.: Capítulo 16 :.

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"Asestrelas só podem ser vistas no escuro."

O pátio do colégio estava repleto de folhas secas e amarelas. O outono, minha estação do ano favorita, deixava São Francisco ainda mais lindo. Na saída das aulas caminhei como de costume até meu carro onde encontrei um folheto colorido pendurado nos para-brisas:

"Eu aposto todas as minhas fichas em você."

Eu conhecia muito bem aquela letra grande e torta. Ou Ethan estava debochando de mim ou ele realmente acreditava em meu talento – era difícil saber. Guardei o folheto de qualquer jeito dentro de minha bolsa e segui em direção ao trabalho.

Aquele era a semana da família e a creche estava toda enfeitada com desenhos feitos pelas crianças. Eu estava adorando trabalhar ali. Era um ambiente completamente acolhedor e que cheirava a biscoitos de chocolate. Julieth e eu estávamos nos dando muito bem e ela, sempre que podia, elogiava meu desempenho. Eu adorava estar cercada por aquelas crianças agitadas e sorridentes e era até possível esquecer alguns problemas durante o dia.

Assim que estacionei meu carro na vaga ao lado da caixa de correios avistei a moto de Ethan parada a poucos metros. Respirei fundo e contei até dez antes de entrar. Eu deveria ter imaginado que ele estaria ali para registrar em fotos aquele evento, mas eu estava decidida a não me incomodar com sua presença.

Lá dentro as crianças corriam para todos os lados e logo correram em minha direção quando me viram entrar. Depois de um longo e delicioso abraço coletivo segui para o jardim dos fundos onde uma linda mesa de doces e bolos estava posta. Julieth veio me cumprimentar e em seguida me levou em direção a algumas mães.

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Aquela tarde de setembro estava linda e perfeita para uma reunião tão delicada como aquela e após conversar com algumas mães segui em direção a uma mesa repleta de tintas e pincéis. As crianças se animaram em me ver ali e logo começaram a me desenhar. Minutos depois vi um flash vindo em nossa direção – Ethan estava registrando aquele momento. Não era possível ver seus olhos negros por trás da câmera, somente um sorriso no canto de seus lábios era visível. Não sei quantas fotos foram tiradas, mas fizemos muitas caretas em direção a Ethan que se posicionava em lugares diferentes para pegar diversos ângulos.

Já passava das 19h quando todas as crianças e seus pais foram embora. Julieth também estava exausta, para uma senhora da idade dela ter ficado de pé praticamente o dia inteiro era quase uma batalha. Algumas monitoras também ficaram para ajudar a arrumar todo o espaço e Ethan se prontificou a ajudar.

― Você viu o recado que deixei? – ele perguntou enquanto arrumávamos uma das salas.

― Sim, mas se eu fosse você não estaria assim tão confiante. – eu aconselhei.

― Depois do que vi nesse final de semana tenho certeza de que você irá ganhar – ele respondeu enquanto carregava uma cadeira – Nunca fiz muita questão de assistir aos shows de talento da Lowell High, mas dessa vez eu estarei na primeira fila.

― Nunca cantei para uma grande plateia. – eu assumi. O tom de insegurança estava presente em minha voz. – Não sei se irei conseguir.

― Você tem um mês inteiro para ensaiar. Você consegue. – Ethan respondeu confiante.

Eram poucas às vezes em que conseguíamos manter uma conversa civilizada como aquela – era possível contar nos dedos às vezes em que aquilo aconteceu.

A noite já baixava sobre São Francisco e uma fina camada de neblina estava presente quando seguimos em direção à calçada. As temperaturas durante o outono eram amenas, mas sempre ao cair da noite era possível notar um nevoeiro se formando ao redor da costa. Aquela estação era a mais linda e mais doce de todo o ano:

― Então, até amanhã. – eu disse seguindo em direção a meu carro.

― Até amanhã, Miss Kansas. – Ethan respondeu colocando seu capacete escuro.

E assim cada um seguiu a sua direção. Sem brigas, sem xingamentos, sem discussão e, principalmente, sem jogos.

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Eu comia uma maçã quando ouvi meu celular tocar na sala. Era Elena:

― Não tive tempo de comentar sobre a festa de Andrew... – ela começou a dizer – Temos muito o quê fofocar. Primeiro: você tem uma voz linda, Miss Kansas. Devia se inscrever no show de talentos.

― Ethan foi mais rápido. – eu suspirei – Já estou inscrita.

― Como assim? – Elena soltou um gritinho de surpresa.

Contei a ela sobre Ethan, sobre a conversa que tivemos e sobre a inscrição no show. Elena esboçava uma gargalhada a cada palavra "carinhosa" direcionada a ele.

― Querida, pela primeira vez estou vendo Ethan se interessar por algo. – ela disse – Ele nunca se interessou por nada relacionado ao colégio... Você deve ser um Anjo e essa deve ser a sua missão na Terra. – ela gargalhou mais uma vez.

― Mais uma idiotice dele e eu sou capaz de matá-lo. – eu respondi tentando não sorrir.

― Próximo assunto: quem era aquele gato que estava com você na festa? – Elena falava rápido e sempre era um pouco difícil acompanhar seu raciocínio.

― Rick Donavan. Um amigo do Kansas. – eu respondi me ajeitando no sofá.

― Uau. Temos um Mister Kansas agora. – ela soltou mais um gritinho.

― Não viaja. – eu respondi revirando os olhos.

― Se eu não estivesse tão bem com o Tom eu até que tentaria conhecer um pouco mais sobre o Kansas... Se é que você me entende.

― Chegou tarde, porque pelo que pude perceber, Leslie já está interessada nisso também. – eu respondi.

― Inteligente. – Elena admitiu – Eu faria o mesmo... Se pudesse.

Passamos uma longa parte da noite jogando conversa fora. Era sempre bom conversar com Elena e fofocar sobre assuntos fúteis. Eu acabava esquecendo os problemas e me sentindo ligada aquela cidade de alguma forma.

Naquela noite tia Steph preparou uma deliciosa torta de frango e nós três jantamos juntos como uma família. Ralf já estava praticamente morando ali e, por incrível que pareça, aquilo não estava me incomodando. Desde que minha tia o conheceu, o clima naquela casa estava mais leve e muito mais romântico.

Já em meu quarto sentei-me no beiral da janela com meu caderno de capa amarela em mãos. Eu realmente não me sentia preparada para cantar em um show de talentos, ao mesmo tempo em que sentia uma enorme vontade de soltar minha voz para uma multidão. Desde a festa de Andrew, eu estava me sentindo um pouco mais segura, porém uma pontada de ansiedade estava presente em meu estômago.

Que música eu cantaria? Como eu deveria me portar? Música romântica ou agitada?

Aquelas dúvidas pairavam sobre meu cérebro me deixando ainda mais angustiada. Olhei para o céu e comecei a contar estrelas. Eram poucas, algumas encobertas pela neblina, outras quase imperceptíveis. Comecei a imaginar o que minha mãe diria se estivesse ali. Com certeza diria para seguir em frente, fechar os olhos e imaginar que não havia ninguém na plateia. Diria que o mais importante não era vencer, mas sim enfrentar os medos e viver meu sonho:

― Como eu queria você aqui do meu lado agora, mãe! – eu sussurrei para as estrelas lembrando o dia do velório de meus pais quando tia Steph me disse que eles haviam se transformado em estrelas e que estariam me observando do céu. Mesmo eu não sendo mais criança, acreditei naquilo e desde então as estrelas passaram a ter um significado ainda maior em minha vida.

SETEMBRO (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora