Cap.59/ Coelho

24 1 0
                                    

Quando chego em casa, entro alvoroçado e vou direto para meu quarto. Infelizmente as merdas que se passavam pela minha mente enquanto eu estava no trem continuam na minha cabeça, portanto vou colocar em prática. Talvez eu não saiba, não consiga ou não queira tentar controlar esse impulso. Na minha cabeça, eu mereço, e isso bastou para eu pegar uma lâmina nova de barbear da embalagem.
Posiciono sobre meu antebraço. Por que eu deveria me importar?, penso, como se eu nem ligasse para a situação toda. Tentando me convencer que não me importo. Tentando fazer soar indiferente, neutro. Duas. Faço duas linhas vermelhas com a lâmina na horizontal. Machadadas. Observo o sangue começar a sair e em seguida escorrer para as laterais do meu antebraço. Para um. Algumas gotas pingam na pia, eu ainda tentando me convencer que é indiferente. Coelho. Ouço batidas na porta do banheiro, o que me faz se assustar e uma lágrima escorre pela minha bochecha. Só.

Me distraí demais.

- Christopher? Está tudo bem? - minha mãe pergunta, realmente soando preocupada.

- Estou bem - murmuro para mim mesmo, ainda na tentativa de me convencer que Sim, é claro, eu estou bem, lógico que estou.

Coloco a música que eu considero mais alta para tocar no auto-falante do celular e ligo o chuveiro. Espero um minuto, e então desligo, torcendo para a minha mãe já ter saído do quarto. Como não ouço nada, imagino que ela tenha saído do mesmo. Me sinto mais tranquilo em relação a isso.
Deixo meu olhar cair um pouco. Meu desânimo aparente. Não preciso fingir que sou forte aqui. Ninguém está me vendo. Fico quieto por um instante, só respirando, tendo consciência que posso fazer isso. Lavo meu braço na pia com um pouco de sabão e, como não parecia parar de sangrar, peguei alguns band-aids perdidos na gaveta e coloquei nos cortes. Que grande merda., penso.
Demoro um pouco para conseguir sair, mas enfim saio do quarto, usando uma camiseta de manga comprida e a bermuda que uso para dormir. Para minha sorte, não encontro com nenhum dos meus pais pela casa. Encho a garrafinha de água e volto para o meu quarto. Engulo meu remédio - que eu deveria ter começado a tomar regularmente desde quando o psicólogo passou, o que já faz algum tempo - e deito na cama. Verifico as notificações e espero o remédio fazer efeito.

Durmo pesado pelo resto do dia.

* Terça-feira

Quando fui tomar banho, os cortes arderam. Fiquei olhando para eles e pensando que talvez eu merecesse aquilo mesmo. Mesmo que eu estivesse bêbado, isso não é desculpa, fui um babaca em enviar aquelas mensagens para a Lara. Nem sei como pude fazer isso. Então... bem, talvez eu mereça as machadadas que recebi. Tudo bem.

Me chamo coelho, agora. Posso aceitar isso.

Pelo menos consegui deixar meus pais, digamos, contentes por ter me alimentado direito. Almocei e jantei hoje. Sei lá, sinto zero vontade de comer, embora o remédio me faça sentir uma falsa fome o tempo todo. O lado positivo/negativo é que ele não me dá sono, embora me deixe quase que dopado, morçado no sofá. Meus pensamentos se encontram indiferentes e, dessa forma, me sinto desligado - como odeio me sentir geralmente, mas dessa vez eu só não ligo.

* Quarta-feira

Leslie me ligou e me convenceu à sair de casa hoje. Francamente, eu respondi com tanta indiferença que, quando a hora de eu sair se aproximava, eu mal conseguia (ou queria) levantar. Cheguei a digitar a mensagem algumas vezes, dizendo que não iria mais. Pensei em algumas desculpas também, mas no fim acabei apagando a mensagem e levantando.

Ela me levou até uma praça e por acaso vimos o sol se pôr. Num momento, só deitei na grama e fiquei. Eu não queria levantar dali nem tão cedo. Leslie brigou um pouco, dizendo que os outros estavam olhando e tentou me convencer à levantar, até disse que poderia ter mijo de cachorro. Eu só... continuei. Ela acabou cedendo e deitando também. O cabelo longo e verde se esparramando pela grama.
O céu estava aberto, mas acabou fechando-se de nuvens. Promessa de chuva, talvez? Sei que aproveitei aquela grama tanto quanto pude.

As Negações De ChristopherOnde histórias criam vida. Descubra agora