Cap.3/ "Eu não sou superficial"

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Parte 1.
》Segunda-feira

Está começando à amanhecer, agora, o sol ainda nem apareceu. Estou em cima do meu telhado, gosto de ver o nascer do sol. Engraçado, nesse horário tudo fica meio sem foco, como se fosse a hora perfeita para se pensar nas coisas. Bom, é a minha hora perfeita, já que estou sempre passando noites em claro. O céu vai clareando, às vezes eu fico puto por ser o começo de mais um dia, outras vezes eu também fico puto. Sabe, eu não tenho muita vontade de ficar aqui, no mundo. Eu queria dormir e não acordar mais. Tentei suicidio três vezes e eu sou tão idiota que nem me matar eu consegui. Uma pena.
Fiquei pensando em quem mais, que eu conheça, pode pensar assim. Meu pai? A vizinha que foi traída? Lara, a novata? Lara... Não sei porquê, mas ela me passa coragem. Talvez seja só minha insegurança ou minha autoconfiança falando (quem sabe?), mas sério, quando olho para ela, eu nem lembro do meu desejo de morrer e a coisa toda. Ela não parece ter medo algum e isso faz ela parecer meio diferente do meu grupo. Talvez seja porque sei as histórias que fazem o grupo passar de mascarados à vulneráveis. Todo mundo ali está machucado e eu sei os motivos. Mas, a Lara, bem... ela não parece estar machucada e eu também não sei por quê ela estaria. E isso só me faz pensar que talvez ela seja parecida comigo, jogando o jogo das pessoas e ficando um passo à frente, sempre. Eu estou sempre ficando puto com tudo, mas o grupo de lá ainda não se afastou de mim. Jay sempre tenta amenizar as coisas, talvez só tenha medo que eu conte para todo mundo tudo que sei sobre ele. Idiota. A segunda que eu menos sei sobre, é a Leslie. Ela nunca chegou a me contar muita coisa. Mas já me contaram, e uma vez um cara fez ela chorar e eu aprendi como se faz no momento que vi. E ela é nervosinha, também, e isso a faz parecer vulnerável na minha percepção. Quanto a Lara, tudo que eu sei é que o nome dela é Lara, ela tem 17 anos, está no terceiro ano do ensino médio e é uma chata comigo. Eu poderia brincar de iludir ela só para ela se tocar que não é tão importante e boa, assim. Seria divertido...
Ainda falta, praticamente, uma semana para eu sair de novo e vê-la. Isto é, se ela for. Não sei dizer se ela contava a verdade ao grupo quando disse que tinha sido legal, ela está sempre neutra, isso complica.
Olha lá ele. O sol. Ele sobe no céu como se nem soubesse que tentei me matar. Se eu tivesse conseguido, eu não estaria aqui, agora. Eu não estaria vendo o sol subir no céu, será que ele se importa? É claro que não.
O dia sempre passa devagar para mim. Passo o dia deitado, comendo e assistindo desenho animado. Às vezes eu saio para andar, ou então só deito no telhado e fico olhando para cima igual um idiota. É, eu não tenho uma vida muito animada. Tirando as noites de sábado, eu também saio algumas noites na semana, mas sempre chega a ser mais superficial que as noites de sábado. E, se ninguém é meu amigo nos rolês de sábado, piorou em qualquer outro dia.
Hoje eu acho que vou sair. Não quero ficar em casa e, como se cura uma ressaca senão bebendo mais?
"Eu não sou superficial" Esta é a minha negação número um.
Quarta-feira fui à um lugar, fiquei com uma garota e prometi que ligaria para ela. Tenho alguns números de garotas perdidos na gaveta e nos contatos do meu celular. Raramente eu ligo para alguma delas, no dia seguinte. Acho que curto coisas (e pessoas) passageiras a maior parte do tempo. À menos que eu esteja muito entediado, daí eu ligo para alguma garota que fiquei na noite passada e replay. Não é superficialismo, só não quero assumir compromisso com ninguém. Eu sou novo, quero me divertir. Tipo, agora eu ligaria para a garota que peguei na quarta-feira, mas perdi o papel com o número dela. Triste. Eu bem que queria ter uma parte dois, mesmo nem lembrando o nome dela.
São quase 7h da manhã, eu queria ter alguém me dando bom dia, que não fosse meu pai ou a vizinha da casa ao lado enquanto varre o quintal. Sabe, às vezes eu só queria que alguém se importasse. Mas... deixa, eu sou melhor sozinho. Se eu não criar laços afetivos com ninguém, não vou sentir falta quando esse alguém for embora. É melhor assim.
Meu pai acabou de sair para trabalhar. Ele trabalha na droga de um escritório de advocacia e está sempre pegando casos complicados que ninguém quer. Ele gosta do que faz. Eu queria encontrar algo assim, algo que eu sentiria que vale a pena lutar por aquilo e se dedicar. Eu poderia trabalhar com reparos e consertos, assim eu me deixaria novo e bem, novamente.

As Negações De ChristopherOnde histórias criam vida. Descubra agora