Cap.47/ Nem foi nada demais

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Acabo apenas engolindo um dos meus remédios, junto com um pouco da água velha na garrafinha, e deitando. Não quero incomodar a Lara com isso, fecho meus olhos e desejo dormir mais rápido. Claro que o remédio não tem efeito imediato e eu ainda pude ouvir minha mãe me chamar, batendo na porta. E é claro que eu ignorei. Ela me chamou para jantar e eu só não tinha apetite algum. Ainda estou meio triste e desanimado, nem tanto pela comparação de mim com uma calopsita, mas talvez por ela ter chegado perto. O toque no meu cabelo, ou a mão nas minhas costas enquanto eu vomitava na manhã de domingo. Eu... sei lá, não sei como lidar com isso, também.
Meu celular notifica uma mensagem, mas a esse ponto eu já estou sem força alguma para se quer desbloquear o celular.

* Terça-feira, 15h20

Acordei mais fatigado que tudo, o que não é bem uma novidade. Mal tenho ânimo para levantar ou fazer qualquer coisa. A cama parece me acomodar bem. E a porta do meu quarto, trancada, me faz pensar que estou mais seguro do que se estivesse lá fora.
Ouço alguns barulhos na rua e, quando olho pela janela, vejo um garotinho correndo, vindo buscar a bola que caiu aqui perto. Mal consigo focar nas imagens, é como se isso fosse só um filme de má qualidade.
Volto a deitar porque, de repente, esta parece ser a minha melhor opção. Lembro da mensagem que recebi ontem e peguei meu celular na cama.

Lara: "Está aí?"

Cerro o maxilar e dou um suspiro baixo, um pouco arrependido por ter tomado o remédio, ontem. Tento digitar alguma mensagem.

Eu: "Oi. Agora estou. Aconteceu algo?", digito mas apago.
Eu: "Lara, oi. O que foi?", apago também

Penso um pouco.

Eu: "Acabei de acordar", essa eu envio
Eu: "A gente pode se encontrar, agora?", hesito muito, mas enfim envio também
Eu: "Ou você está ocupada?", pergunto só para saber

Encaro o visto por último dela, ansioso para a mesma ficar online, mas não fica. Alguns minutos depois de eu largar o celular ela responde.

Lara: "É, eu estava mesmo querendo me encontrar com você"
Lara: "Onde?"

Eu: "Pode ser na sua estação?", eu sugiro. A Lara demora alguns segundos para responder.

Lara: "Melhor não. Te encontro na sua"

Eu: "Tá bom, te espero lá"

Lara deixa de ficar online. Eu levanto, troco de roupa e calço os tênis. Me olhando no espelho, quase desisto de sair. Estou com olheiras horríveis e meus olhos estão fundos. Encaro meu cabelo, bagunçado, porém ainda caindo sobre a testa. Geralmente eu passo pomada, mas depois de ontem eu não tenho moral nenhuma para fazer isso. Acabo só bagunçando meu cabelo e passando um pouco de pomada para ele continuar bagunçado do jeito que está. Dessa vez eu não modelo para cima, não fico igual uma calopsita. Agora me sinto mal com meu cabelo, ótimo!
Escovo meu dentes e finalmente destranco a porta do quarto, devagar e tentando fazer o máximo de silêncio. Eu teria corrido para fora de casa se eles não estivessem meio que discutindo no quarto de hóspedes. A porta está fechada, eu me aproximo para ouvir.

- Ah, e por isso ele está no quarto desde ontem? - meu pai pergunta incrédulo. Afinal, o que ele está fazendo em casa hoje?
- Nem foi nada demais - ela diz, na defensiva
- O que você está pensando? Que ele é igual a você? - meu pai pergunta com ofensa

A voz deles está no volume de uma conversa normal, mas o tom deixa explícito que é uma discussão.

- Olha, eu não preciso das suas grosserias - ela diz como se fosse sair do quarto e eu fico paralisado
- Quem começou com isso foi você. Acha que é fácil para ele só esquecer que você não esteve aqui por 10 anos? - meu pai pergunta em tom de deboche dela
- Bom, ele deveria aproveitar que agora, eu estou
- Você pelo menos se desculpou?
- Claro - claro? Como claro?
- E ele?
- Olha, ok. Esquece. - ela ameaça sair de novo
- Não, espera - ele insiste - Você não se desculpou?

As Negações De ChristopherOnde histórias criam vida. Descubra agora