Cap.41/ Empatia

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Continuo olhando para ela, esperando para ver se ela se incomoda ou fica sem jeito, mas nada. Ela se assusta quando um trovão faz barulho. Quase sem se mexer, apenas um espasmo que a faz fechar os olhos. Depois me olha e parece envergonhada, passa a mão arrumando a franja e sai andando da cozinha.

- Você tem algum trauma de infância relacionado à chuvas, ou coisa assim? - eu pergunto
- Não lembro - ela diz, sentando no sofá - Mas não gosto quando eu estou sozinha e começa a chover
- Faz quanto tempo que você descobriu isso?
- Menos de um ano, eu acho...
- Foi depois que seu irmão saiu de casa?
- É, acho que um pouco depois. Ele saiu no inverno, tive um tempo sem chuva...
- O que você achava da chuva, antes?
- Sei lá, acho que eu não ligava muito para ela...
- Entendi...
- Mas e você? O doido que sai de casa na chuva...
- Não gosto de ficar em casa quando está chovendo
- Por que não?
- Fico incomodado e inquieto
- Igual como você ficou no trem, ontem?
- Mais ou menos isso...

Lara assentiu, desviando o olhar e encarando o braço do sofá.

- Você pode sentar, Chris... Não vou morder você - ela diz, com um pontinha de sorriso. Dou risada baixo
- Eu me sinto meio estranho quando vou na casa de alguém pela primeira vez - conto, também me sentando no sofá, ao lado dela
- Verdade?
- É.
- Então aquela não foi a primeira vez que você foi na casa da Alex, né? Porque você não parecia desconfortável com a situação
- Eu conheço a Alex há algum tempo, já tinha ido na casa dela antes.
- Legal... - Lara comenta - Naquele dia, foi a terceira vez que fui lá, eu acho...

Paro para notar o quão confortável aquele sofá é. Encosto as costas e sinto isso.

- Esse sofá é ótimo - eu elogio, fechando os olhos por um instante
- Você acha? - Lara pergunta. Eu olho para ela e a vejo sorrindo.
- Acho

Outro trovão. Agora Lara apenas fechou as mãos em forma de punho, com força, logo após outro espasmo. Ela olha para mim e então desvia o olhar.

- Não gosto de trovões - comenta, ainda sem olhar para mim -, sempre fico apreensiva por causa deles.
- Como assim? - pergunto, querendo entender
- Sei lá, é como se fosse acontecer alguma coisa... Tenho medo do teto cair ou de algum raio invadir a casa... sei lá.
- As possibilidades disso acontecer são mínimas - considero
- Eu sei. E isso não é o pior? Porque eu sei que não vai acontecer, mas mesmo assim não tenho certeza e os trovões apenas continuam me deixando mais assustada
- Eu te abraçaria, agora
- Então me abraça, porque estou precisando disso desde quando meu irmão saiu daqui ontem

Fico parado, olhando para ela e me perguntando se ela está falando sério ou eu quem estou imaginando coisa.

- É sério? - pergunto
- Claro que é sério - ela diz com um tom de imediatismo

Me sento mais perto dela e a abraço. Abraço meio forte, já para sufocar os pensamentos ruins (não literalmente falando). Lara retribui o abraço apertado. Devo repetir o que eu já disse, sobre o abraço dela ser simplesmente ótimo. Porque é.
Quando nos soltamos, ela deu um sorriso tímido e eu voltei a encostar as costas no sofá.

- Eu tentei falar com meu pai, ontem, sobre eu entrar no consultório do psicólogo de um jeito e sair pior - comecei a contar. Lara ergueu as sobrancelhas, interessada
- E aí? - perguntou, me olhando
- Ele não consegue entender - eu conto, já cansado - Ele acha que não estou me esforçando, só porque não consegui esperar a consulta acabar para sair de lá
- Poxa... - ela diz, parecendo desapontada - Será que não há nada que faria seu pai entender?
- Eu não sei, mas não vou mais tocar nesse assunto com ele... Eu desisto

Ficamos em silêncio por um instante, até ela me olhar entusiasmada e levantar do sofá em um pulo.

- Já volto - diz, entrando na cozinha de novo. Depois voltou com dois pacotes de bolacha recheada
- Morango ou chocolate? - pergunta, me fazendo escolher. Observo ela por um instante, então estendo minha mão e escolho o pacote de sabor morango.
- Você adora bolachas recheadas... - comento
- Claro. Você não? - ela diz se sentando no sofá de novo
- Eu gosto, mas meu pai parou de comprar - abro o pacote de bolachas e dou uma mordida na primeira que eu pego
- Por que?
- Porque eu só quero comer isso e esqueço de comer comida de verdade
- Ah - ela diz rindo - Assim não dá, Chris
- E você? Já almoçou? - eu pergunto
- Não. Eu dormi no sofá e acordei quando a chuva começou a ficar forte, daí não tive coragem de ir até a cozinha pegar nada para comer
- Por que não come, agora, então? - sugiro. Lara dá de ombros
- Estou comendo bolacha - diz e dá risada
- Ah, assim não dá, Chris - imito, fazendo voz de retardado. Ela me dá uma cotovelada leve, sorrindo
- Vai pra merda - diz, me olhando e desviando em seguida - Depois eu como
- Eu sei esse depois...
- Não sabe nada. Você sabe do seu depois
- Uhum... - digo em tom de desconfiança, ela me olha sorrindo. Eu guardo esse momento na memória, junto com alguns outros, porque sei que de repente passa, acaba...enfim, acontece qualquer merda e eu apenas não quero esquecer

As Negações De ChristopherOnde histórias criam vida. Descubra agora