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Madalena

Desde que minha mãe me proibiu de "me aproximar" de Camila, que temos que andar pisando em ovos para nos falarmos, ou até num aceno simples de longe.

Estou morrendo por dentro com essa situação, já se passou quase um mês desde que minha mãe me proibiu de falar com ela e, digo com certeza, sua desconfiança está durando mais do que eu esperava, pois, os boatos dela com Flávia já nem são tão fortes assim, porém, mesmo assim, minha mãe não me libera.

Meu irmão, felizmente, aliviou um pouco sua "marcação pesada", como Camila fala, não ficando tanto no meu pé ou me acompanhando para baixo e para cima, o que nos dá uma pequena aliviada. Contudo, ele está distante de todos e mais fechado, o que é estranho.

Estamos próximos de fechar o primeiro semestre no colégio e eu estou tentando distrair minha mente nas provas, pelo menos assim não fico triste pensando na distância que estou de meu amor.

Estou na padaria, aproveitando o baixo movimento para estudar um pouco. Minha mãe, como sempre, fica de ouvidos atentos, prestando atenção em tudo que eu falo e todos que entram e saem. Lembro com dor do dia em que Camila esteve aqui e minha mãe, rispidamente, não me deixou atendê-la, agindo de forma fria com ela e não permitindo nem que eu ficasse na loja.

Sinto tanto pela falta que ela me faz. Minha mãe, que agia tão carinhosa e simpática com ela, agora não suporta nem ouvir seu nome, me repreendendo toda vez que dizia. Dizia, pois, depois de perceber sua aversão, evito falá-lo, só dizendo quando ela me pergunta algo.

Estou perdida em um exercício de Literatura, quando me deparei com um texto de Guimarães Rosa: Soneto da saudade.

"Quando sentires a saudade retroar / Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso. / E ternamente te direi a sussurrar: / O nosso amor a cada instante está mais vivo! / Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos / Uma voz macia a recitar muitos poemas... / E a te expressar que este amor em nós ungindo / Suportará toda distância sem problemas... / Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve / Como uma pluma a flutuar por sobre a neve, / Como uma gota de orvalho indo ao chão. / Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos, / Sempre que juntos, a emoção que partilhamos... / Nem a distância apaga a chama da paixão."

Uma dor pungente flechou meu peito, porque, esse texto me fazia lembra dela, de nossos momentos, agora encobertos pela clandestinidade absoluta, pois, nem mesmo posso te ver em sua casa, a cada domingo, como fazia antes.

Não preciso dizer que uma lágrima teimosa escorreu pelo meu olho, não é? Dói! Dói demais não poder ficar com ela como eu gostaria de ficar. E o pior é saber que para ela também é dolorosa, pois eu vejo em seus olhos, manchados pela sombra das olheiras, da tristeza, a súplica para me tocar, para rir comigo, para segurar minha mão, mas o medo de nos afastarem mais e mais nos impede.

Aquele dia, naquela praça em plena cidade, nos abraçamos tão forte e nos prometemos não deixar de acreditar e de lutar por nós. "Estamos travando uma guerra, uma silenciosa, mas, no final, nossos sentimentos vencerão." Ela falou sorrindo entre lágrimas no momento em que tivemos que nos despedir.

Desde então, nos vemos sobre a escolta de Lucas, Bruna e dos outros meninos, que acabaram descobrindo e, por incrível que pareça, nos apoiaram e estão conosco. Porém são períodos tão curtos, tão escassos que parecem nunca serem suficientes para matar nossa saudade, nossa necessidade de uma com a outra.

Flávia, a causadora de todo o problema – sim, ela é a culpada, mesmo Camila dizendo que a responsabilidade é sua, por ter mexido e se envolvido com ela daquela forma, eu ainda a vejo como culpada, pois eu nunca faria o que ela fez, mas, enfim. Flávia anda pelos corredores com um sorriso dissimulado nos lábios, se sentindo vitoriosa, além de olhar para nós com soberba.

Campos dos Ventos (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora