Capítulo 21

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   Pamella:

   Eu não sei o que fazer. O dia está quente – 17 graus antes do início oficial da primavera? Uau! – e, mesmo com a previsão de chuva, nenhuma gota caiu ainda.

   Depois de longos minutos debatendo o que usar, decidi que meus vestidos não são os melhores para a ocasião, mas que um jeans e uma blusa legal, ao invés de uma camiseta, nunca foram a pior escolha do mundo para esse tipo de coisa. A questão agora é outra. Olho no relógio do celular, na pia, ao lado de todo o equipamento de maquiagem que tenho. Eu tenho uma hora para sair.

   Pelo amor de Deus, deixa de ser tão mulherzinha!

   Eu SOU mulher!

   Minhas olheiras, os cravos no meu nariz, no meu queixo e na minha testa, minhas sardas (tudo bem que essas não são só no rosto), a vermelhidão do meu nariz e as veias que ficam visíveis na minha pálpebra me incomodam.

   Ok, maquiagem.

   Não preciso me preocupar em não exagerar porque 1- eu não tenho tempo para tal e 2- não sei fazer coisas elaboradas em mim mesma (pelo menos não na parte esquerda do meu rosto. Mal consigo achar posição para passar rímel nesse lado).

   Levo o batom na bolsa, mesmo sabendo que não vou reaplicar, como de costume.

   Espero que a estrada colabore e me dê os dois minutos que eu perdi.

                                                           ***

   Respiro fundo ao parar o carro e continuo ali, sentada. Olho no espelho. Tento ajeitar meu cabelo, mas ele consegue ser bem desobediente quando quer – ou seja, depois de ter me obedecido por cinco minutos.

   Vendo que não vai ter urucubaca para dar jeito nessa "franja", respiro fundo, ignorando a buraco negro e gelado no meu estômago.

   Segura a franga.

   Penso se deveria ter reaplicado o batom, mas vejo o Scott abrindo a porta, rindo e balançando a cabeça. Ops.... Sabe o estômago? Aquele buraco negro saiu um pouco do controle.

   Pego os bolinhos que comprei no banco de trás e forço a mim mesma a caminhar para frente, mesmo estando bem tentada a sair correndo – ou com o carro, também serve – e tentar a sorte numa das outras faculdades que me aceitaram há alguns meses.

   Então, digníssimo reitor, é que eu fiquei em coma pelos últimos meses, mas perdi todas as provas, porque o hospital foi destruído num incêndio, junto com os médicos que cuidaram de mim.

   - Oi.

   Como pode uma palavra tão simples e sem graça soar tão asbnakgdjxgjfsfgak na voz desse cara, Deus?

   O Scott está simplesmente parado ali, no batente da porta, numa calça jeans e blusa azul, encostado e sorrindo como se não estivesse prestes a peidar – aprendi a distinguir a expressão contra-gases dele. Quatro meses servem para alguma coisa, no fim das contas.

   - Oi.

   - Eu te ajudo com isso. – ele diz, então pega a sacola da minha mão, mas sem arrancar de mim.

   - Obrigada. – eu rio, nervosa, e não consigo fazer contato visual muito direto, então respiro fundo, encolhendo os ombros, e olho para o chão.

   - Não tem de quê. E você tá linda. Dá até pena de borrar seu batom. – nós dois rimos e eu ouço seu flato, mas parece que um peso saiu de nós dois. Eu consigo parar de encarar o chão, mas olhar seus olhos por mais de meio segundo ainda é um desafio muito grande – Foi só pra descontrair. Quer dizer, você está linda, mas eu não tenho pena do seu batom. O que me lembra... – ele beija meu rosto, no cantinho da minha boca. Não sei se o Scott sabe, mas adoro quando faz isso.

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