Capítulo 6 - O primeiro beijo

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Diário perdido de Mariana

Querido diário,

Hoje é 6 de julho, levantei e a primeira coisa que fiz foi olhar para a janela e constar se estava chovendo. Estava, mas não era uma chuva forte e sim uma melancólica, como meus sentimentos.

Meus pais não se encontravam em casa, foram visitar tia Marta e Gabriel estava trabalhando em carpintaria na garagem. Às vezes conseguia ouvir o som do martelo e outras madeiras caindo para todos os lados. Ele decidiu que faria um móvel à minha mãe, mas sabia que ele não tinha destreza para tanto. No começo mal sabia como pregar.

Ele ao conseguir levantar uma das paredes do móvel, subia ao meu quarto para contar o seu desempenho e eu dava vivas a ele e dizia que logo teríamos uma sala ainda mais bonita. Lógico que isso era para animá-lo e Gabriel vinha até mim e me beijava na bochecha feliz.

Minha mãe ensinou a amá-lo como se deve amar um irmão, mesmo ele sendo de outra família e ter se mudado para casa há pouco tempo. Crescemos juntos em menos de quatro anos e se adaptar com uma pessoa nova era meio difícil para mim. Ele era dois anos mais velho que a mim, mas parecia bem mais inocente. Enquanto ele via aquele beijo como algo entre irmão, eu desejava beijá-lo nos lábios como um casal.

Nós não somos irmãos de sangue e diário, não vá me dizer que não contei nada sobre a atração que sinto pelo meu meio-irmão. Você estará mentindo, pois já faz uns quatro meses que relato a minha atração por ele.

Ouvi o som da porta do quarto se abrir, era ele mais uma vez, com um sorriso no rosto prestes a me contar alguma novidade.

- Terminei! - disse ele feliz - Quer descer e dar uma olhada?

Seus olhos brilhavam em minha direção.

- Claro! - respondi, levantando da cama e indo junto dela para o andar debaixo.

Ao chegarmos à garagem, encontramos um móvel um pouco diferente, era uma estante, alta e que cabia no meio a nossa TV, mas faltava pintura e acabamento. Olhei à sua volta e ele havia feito um trabalho até que legal, mas faltava alguma coisa...

- Ficou ótima! - menti. Ela continuava estranha para mim.

- Obrigado! Espero que mamãe goste... - disse ele aproximando-se do amontoado de lixa e dizendo: - amanhã vou iniciar a segunda etapa, lixar e no dia seguinte farei a pintura. Espero ficar perfeita.

Fitei mais um tempo a estante e percebi o problema, ela estava um tanto inclinada para a frente, como se algum dia pretendesse cair. Não contei isso a ele, pois parecia bastante firme da onde me encontrava. Não queria ter que fazer com que ele a desmontasse e começasse tudo de novo. Queria que tivesse um pouco mais de tempo para mim.

- Acho melhor você tomar um banho, está imundo! - disse rindo dele. Havia pó de madeira por todo o corpo, inclusive nas bochechas.

- Vou subir... - ele respondeu - tem como preparar alguns lanches enquanto tomo banho? Estou faminto!

Assenti e fui para a cozinha, enquanto ele subia as escadas para o andar de cima.

Preparei alguns lanches, peguei o suco de laranja e preparei a mesa para nós, também estava faminta.

Notei que Gabriel demorava no banho, fui até o andar de cima, depressa. O som da água batia no piso e a porta estava semiaberta. Curiosa, entrei no banheiro.

Ele estava nu, diante ao espelho. Ele observava sem piscar o seu reflexo no vidro embaçado.

- Não pareço nem um pouco com você... - disse ele ao me notar ali.

-Mesmo assim você é meu irmão - respondi, aproximando-se dele.

- Eu fui abandonado! - ele gritou angustiado e sua explosão fez com que socasse o espelho, trincando-o.

Um fio escarlate desceu do espelho até a pia.

- Vou buscar o kit de primeiros-socorros. - respondi sem fazer alarde ou sem demonstrar preocupação. Ele estava arrasado.

Peguei o kit e voltei para o banheiro. Ele sentou-se na beirada da banheira ainda nu e esperou que cuidasse de seu ferimento.

- O seu pai não gosta de mim.

- Claro que gosta, ele agora é nosso pai, Gabriel...

- Não é Mariana, ele só me adotou por conta da sua mãe. - disse ele chateado, gemendo quando tocava o álcool na sua pele.

Fiquei em silêncio por um tempo, limpei a ferida e depois passei esparadrapo. O corte era pequeno para o estrago, que quando meu pai chegar e ver, fará daquilo um caso de briga e xingamentos sem fim. Ele provavelmente chegará alcoolizado e descontará sua frustração do trabalho em Gabriel e se eu tiver sorte, não serei machucada outra vez.

Gabriel passou a chorar em silêncio e queria acompanhá-lo, mas me mantive firme. Não queria mostrar fraqueza naquele momento, pois precisava beijá-lo e fazê-lo se acalmar.

Terminei o curativo e guardei todos os produtos usados de volta ao kit de primeiros-socorros. Voltei o olhar para Gabriel e ele me fitava agradecido. Aproximei-me de seu rosto e esperei que avançasse. Ele avançou.

Seus lábios tocaram os meus suavemente e sua mão que acabara de fazer um curativo correu por meus cabelos. Ele saiu de cima de mim e me empurrou junto ao seu corpo, contra a parede de azulejos brancos.

- Obrigado - disse ele com um meio-sorriso - Faz um tempo que queria beijá-la, mas não tinha uma desculpa para tanto.

Ele ruborizou e o admirei por um instante.

- Você não sabe o quanto estou agradecida... - disse, saindo de seus braços e saindo do banheiro. Meu pai logo chegaria em casa.

O sorriso não saía de meu rosto, pois enfim havia conseguido beijá-lo, agora eu tinha que pensar na segunda missão: dormir com Gabriel.

Desaparecida na penumbraOnde histórias criam vida. Descubra agora