.: Capítulo 31 :.

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"Me acorde quando setembro acabar."

Era sexta-feira e já passava das 19h. Eu havia chegado do colégio há pouco tempo, pois havia ficado até mais tarde para terminar meu trabalho de Química que seria entregue no dia seguinte. Na cozinha, encontrei um bilhete escrito por minha mãe, uma caligrafia impecavelmente desenhada. Ao lado, havia um recipiente com bolo de carne – o melhor bolo de carne do mundo – e uma jarra com suco de laranja. O bilhete dizia que eles haviam saído para jantar com o Sr. Fisher, o chefe de meu pai, e que voltariam antes das 22h. Tomei um banho, jantei e acabei pegando no sono enquanto assistia a um programa de culinária na TV. Acordei em um salto após ouvir a campainha tocar. O relógio abaixo da TV informava as horas: 21h45.

Meus pais devem ter se esquecido das chaves. – eu pensei.

Ainda sonolenta, caminhei até a porta e para minha surpresa não eram eles. Lembro-me de ficar na dúvida sobre quem realmente eram aquelas pessoas que eu via pelo olho mágico, mas só após alguns segundos me dei conta de que eram Martin e Kelly, amigos dos meus pais, que frequentemente vinham aos jantares promovidos por minha mãe. Abri a porta e pudê vê-los com mais clareza:

― Boa noite, Abby. Podemos entrar? – Kelly disse com a voz calma.

― Meus pais não vieram com vocês? – perguntei.

― Podemos conversar? – foi a vez de Martin dizer.

Eu senti meu rosto corar e meu coração acelerar. No fundo eu parecia sentir o que vinha a seguir. Eu dei passagem para que eles entrassem e fomos em direção à sala. Eu já sentia uma enorme vontade de chorar, mesmo não sabendo o motivo daquela visita. Sentamos-nos de frente uns para os outros e após os dois se entreolharem, Kelly começou a dizer:

― Aconteceu uma coisa muito desagradável, querida. – ela fez uma pausa e quando percebeu que eu não diria nada, continuou – Seus pais sofreram um acidente enquanto voltavam para casa.

― Onde eles estão? – eu perguntei já sentindo minha voz embargar.

― No hospital. Precisamos que você venha conosco, pode ser? – ela respondeu calmamente.

― Sim. Mas como eles estão?

― É melhor irmos agora, Abby. – Martin disse se levantando e tocando meu ombro.

Eu percebi que eles não haviam respondido a minha pergunta e aquilo era o que eu mais temia. Vesti um casaco e seguimos em direção ao hospital. O silêncio dentro do carro era perturbador e eu sentia as lágrimas rolarem pelo meu rosto. No fundo eu sabia que não veria meus pais novamente.

Chegamos ao hospital e rapidamente seguimos em direção à emergência. Não reconheci nenhum rosto ali presente, mas todos pareciam me olhar com pena. Levaram-nos até uma pequena sala fria e branca onde um homem, já de idade, nos esperava. Ele vestia-se todo de branco e deduzi que aquele era o médico que tratava dos meus pais. Kelly passou o braço pelos meus ombros, como se estivesse se preparando para me segurar caso eu caísse, Martin me apresentou para o médico e após um longo suspiro e uma coçada na garganta ele começou a dizer:

― Olá, Abby. Sou o Dr. Morrison. – ele disse me estendendo a mão.

― Onde estão meus pais. Eu preciso vê-los agora! – senti minha voz se alterar.

― Infelizmente não será possível – ele disse sem mudar seu tom de voz – O acidente foi muito grave e eles não sobreviveram.

Aquelas palavras duras e pesadas caíram sobre mim como um peso de uma tonelada e o tempo pareceu parar. Sentei-me na cadeira a minha frente e as lágrimas que antes eram tímidas, começaram a cair descontroladamente. Martin trouxe um copo de água, que parecia já estar a minha espera e após um breve gole, me levantei indo em direção à porta:

― Eu preciso vê-los! – eu bradei.

Martin me segurou delicadamente e eu me afundei em seu ombro chorando inconsolavelmente. Não me lembro do que aconteceu depois, mas Kelly me disse, depois de algum tempo, que foi necessário me dar um calmante para que eu dormisse naquela noite.

Aquela semana parecia não acabar nunca. Durante dez dias, fiquei hospedada na casa de Martin e Kelly até decidirem o que seria feito comigo. Eu não tinha mais avós maternos e nem paternos e a única parente próxima da família era tia Steph, que no caso também era tia da minha mãe e eu só conheci no dia do enterro dos meus pais. Até então, nunca havíamos nos visto pessoalmente. Eu só a conhecia por fotos e por ouvir as histórias que minha mãe contava.

Me mudei para São Francisco no final de setembro, há poucos dias da morte dos meus pais e fiquei um ano estudando em casa. Não estava preparada para ter uma nova vida em uma cidade diferente da minha e com pessoas que nunca havia visto antes. Tia Steph concordou em pagar um professor particular e nunca me forçou a nada. Sempre respeitou meu tempo e individualidade e ficou muito feliz quando eu disse que finalmente estava preparada para frequentar novamente um colégio.

Foi assim que toda essa minha nova vida começou. 

SETEMBRO (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora