Capítulo 8 - Segredos

67 14 46
                                    


Narrado por Meredith


Vê-la no chão dentro de um saco plástico térmico, me fez lembrar quando havíamos trocado intimidades. Lúcia de fato nunca tinha sido uma amiga como Mariana. Ela era dedicada à família e jamais pensaria que era infiel, até o dia em que ela me contou que saía às escondidas com Gabriel e com esse segredo ela me pediu conselhos do que ela poderia fazer.

Claro que no começo disse que tinha que tomar cuidado e para que não saísse espalhando esse segredo para todos os lados. Eu podia ser confiável, mas muitos da cidade não. Nós vivíamos em uma cidade pequena, mas suficientemente destrutiva. Para destruir uma mulher era fácil, bastava sair da linha para nós sermos os alvos principais da igreja, dos homens e das outras mulheres que se diziam "dignas de respeito e recato". Mulheres comuns não podiam sair da linha ou senão eram expostas como as bruxas em Salém. Nossa cidade é maligna e Mariana sentiu o sabor desse veneno amargo.

Lúcia era amorosa com o marido e com os filhos, eles pareciam uma família perfeita aos olhos alheios, quem observava de fora inveja a perfeição, exceto, às vezes, pelas rebeldias de seu filho Éric. Algumas vezes para chamar a atenção do pai ou da mãe, quebrava vidros das janelas dos vizinhos ou pichava ofensas nas garagens, fora isso, ele era inofensivo.

Anna era uma filha exemplar aos olhos alheios, notas boas na escola, cantava harmoniosamente belo, fazia parte do coral da igreja e tinha dons para as artes em geral, principalmente em literatura e teatro. Muitas garotas à sua volta queriam ser como ela. Anna parecia irmã gêmea de Éric, mas a idade dizia o contrário.

Os dois logo saberiam que a mãe estava morta. Logo a cidade saberia de outro incidente grave, este havia sido descoberto mais cedo do que se esperava. O corpo boiou antes do tempo. As pedras não haviam sido amarradas tão bem quanto no corpo anterior. Nem havia marcas profundas nos tornozelos, apenas escoriações.

Lúcia havia se tornado minha amiga não fazia muito tempo, há menos de um ano havíamos batidos nossos carrinhos de compra no supermercado ao tentar encontrar nas prateleiras algum enlatado e de repente ouvi meu carrinho se chocar com o da frente. Pedi desculpas e ela o mesmo, depois sorrimos uma para a outra e passamos a trocar receitas e marcas preferidas. Depois daquele dia sempre nos encontrávamos para tomar um chá ou jogar conversa às tardes, quando dava certo para as duas.

Certo dia estávamos conversando sobre amaciantes e roupas sujas de adolescentes; dos filhos dela e ela ficou séria de uma hora para outra. Ela fitou-me dentro dos olhos e disse algo que nunca acreditaria se não ouvisse dela.

- Meus filhos não são frutos do meu casamento... - no começo fiquei em silêncio, chocada e intrigada.

Engoli em seco e me concentrei em seu olhar penetrante.

- Meredith, o que contarei a você não revelei a mais ninguém. - ela disse pegando nas minhas mãos e as apertando junto às suas - não sei mais como esconder de meu marido isso e não consigo mais guardar esse segredo só para mim.

No começo não sabia o que dizer, ela havia me revelado que seus filhos não eram de Erickson e sim de outro cara.

- E você sabe de quem eles são? - perguntei, curiosa.

- Sim. Meu Deus, Meredith, claro que sei! - disse ela levantando-se e indo buscar duas canecas com chocolate quente. - Meredith, - chamou ela e ela me fitou novamente dentro dos olhos. - Sabe o Gabriel?

- O policial da cidade? Não vai me dizer que...

- Sim, ele é o pai de Anna.

Chocada e sem o que dizer, beberiquei o chocolate quente em silêncio.

- Tenho a sorte de que Anna se parece muito com Éric e comigo ou se não todos apontariam o verdadeiro pai da garota em segundos. - disse ela, apenas segurando a caneca nas mãos, sem experimentar a bebida.

Assenti, ela tinha razão, até mesmo havia-me enganado, jamais pensaria que Anna fosse filha de outro. Lúcia revelara aquele segredo somente a mim e comigo esse segredo ficará. Não revelarei a Gabriel, pois se o fizesse perderia a chance de tê-lo comigo. Ele iria atrás de Anna e esquecia que eu um dia existi.

Saber do caso dele com Mariana e com Lúcia já era de bom tamanho, não queria dividi-lo mais uma vez com outra e eu não seria páreo para uma filha. Ele daria toda a atenção para ela e eu ficaria novamente de escanteio e isso não suportaria novamente.

Anna seria uma pedra no caminho e isso não poderia deixar acontecer.

Abaixei o rosto e fitei o saco plástico térmico por um tempo. O corpo de Lúcia permaneceria ali pelo restante do dia até todas as evidências forem coletadas.

Espero que Gabriel possa avisá-los antes que outra pessoa o faça. Logo ele estaria de frente para a filha e nem sabe que nas veias dela correm o mesmo sangue que o seu.

Desaparecida na penumbraOnde histórias criam vida. Descubra agora