Capítulo 40 - O diário

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Narrado por Gabriel

Naquele dia de sua morte, não chorei mais pelo resto do dia. A casa onde morava tinha sido interditada, Éric e eu fomos dormir em um hotel de estrada. Levamos uma mala pequena cada um, com algumas roupas e produtos de higiene pessoal.

O garoto não havia chorado também - me acompanhou até o quarto do hotel em silêncio, - tampouco conversamos sobre o ocorrido. Entramos no local e ele foi direto para a tv, naquele dia comprei algo no Ifood para comermos; ele na sala e eu na cozinha.

O enterro de Anna havia sido simples, pois não tinha muito o que fazer. Éric me ajudou nas ligações e nos preparativos, não convidei muita gente para a cerimônia, não fiz nada além daquilo como era costume naquela cidade medíocre.

Comprei algumas rosas brancas, coloquei um terno preto, guardei no bolso interno o diário que não saía de perto de mim e segui para o enterro, sem conversar com Éric. Alguns policiais e Meredith estavam presentes. Ela se aproximou de mim e me abraçou, da mesma forma quando me viu na frente de casa com Anna em meus braços.

Fazia nem muito tempo que eu tinha descoberto que eu era pai de Anna e ela já tinha ido para baixo da terra. Meredith me ajudou na escolha de sua roupa para o enterro e cuidou do corpo para mim, ela estava sendo generosa comigo naquele momento difícil.

O dia estava nublado, as nuvens escuras, ia chover a qualquer momento naquele dia. O enterro foi rápido e silencioso. Alguns jogaram rosas e foram embora, após se despedirem de mim e ficou ali apenas Meredith, Éric e a mim. Nós observávamos o túmulos, sem trocar uma única palavra. Assim que Meredith se despediu, olhei para Éric e seguimos em direção do carro.

Dava para ouvir o som alto de seu fone de ouvido, continuava com voto de silêncio comigo desde o dia que eu havia ficado bravo com ele. Seu olhar era de desaprovação e que não via a hora de ter maioridade pra sair de casa.

No hotel, tirei o diário de dentro do terno e sentei na cama, não liguei nenhuma luz, somente a pequena lareira no canto reluzia um fogo baixo e crepitante. Até as chamas estavam mais silenciosas. Com aquela luz baixa e os pensamentos mais calmas, depois de um dia estressante e complicado, decidi finalmente reler o diário de Mariana.

Faziam meses que o diário estava comigo, não tinha criado coragem de ler por completo. Havia lido algumas páginas, quando tinha algum tempo. O encontrei jogado na cabana em que explorávamos quando éramos adolescentes. Era uma trilha agradável e havia o rio próximo, que às vezes víamos alguns rapazes pescando ou nadando.

Quando Mariana morreu, eu fui à cabana. O silêncio da floresta me inundou, não havia mais nada ali, só uma casa antiga e com o teto pronto para desabar. Os cipós caíam sobre o telhado e não demoraria muito para a mata tragar aquela cabana para si. Mesmo assim, entrei no único cômodo e encontrei o diário jogado em um canto, como se ele esperasse por mim por todo aquele tempo.

Ao encontrá-lo achei que fosse um caderno de desenhos de Mariana, pois ela sempre andava com um quando saíamos para explorar a floresta, mas me enganei assim que abri a primeira página, era seu diário. Li as páginas de uma só vez, descobrindo muitos segredos e verdades, depois disso não abri mais. Saí da cabana e passei a levar ele para todos os lados comigo, sempre refletindo se relia seus segredos ou não.

Mas com a morte de Anna em minha mente, com um monte de papelada no trabalho para resolver e estava dispensado por ora do serviço, estava com a mente um pouco melhor e sem coisas importantes para resolver; o diário dela precisava ser relido por mim.

Ao abri-lo, um arrepio percorreu pelo meu pescoço, recordar aquelas palavras, com a letra minuciosa dela e alguns desenhos no começo das páginas, - era como sentir sua pele junto à minha - era por isso imaginei que fosse um caderno qualquer, mas depois, nas páginas seguintes haviam datas e segredos para serem revelados.

Ela me amava, pelas palavras que relia. Mariana gostava de ficar próxima de mim, mesmo após tê-la estuprado. Suas palavras se intensificavam à medida que ela se afastava do convívio comigo. Algumas partes das páginas tinham meu nome rabiscado e quando reli a página seguinte, recordei que meu pai havia abusado dela também, antes de mim. Havia marcas de lágrimas nas páginas e algumas palavras estavam borradas. Ela relatara com detalhes o estupro que acometi contra ela e do meu pai. Puxei aquelas páginas do caderno e as rasguei em três partes, atirei os pedaços no fogo, que voltou à vida, não precisava lê-la uma terceira vez.

Ninguém podia saber daquilo, nem de sua paixão secreta por mim e nem que ela havia sido estuprada pelo próprio pai.

Nas próximas páginas haviam repetições de assuntos, ela remoía suas emoções, como se o pai dela tivesse a estuprado não uma vez, mas várias. Me deliciava com aquelas palavras, recheadas de erotismo, dor e sensualidade.

Algumas frases haviam sido rabiscadas, impossíveis de decifrar e abaixo estava escrito:

Preciso sumir dessa cidade urgente...

Parei um pouco de ler e encarei o diário. Havia datas muito próximas de quando ela havia desaparecido, de três meses antes do encontro do seu corpo no rio.

Após algumas páginas de lamentações e marcas de vodca que ela costumava beber enquanto chorava, Mariana escreveu um nome que eu nunca havia ouvido falar junto do nome da Sra. Palmer, Bianca... Quem era Bianca?

Li depressa as folhas seguintes, relembrando aquelas palavras, ela estava relatando sobre desaparecer e colocar sua irmã gêmea em seu lugar, mas as coisas não aconteceram como previra. Meredith, por acidente havia matado Bianca e teve que intervir e forjar uma morte. A morte de Mariana. Então, pelo relato ali, Mariana estava viva esse tempo todo e o corpo encontrado não era dela e sim da sua irmã gêmea? Eu estava desacreditado, aquelas palavras não era um pesadelo que havia criado em minha mente. Era real.

Ela estava viva. 

Meredith havia ajudado a forjar sua morte. 

Meredith sabia esse tempo todo que Mariana não estava morta?

Vasculhei as demais páginas e encontrei escrito em uma letra tremida, como se tivesse nervosa com alguma coisa.

Estou grávida dele... 

Aquelas últimas palavras encontradas haviam acendido em mim um desejo indomável de encontrá-la, o filho podia ser meu. Eu tinha que atraí-la de alguma forma. Recordei nitidamente de como comecei.

Desaparecida na penumbraOnde histórias criam vida. Descubra agora