bicos como baby-sitter. Não era nada definitivo, apenas cuidava dos filhos dos vizinhos quando precisavam sair. Isso me arrecadava uma boa grana no final do mês.

Coloquei o jornal aberto em cima do painel e decorei o endereço: Belcher St., 56. E foi pra lá que dirigi. Ainda me sentia uma turista subindo aquelas ladeiras de São Francisco, mas não podia dizer que não conhecia nada por ali. Não foi difícil encontrá-la. Sua fachada esverdeada, mais parecia com uma casa normal do que com uma escolinha infantil. Parei o carro do outro lado da rua e logo estava tocando a campainha. Uma senhora, já de idade, abriu a porta e sorriu ao me ver:

― Em que posso ajudar? – ela perguntou com sua voz doce.

― Soube que estão precisando de monitores infantis... – lhe mostrei o anúncio e ela me deu passagem para entrar antes mesmo que eu terminasse aquela frase.

SETEMBRO (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora