Cap.39/ Visita ao passado

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Abri a porta de casa e fui seguindo para o meu quarto. Ainda falta mais ou menos 1 hora, então eu me deito, jogando meus tênis longe e largando o celular na cama. Acabo cochilando e acordo com outra ligação do meu pai.

- Oi, pai - atendo
- Você não disse que já estava vindo? Aonde você está?! - ele pergunta irritado
- No quarto - falo ainda sonolento, passando a mão no rosto
- O que?!
- Estou no quarto - digo levantando e abrindo a porta. Meu pai me encara, no meio da sala. Ele desliga a ligação e eu abaixo a mão, deixando de segurar o celular próximo da orelha
- Ah, pensei que você ainda não tinha chegado, então nem pensei em te procurar no quarto... - ele diz sem graça - Já está pronto?
- Vou colocar o tênis - aviso entrando de novo no quarto

Ele concorda com a cabeça. Eu saio do quarto já com meus tênis calçados, vou me dirigindo até a cozinha, onde bebo um copo d'água e então sigo até a garagem. Entro no carro e espero até chegarmos. Lá, nós esperamos no corredor por longos minutos, porque é sempre assim. Ele sempre demora uma cota até chamar, eu não entendo por quê meu pai se preocupa tanto com atrasos nossos.

- Christopher - o psicólogo enfim chama, da porta. Meu sangue congela. Eu não quero entrar lá. Não quero ter que falar sobre nada, isso não está me ajudando e meu pai não acreditaria se eu contasse. Christopher, grrr.

Levanto da cadeira e vou até a porta da sala. Eu hesito, claro, mas ainda sim eu entro. Apenas fingindo que tenho coragem para isso. Encosto a porta, me sento como de costume e olho para ele, na minha frente.

- E aí, como vão as coisas? - ele pergunta, apoiando os antebraços na mesa e entrelaçando os dedos das mãos
- Bem - respondo, neutro
- Bem... - ele repete, assentindo - Christopher, acho que hoje vamos fazer diferente
- Como assim? - pergunto, já com receio
- Vamos... - ele começa, sutil - ...visitar um pouco o passado e tentar, novamente, encontrar algum ponto de partida para seus problemas atuais - ele disse e meu estômago se revirou
- Meus problemas atuais? - pergunto sarcástico mas também sério
- Seus conflitos psicológicos, digamos assim
- Hum. É sério? - pergunto fingindo desinteresse, desejando que ele diga "Não, é brincadeira". Mas ele não diz.
- Sim, é sério - ele responde - Deixa eu te perguntar, Christopher... - argh, Christopher - O que faz muito tempo que aconteceu, mas que ainda te faz sentir raiva?
- Não tenho sentido mais tanta raiva, eu...andei...filtrando as coisas
- Isso é bom, mas você ainda não respondeu a minha pergunta
- O que quer que eu diga?
- O que você quer me dizer?
- Sinceramente?
- Sinceramente.
- Bom, sinceramente, eu não quero dizer nada para você. Aliás, também tenho uma pergunta: Por que ainda não desistiu de mim como seu paciente?

Ele fica quieto, me encarando.

- Por que acha que eu ainda não desisti de você? - ele retorna a pergunta
- Porque está sendo pago para não fazer isso...? - chuto
- Não, Christopher... Como um profissional, estou tentando te ajudar
- Ah, sério, como um profissional? - pergunto irônico, franzindo as sobrancelhas e apertando os olhos - Como um profissional você deveria perguntar sobre as últimas coisas que aconteceram, não ficar cutucando meu passado
- Mas não é o passado que machuca você?

Cerro o maxilar e fico quieto.

- Então, vamos continuar? - ele pergunta
- Fazer o que... - eu cedendo, de novo, porque resistir não dá em nada.
- Qual parte do seu passado está incomodando você, atualmente?
- Todas elas
- Todas?
- É.
- Quais exatamente?
- A parte que minha mãe desaparece, a parte que eu afasto meus amigos... Se eu começar a listar, a gente vai passar o dia inteiro aqui
- Você se incomoda com isso? Se incomoda que tudo isso faça parte do seu passado?
- Claro que eu me incomodo
- O que você acha que poderia ter feito diferente?
- Bem, eu poderia não ter afastado eles...
- Mas você teve motivos, não teve?
- Tecnicamente, sim. Mas agora eu acho que foi apenas minha auto-sabotagem agindo
- Hum, sua auto-sabotagem... - ele diz parecendo impressionado - Ela se tornou tão presente por um tempo que devo perguntar: O quê ela anda fazendo?
- Eu não sei, tenho evitado pensar nela
- Tá bom... - ele diz, concordando com a cabeça - Em relação ao seus antigos amigos...vocês continuam ignorando uns aos outros?
- Não. Digamos que alguns deles querem retomar a nossa amizade... - conto
- E você quer isso?
- Eu ainda acho que não mereço eles
- Mas você quer merecer?
- Eu não sei - falo negando com a cabeça, apático
- Eles estão dispostos à esquecer o que você disse?
- Não. Eles querem saber o porquê de eu ter dito aquelas merdas
- E por quê você não explica para eles?
- Porque eu não consigo
- E como eles lidam com isso?
- O Paul não insiste muito para eu contar, mas é claro que ele quer saber. E...o Stevie... Bem, ele ainda está bastante puto com isso
- Você andou conversando com eles sobre outros assuntos, algo assim?
- No dia que eu caí da cama, com febre, Paul foi passar a noite no hospital, para me fazer companhia, e fugiu de lá comigo na manhã seguinte. A gente se fala, às vezes. - faço uma pausa - Mas eu não tenho moral nenhuma para tentar conversar sobre antes
- Você já disse isso para eles?
- Não exatamente, mas acho que o Paul entende
- O que mais?
- Mais nada
- Ah... Certo... Você disse que o Paul fugiu com você do hospital, quando estiveram lá... - ele lembra - Você o considera um bom amigo por ter feito isso? Que eu saiba, sua febre estava bem alta da última vez que nos vimos
- Ele não concordou muito com a ideia, mas fugimos de lá do mesmo jeito

As Negações De ChristopherOnde histórias criam vida. Descubra agora