Narrado por Lúcia
O café da manhã ficou pronto e meus filhos desceram as escadas, provavelmente sentindo o cheiro dos pães quentinhos saindo do forno. Eles sentaram à mesa sonolentos, mas famintos. Nos lábios de Éric podia ser encontrado um pouco de pasta de dente.
Outra vez escovou os dentes de qualquer jeito! - pensei comigo mesma, massageando as têmporas.
Anna não escovava os dentes antes de comer, eu silenciosamente concordava com ela, mas sempre a avisava que antes do café todos tinham de escovar os dentes, ao menos enxaguar a boca para tirar o gosto ruim da língua. Confesso que muitas vezes nem me importava com o gosto ruim na minha boca após levantar.
A depressão que me atingia era pior que o gosto do fel.
Enquanto Éric e Anna comiam, saí da cozinha em silêncio e subi as escadas para o andar de cima. As fotos na parede faziam com que me lembrassem de como nossa família era saudável e completa. Erickson, meu marido, parecia feliz em algumas delas, em outras surpreso e em muitas com aquele olhar amoroso com que havia me apaixonado na primeira vez que o vi.
Por que ele teve que morrer tão cedo? - me perguntei e uma lágrima brotou do meu olho esquerdo.
Meneei a cabeça, antes que começasse a desabar outra vez. Mês passado ele completaria 35 anos, mas aos 33 morreu de câncer. Foi repentino e doloroso.
Fomos uma família feliz enquanto esteve conosco.
Sequei minhas lágrimas com o punho, que caíam automáticas, mesmo me esforçando pra não chorar e continuei subindo o segundo lance de degraus.
Adentrei em meu quarto e procurei em uma das gavetas de camisas de Erickson - meus antidepressivos. Novas ondas de tristeza me dominaram, caí de joelhos ao chão e puxando comigo uma de suas camisetas. Abracei-a e chorei intensamente, seu perfume ainda estava na roupa. Almíscar e Alfazema.
Contei até dez, dobrei a camisa com dificuldade, me agarrei na cômoda e me levantei. Coloquei a peça dentro da gaveta e peguei meus compromidos antidepressivos.
Eu precisava tomá-los, mesmo abraçando a malha fria que me lembrava dele, meus remédios não podiam ser deixados de lado. Isso me faria mais mal que bem.
Procurei por meu copo sobre o criado-mudo e fungando segui para o banheiro. Enchi o copo de água e coloquei os comprimidos na boca. Engoli rapidamente junto com a água.
Logo farão efeito - pensei comigo mesma, pois precisava me acalmar.
Quando a depressão me dominava por completo eram meus filhos que sofriam, pois não sabiam o que fazer. Em todas as vezes tentava com todas as forças manter o controle e demonstrar-me sólida, mas os sentimentos de solidão e desespero me abocanhavam vorazmente.
Meus filhos não tinham culpa da minha apatia, da minha raiva sem motivo ou até mesmo do meu isolamento, mas eles acabavam recebendo muitas vezes doses altas de tudo isso. Fora as que a todo custo tentava aprisionar dentro de mim.
Não os queria ver sofrendo pela perda do pai precocemente e muito menos pela mãe com pensamentos suicidas. Esses acontecimentos os mutilavam.
Ouvi gritos vindos do andar debaixo, eles brigavam por alguma bobagem matinal. Saí do quarto, passei por seus quartos à procura de suas mochilas e desci as escadas apressada pronta para apartar a briga.
- Devolve minha panqueca Éric! - gritou Anna repreendendo-o.
Érica mordeu a panqueca de Anna provocando-a.
- Mãe! - gritou Anna me fitando dentro dos olhos. Os seus olhos verde-amendoados marejavam-se.
Fitei em direção de Éric repreendendo-o com o olhar, mas com indiferença jogou a panqueca sobre a mesa, veio em minha direção e pegou a mochila, dizendo pelas costas ao sair da cozinha:
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Desaparecida na penumbra
Misterio / SuspensoPRIMEIRA VERSÃO Ela saiu de casa, sem dizer para onde ia, três meses depois foi encontrada morta. Ao descobrirem que o corpo de Mariana foi identificado próximo às margens de um rio, boiando, todos da vizinhança emudeceram. Mariana era alcoólatra, a...