Pamella
"Era uma vez uma garotinha.
Essa garotinha tinha suas chamas fortes e livres, espalhadas. Com toda a frieza escondida nos falsos "Deixa pra outro dia" e promessas, com todos os "Agora não é hora de brincar ou conversar", "Você quer tudo na hora errada" e todas as vezes em que não teve o direito de reclamar, suas chamas foram enfraquecidas, tendo que se agrupar para se fortalecerem.
Levou um tempo.
Depois desse tempo, o frio tomou conta dos arredores, mas a chama não desistiu; espalhou-se de novo, disposta a ser livre novamente.
Contudo, isso só serviu para que se tornasse fraca mais uma vez.
Depois de muita repetição deste erro, a garotinha aprendeu que o frio está cada vez mais forte, ela está cada vez mais errada. Assim, decidiu guardar as chamas agrupadas. Pelo menos ela se manteria aquecida, já que seu calor não parece agradar ninguém.
As pessoas passaram a reparar no frio, em como ela estava fria. Mas, no momento em que passaram a sentir falta de brincar com suas labaredas, já era tarde; já havia paredões de neve que, a cada vez que eram derretidos, se vingavam e molhavam as chamas, enfraquecendo-as. Seu fogo, então, decidiu não mais lutar contra a tempestade de seu inverno perpétuo; decidiu lutar para manter-se forte no meio desta maldição apenas.
As chamas ficaram tão fortes que acabaram por se queimar, transformando todo o calor da garotinha em cinzas. Agora, ela carrega este inverno em seus olhos, mas bem lá no fundo, se você tiver um coração puro e sonhador, ouvirá o mudo tilintar de um ponto de calor em suas cinzas, que junta todas as suas forças insignificantes para fazer desta garotinha uma fênix. Mas ela tem medo, porque não está mais acostumada com o modo como as chamas queimam, e não sabe se será capaz de resistir."
"Vivo na minha concha porque sei que, caso eu decida rompê-la, isso será como um tiro no seu coração. É por isso que há anos morro aos poucos, sem ar aqui dentro. É por isso que é tão difícil para mim, fazer mesmo que uma rachadura para que entre algum ar. Até uma simples rachadura te destrói.
É por isso que escolho morrer lentamente e sufocada a ser uma pessoa aberta.
Me desculpe se é frustrante ter uma concha rachada e ridícula no lugar de uma pérola, mas a verdade é que não há nada de precioso dentro desta concha, e ver o que há lá dentro te decepcionaria demais.
Talvez seja bem melhor para você, ver essa concha ser jogada para bem longe sem saber o que ela guarda, do que abri-la, machucar-se e achar lama ao invés de joias."
Escrevi esses textos há pouco mais de um ano, mas a cada vez que visito meus pais – e, consequentemente, brigo com minha mãe por causa do meu 'coração de gelo que não se importa com a família' – a sensação parece voltar.
Eu queria um dia ter peito para entregar algum desses textos a ela, principalmente. Mas nunca terei. Assim como nunca tive.
A única vez em que confiei em algum texto a um familiar foi ao meu irmão. Nunca mais se repetiu porque ele saiu gritando pela casa "OLHA, MÃE! A PAMELLA SABE RIMAR!" e, até hoje, só de lembrar eu fico desconfortável.
Essa foi a única vez, depois de crescidos, em que eu e meu irmão quase nos aproximamos de verdade.
Eu odeio que não tenha dado certo. Odeio nossa distância e nossa frieza um com o outro.
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Palavras e "Riscos"
RomanceDe diferentes cantos da Inglaterra, vêm duas garotas. Pamella é sempre feliz. Alexia é sempre o que se espera que uma adolescente seja. Ambas camuflando todo o resto de todo mundo, cada uma com sua forma de lidar com seus sentimentos. As duas...