Depois de deixar Ra’s, refleti sobre nossa conversa. Meu amigo carregava em suas costas o peso do mundo, e não estava disposto a partilhar isso com mais ninguém. Era definitivamente egoísmo de sua parte, afinal, poderíamos partilhar tal peso, porém seu ego não permitia.
Talvez ele tivesse mais problema em confiar nas pessoas do que eu tinha imaginado, não sei nada sobre sua vida na Rússia, e mal posso imaginar o tipo de pressão que ele sofreu para se tornar quem ele é. Claro que ele escolheu seu próprio caminho, só que o mesmo é árduo demais, e nós, pessoas que gostamos do mesmo, que lhe desejamos bem, sofremos juntos.
Ele tenta nos poupar de todas as formas, e acaba assim sendo rude, ignorante, frio, e muitas das vezes até maltratava algum de seus familiares. Na mente dele é assim: os fins justificam os meios. Ra’s é como um F7, devasta tudo ao seu redor, porém dentro dele há um ser bom, amoroso, carinho, que sente mais do que deveria; e ele achava que isso o tornava fraco. Desejava ser capaz de fazer o que era necessário sem sentir as consequências depois. Eu sabia o que aquilo significava, se minha mãe um dia, vier a falecer, e meu pai entregar-se ao pacto com Arthur, é minha obrigação mata-lo, pois é o desejo de minha mãe, e mesmo sendo meu pai, eu o mataria, e sofreria pelo resto da eternidade. Talvez meu amigo fosse apenas mais um garoto assustado, tentando usar tudo ao seu alcance para não sofrer mais, e assim poder fazer o que precisa ser feito.
Eu entendia porque ele tinha se fragmentado. Não aceitava sua escolha, mas a entendia com perfeição, e não tinha outra opção a não ser respeitá-la.
Não era fácil esconder de Amelie aquela merda, mas não poderia contar a ela, por mais que a mesma me odiasse o resto de minha existência, não poderia fazer isso com ele. Ra’s não suportaria ser traído, seus olhos denunciam isso, seu receio em confiar, sua expectativa em confiar, e o medo da decepção de ter traído.
Era uma droga, estava entre a cruz e a espada. Se eu falasse algo, quebraria qualquer chance de ele confiar em alguém novamente, de voltar a ser o líder que quero seguir. Alguém que eu sabia ser único.
A maldade e a ingenuidade estavam mescladas naquele ser de cabelos vermelhos. Era um inferno viver assim, mas eu gostava de saber que ele tinha me escolhido para ser seu confidente. Seu porto seguro, por assim dizer.
Por um momento parei, e pensei no que me aguardava: Anya já tinha ido para casa com Jacob, e eu fiz o mesmo, tentando não pensar no cheiro de uma certa Dragomir, que encontraria ao chegar em casa. Já quase não sabia como lidar com Ariane, a queria para mim, e mesmo lhe afirmando que Ra’s não nos traria problemas, ela ainda se esquivava de mim. Estava me cansando daquele jogo de gato e rato, meu pai ensinou-me a ser persistente, porém dar murro em ponta de faca durante a eternidade é uma total perda de tempo.
Suspirei e iniciei uma corrida até o complexo, estava cansado, queria apenas tomar um bom banho e dormir até meu pai jogar-me da cama, chamando-me de preguiçoso. Sentir o vento balançando meus cabelos, acariciando meu rosto, durante a corrida, era maravilhoso, sentia-me um com tudo ao redor. Uma fera à solta. Um predador.
Um assassino.
Quando meu pai fez o pacto, não sabia que isso respingaria em sua descendência, pois nasci metade amaldiçoado. O lado predador do meu pai, tinha sido passado para mim, dando-me uma obsessão em arrancar cabeças e/ou empalar os inimigos, exibindo-os como um troféu.
Sorri malicioso, lembrando-me das caçadas. Apesar da pouca idade, meu pai fazia questão de levar-me consigo para caçar, ursos, linces, leões, cervos... Humanos. Era extremamente revigorante.
Afastando esses pensamentos de lado, cheguei ao complexo e fui direto para o meu quarto, ignorando totalmente todos ao redor, em especial uma Ariane que estava na sala de estar, conversando com minha mãe. Pareciam intimas.
Que se foda. Podiam ser intimas a vontade, já que ela não queria intimidade comigo, não iria ficar me humilhando ou rastejando. Rosnei irritado, o que não passou despercebido por minha mãe, que estreitou os olhos em minha direção, antes que eu pudesse sumir nos corredores. Durou apenas um milésimo de segundo, mas foi o suficiente para tomar minha decisão: iria desistir de Ariane Dragomir.
Cheguei ao meu quarto, e bati a porta com força, era algo totalmente desnecessário, porém eu queria extravasar, rosnei novamente como uma fera e comecei a andar em círculos no quarto, tencionando todos os músculos, sentindo-me prestes a explodir.
_Enzo... – a voz chamou-me, olhei atordoado para todos os lados, encontrando uma porta do tempo, aberta. Puta que pariu, era Ra’s me chamando – Enzo...
O que encontrei ao passar por ali, chocou-me de inúmeras formas. Foi como um soco no estomago, deixando-me sem ar. Ra’s estava jogado no chão, sangrando por todos seus orifícios, agonizando, e Amelie o olhava confusa. Rapidamente varri a sala com meus olhos e encontrei Aria jogada num outro canto.
Fodeu de vez: Amelie surtou e matou metade da alma de Ra’s.
Inspirei o ar com força, completamente fora de mim.
_QUE PORRA É ESSA? – gritei totalmente histérico, abaixando-me para socorrer Ra’s, que parecia estar morrendo, mas era o maldito efeito colateral – QUE MERDA VOCÊ FEZ GAROTA? – indaguei checando seus sinais vitais, o estava perdendo.
_eu não sei... – balbuciou confusa, deixando-me ainda mais enfurecido.
_Enzo... Meu selo... Foi rompido... – foi tudo que murmurou antes de desmaiar. Urrei irado, levantando seu corpo em meus braços. Parecia um boneco.
_eu nem trisquei nele! – argumentou e eu a ignorei – Enzo! – exclamou colocando-se em minha frente. Apenas estreitei meus olhos para ela, que se afastou imediatamente.
_não fique na porra do meu caminho! – rosnei com os dentes trincados. Olhei para o corredor, estava ambientado com o lugar, e caminhei para o quarto dele. Precisava fazer tudo conforme o mesmo tinha me instruído.
Adentrei em seu quarto, e o coloquei na cama, rasgando sua camisa no processo, precisava desenhar alguma runas com uma mistura especial que ele tinha preparado, e recitar algumas palavras numa língua morta, para unir adequadamente as duas partes da alma, dentro do mesmo ser, sem que houvessem danos. Ra’s já era danificado por natureza, não precisava ter uma alma quebrada para desgraçar tudo de vez.
Apressei-me rumo ao cofre que ele mantinha no closet, digitando o segredo rapidamente, e assim que o mesmo se abriu, peguei o pequeno frasco que continha a porção já pronta. Era uma benção e uma maldição, ele sempre soube até quando duraria sua divisão, por isso manteve-se o máximo possível afastado, para então fazer o que tinha que ser feito, sem qualquer remorso ou hesitação.
Pergunto-me apenas como ele vai lidar com o problema principal, uma vez que seus sentimentos irão devorá-lo como um avalanche, sem falar no quanto ele venera Arthur, e mata-lo, seria o esforço mais descomunal que ele faria; no entanto, sabíamos que o tempo do Dragomir havia se acabado, e se não o tirássemos do caminho em breve, teríamos muitos problemas.
Habilmente comecei a desenhar as runas em seu peito, só então notando o cheiro suave de baunilha que Amelie exalava.
_o que você está fazendo? – perguntou baixinho, mantendo a distância.
_salvando-o! – resmunguei concentrado na minha tarefa – se você tentar mata-lo novamente, eu farei o favor de o afastar de você de uma vez por todas!
_você não ousaria... – parei o que estava fazendo, e virei-me para ela.
_que porra você quer garota? – perguntei encarando-a – ficou reclamando infinitamente por causa do noivado! Passou meses resmungando sobre ele ser um filho da puta cretino e que jamais se casaria com ele! Você sequer jamais tentou entender o que se passava com ele, fazendo apenas suposições ridículas! E agora, que ele finalmente, liberou você de toda a merda que estava te prendendo, você vem com essa de “não ousaria”? – sorri irônico – não teste a porra da minha paciência!
_você não sabe pelo que eu passei... – resmungou visivelmente magoada.
_E VOCÊ NÃO SABE PELO QUE ELE PASSOU! – bradei exaltando-me – NEM FEZ QUESTAO DE SABER! O DESGRAÇADO JÁ NÃO FALA COM QUASE NINGUEM, E VOCÊ TORNA AS COISAS AINDA MAIS COMPLICADAS! O TEMPO INTEIRO, ESSE BABACA FEZ ESCOLHAS DURAS, PRA POUPAR TODOS NESSA MERDA DE FAMILIA! E VOCÊ JAMAIS PENSOU NO QUE ELE TEVE QUE SACRIFICAR PARA ADQUIRIR TANTO PODER, A PONTO DE PODER DESTRUIR A PORRA DE UM FUTURO ONDE QUEM AMAMOS, MORRRIA! – despejei tudo de uma vez – NINGUEM SE IMPORTA! TODOS DIZEM A MESMA MERDA: “NÃO FAÇA ISSO”, “É UMA ESCOLHA DIFICIL”, “É LOUCURA”, MAS NINGUEM TOMA UMA ATITUDE!
_E QUEM VOCÊ PENSA QUE É PARA JOGAR TUDO EM CIMA DE MIM? – gritou aproximando-se – VOCÊ É APENAS OUTRO BABACA, QUE IGUAL ESSE DEMENTE, FAZ O QUE QUER, SEM SE IMPORTAR COM AS PESSOAS AO SEU REDOR!
_E ISSO AS MANTEM VIVAS!!! – berrei por cima da sua voz, fazendo-a olhar-me chocado – FAZEMOS O QUE PRECISAMOS FAZER, PARA QUE A BUNDA DE VOCÊS ESTEJA SEGURA, PARA QUE RECLAMEM E CRITIQUEM NOSSAS AÇOES E ESCOLHAS, POIS NOS IMPORTAMOS DEMAIS COM BABACAS, QUE PREFERIMOS SER CRITICADOS A VÊ-LOS MORRER!!! – rosnei e voltei a minha tarefa, não podia perder mais tempo com aquela menina tola, que sequer sabia o que falar.
Terminei as runas e me concentrei em dizer as malditas/benditas palavras corretamente, ou de nada adiantariam. E uma vez ditas, Ra’s começou a recuperar um pouco do sangue perdido, fazendo sua palidez extrema desaparecer. Suspirei e sentei-me aos pés da cama, observando-o.
_e agora? – perguntou ainda emburrada com o que eu disse.
_esperar ele acordar e ver o tamanho do estrago que você causou! – rosnei mal humorado. A ligação que tinha com aquele inconsequente, tinha se tornado quase tão forte, quanto a dele e de Ariane.
Esperei impaciente, rezando internamente para que tudo tivesse dado certo. As horas se passaram, e eu já não sabia se as coisas tinham funcionado, mas tinha certeza de não ter errado nenhum mínimo detalhe. Amelie encontrava-se cochilado num sofá ali perto, enquanto eu permanecia imóvel na cama.
Estava absorto em meus pensamentos, quando escutei um soluço. Revirei os olhos, antes de fitar Amelie, que continuava dormindo. Se não era ela, então quem...
Completamente chocado, virei-me para encontrar Ra’s chorando silenciosamente, com um sorriso idiota no rosto, enquanto fitava o teto.
_caralho isso é tão fodido... – falei sentindo-me perdido, enquanto me aproximava, ganhando seu olhar tão vivo, e imerso em emoções profundas, que chegavam a transbordar por suas órbitas, que agora eram como as de um gato – porra, você tá mesmo chorando, mano? – perguntei sentindo-me um debilmental.
_isso é tão fodido, Enzo... – choramingou sorrindo.Onwt xonada no meu novo bb
Deixem o comentário e a estrelinha!
Sexta tem mais!
Bjinhos
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A Cabeça do Dragão - Série IMORTAIS - Livro 5 (final)
FantasíaImortais destinados a grandes feitos irreconhecidos à margem da sociedade! Divididos numa linha ténue entre o mundo humano e o sobrenatural. Ra's Desde pequeno fora sempre muito entendido, obedecia meus pais sem questionar e nutria uma profunda admi...