.: Capítulo 1 :.

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"Para todo fim há um recomeço."

Não imaginava que seria fácil, porém também não imaginei que seria tão estranho. Era bem mais fácil quando eu tinha 10 anos. Minha mãe segurava minha mão e me acompanhava até a sala de aula. Não precisava me virar sozinha e se não quisesse ficar, era só fazer uma ceninha para ganhar uma barra de chocolate assim que voltasse para casa, mas agora ela não estava lá ao meu lado e ninguém segurava minha mão fazendo-me sentir protegida.

Eu caminhava pelo corredor repleto de armários à procura da tal sala da Diretoria, segurando meu papel de transferência nas mãos. Avistei uma porta fechada, a única daquele corredor, e imaginei que ela poderia ser a sala que tanto procurava. Ao abrir a porta encontrei uma moça, de mais ou menos 30 anos, atrás de um balcão de mármore escuro. Ela vestia o uniforme padrão do colégio, camisa branca e uma saia lápis azul marinho. Me aproximei com cautela e então ela levantou os olhos em minha direção sorrindo:

― Em que posso ajudar? – ela disse educadamente. Sua voz era serena.
― Sou aluna nova e trouxe minha ficha de transferência. – eu respondi com segurança.

Ela me encarou dos pés a cabeça antes de verificar a folha que havia lhe entregado.

― Abby Stuart. Dezessete anos. Kansas. – ela leu a ficha em voz alta – Já estava a sua espera. Seja bem-vinda à Lowell High School, Abby! Aqui estão seus horários. – ela disse me entregando uma folha azul – Acredito que vá precisar de alguém para lhe...

Nesse mesmo instante a porta atrás de nós foi aberta bruscamente.

― Cheguei na hora? Diga que sim. – uma garota de cabelos alaranjados entrou na sala esbaforida.
― Srta. Moore. Como é bom vê-la. – a moça atrás do balcão disse cordialmente – Sim, você chegou bem na hora.

Pudê ouvir um suspiro de alívio vindo da garota atrás de mim. Então me virei para vê-la melhor. Seus cabelos alaranjados eram repicados, ela tinha quase a mesma altura do que eu, vestia uma calça jeans escura, com sapatilhas pretas e uma camiseta branca de uma banda que não consegui identificar.

― Conheço esse tom de voz - ela disse desconfiada – Diga o quer Srta. Ross!
― Sempre muito engraçadinha - a moça disse sorrindo - Bem, como sei que adora muito essa escola, te darei uma missão – o ar de suspense era nítido em sua voz.

Ao olhar para a garota, a vi revirando os olhos e depois esperando pela tal missão dada pela Srta. Ross:

― O que acha de mostrar a escola à aluna nova?

Pela primeira vez, ela pareceu notar minha presença naquela sala. Sorriu ao me ver e deu alguns passos em minha direção:

― Parece ser divertido! – ela disse me encarando.
― Ótimo! Vocês terão alguns minutos antes que as aulas comecem. – disse ela voltando aos seus afazeres – Não quero saber de problemas, ouviu Srta. Moore? – ela disse antes mesmo que nos puséssemos para fora da sala.

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Logo chegamos ao pátio principal com um gramado verde invejável. As aulas ainda não haviam começado por isso a movimentação de carros, bicicletas, skates e até patins era grande do lado de fora. Os grupinhos começavam a se formar em alguns cantos do pátio e não demorou muito para a garota começar a falar:

― Sou Elena Moore e você?
― Abby Stuart. Prazer! – respondi enquanto caminhávamos.
― Seu sotaque não me é estranho. Você é de onde?
― Kansas. – respondi sem jeito. Meu sotaque sempre me entregava.
― Uau! Kansas? Deve ser bem divertido por lá.
― Calmo demais na minha opinião. – respondi sincera.

Ela sorriu e me levou em direção a uma mesa de frente para o estacionamento. Me sentei no banco, enquanto ela se ajeitava na mesa mesmo, dobrando as pernas.

― Por que se mudou para São Francisco? – ela continuou a perguntar.
― Problemas de família – respondi começando a sentir minha voz falhar.

Era só isso que iria dizer. Não iria começar a contar toda aquela história novamente. Falar sobre o acidente envolvendo meus pais só me fazia sentir pior e eu precisava começar uma vida nova. Longe de todas aquelas lembranças assustadoras. Tentei me distrair olhando a minha volta. Aquela escola não era diferente das outras. Havia um prédio no centro e um ainda maior ao lado, onde talvez devia ser o ginásio. Meu olhos percorriam tudo, até se fixar em um grupo de garotos.

Quatro garotos encontravam-se parados em frente a um Chevy Neon preto, todos conversavam, exceto por um – que me encarava fixamente. Não conseguia deixar de fitá-lo também. Era como se algo me prendesse ali e não me desse chances para fugir. Era perturbador, mas ao mesmo tempo fascinante.

― Vejo que o Sr. Encrenca não para de encará-la. – a voz de Elena me vez voltar.
― Quem? – perguntei me voltando para ela.
― Sei que você também notou. - ela sorriu, mas logo seu sorriso se fechou ― Se quer um conselho, fique longe dele ou acabará se metendo em encrenca!
― Por quê? – perguntei já que aquela frase não fazia sentido algum.
― Ethan Walker é o típico garoto rebelde. – ela começou – Vem para a escola somente para zoar e nada mais. Não há um dia em que ele não fique na sala da detenção – Vamos! Ainda tem muita coisa para te mostrar. – disse ela mudando de assunto.

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Depois de conhecer o ginásio, o teatro, o laboratório de química e diversas outras salas ouvimos o sinal tocar. Elena parou subitamente e virou-se para mim:

― Qual é a sua primeira aula?
― História. – eu disse após conferir na folha dada pela Srta. Ross.

Ela suspirou.

― Ok. Então nos veremos na hora do almoço!

Ao perceber que eu não me movia, ela bateu de leve com a mão na testa e gargalhou:

― Ah claro. Vem, eu te mostro onde fica sua sala.

Após me deixar na última sala daquele corredor, ela acenou me dando as costas. Pensei ter ouvido um Boa Sorte!, mas achei melhor descartar essa ideia de minha cabeça – eu devia estar ouvindo coisas. Não poderia ser tão ruim assim. A porta estava entreaberta e logo que entrei, avistei uma bola de basquete vindo em minha direção. Fui salva por uma mão, que surgiu ali bem na hora. Suspirei de alívio.

― Foi mal. – ouvi uma voz masculina vindo do fundo da sala.
― Você deve ser a aluna nova, certo? - me virei ao ouvir outra voz, só que agora ao meu lado. Ele segurava a bola nas mãos, meu herói! - Não ligue não, o senso de direção dele é um dos piores da Lowell High. – o garoto disse apontando para o fundo da sala.

Sorri ao me deparar com um garoto de moicano azul. Retiro o que disse! Aquela escola era sim diferente das outras. Eu dei de ombros e soltei um obrigada. Pelo que deu para notar, os boatos sobre uma tal aluna nova, já rondava por todas as turmas.

― Você é de onde? – o garoto de moicano azul me perguntou.
― Kansas. – lá vou eu de novo ter que contar minha história.
― Uau! Eu adoro o Kansas, de verdade, por que saiu de lá? – ele perguntou.

Por favor! De novo não. Respirei fundo e estava prestes a dar outra desculpa qualquer, quando a porta foi aberta e um homem careca com uma pasta preta nas mãos adentrou a sala. Ufa! Dessa eu escapei.

― Sem bolas de basquete na sala! - ele disse parando em nossa frente. – Ora, o que vejo aqui? Você deve ser a aluna nova que veio do Kansas. – o professor disse assim que me viu.

Ótimo! Os boatos realmente já corriam a todo vapor. Eu não havia ficado nem uma hora na escola e todos já me conheciam como a menina vinda do Kansas.

― Sim, sou eu. - não havia como escapar.
― Encontre um lugar e espero que faça bom proveito da aula. – ele disse colocando sua pasta sobre a mesa.

Segui seu conselho e fui atrás de um lugar. Avistei um na segunda fileira e segui para lá. Joguei minha mochila sobre a mesa e escorreguei na cadeira. Eu sentia estar sendo observada, porém não sabia por quem.

SETEMBRO (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora