Capítulo 12 - Beijo roubado

44 9 36
                                    


Narrado por Gabriel

Liguei para a casa de Anna no dia seguinte que fui embora, para certificar de que ela e o irmão estavam bem. Eles tinham 18 anos e mesmo assim liguei para a Assistente Social, que disse ao telefone que averiguaria o caso em 48 horas. As autoridades iriam deixar dois jovens recém-orfãs marginalizados. Se ninguém fizesse alguma coisa para ajudá-lo, eu mesmo teria que fazer algo.

Anna havia me dito que estava tudo bem com ela e com o irmão, mas estava chorando muito por conta da perda da mãe.

- Desculpa se gritei com você, perder uma mãe não é lá coisa que se acontece todo dia...

- Não precisa se desculpar, garota... mas era meu dever contar o acontecido a vocês, infelizmente.

- Sim, eu sei.

- Podemos tomar um café no Expresso Decór, assim você se distrai um pouco.

- Podemos sim... - ela respondeu e pude perceber uma mínima animação na voz.

- As oito horas está bom pra você?

- Está sim, até mais tarde então!

- Até mais tarde Anna. - disse e desliguei a ligação.

Fui tomar banho, pois faltava meia hora para o horário marcado. Coloquei minha melhor roupa e meu sapado social novo. Queria parecer um cara legal pra ela, como se fosse um pai ou coisa parecida. Assim ela não choraria tanto ou choraria mais caso ela recordasse do pai que nunca conhecera. As coisas poderiam piorar. Franzi a testa.

As tias e primos de Éric e Anna moravam no Rio e dificilmente eles vinham visitá-los, talvez todos viessem para o velório da mãe e assim os levariam com eles. Assim ficaria menos preocupado com essas crianças.

Os vi crescer, todos os dias. A cidade é pequena e minha viatura nunca parou no estacionamento da delegacia, sempre perambulei para tudo quanto é canto, prendendo bandidos e infratores mirins. Éric era um dos infratores e eu tinha certa paciência com ele, às vezes, o olhar dele me lembrava de um dos meus tios, um olhar infeliz, mas que demonstrava muita raiva.

Penteei meu cabelo e passei uma colônia de sândalo. Escovei os dentes enquanto pensava em Éric e como ele poderia estar triste. Logo teria que conversar com o rapaz também, logo ele faria alguma infração para chamar atenção da cidade.

O Café Decór não era muito longe de casa e ficava aberto até às 22h. Era um lugar legal para encontrar a filha de uma amante recém-falecida. O peso da consciência era grande.

Estacionei o carro e quando saí dele fui abordado por um sorriso tímido. Era Anna.

- Desculpa pela minha explosão ontem... - disse ela olhando para as botas floridas.

- Não precisa, está bem? - respondi colocando o polegar em seu queixo e levantando seu rosto. Ela era linda.

Tirei meu dedo de seu rosto e segui em direção do Café, em silêncio. Entramos no estabelecimento e sentamos na primeira mesa vazia que avistamos. Alguns olhares viraram para Anna, alguns de pesar e outros de julgamento.

- Essa cidade é uma merda... - ela soltou - você só está sendo gentil.

- Sim. Deixem pensarem o que quiserem, eles estão com inveja de não ter uma companhia tão agradável quanto a sua.

Ela ruborizou.

- Obrigada. - ela disse e a garçonete aproximou-se dela.

- Pedido? - a garçonete perguntou de má vontade, chateada e cansada por trabalhar aquele horário.

- 1 capuccino com Nutella e Chantilly, por favor! - Anna pediu.

- E para o senhor? - a garçonete me fitou como se eu fosse um velho de 300 anos.

- O mesmo que o dela, Chantilly é muito bom - tentei ser descolado e a garçonete revirou os olhos e saiu arrastando o pé em direção da cozinha.

- Esses garçons trabalham muito né? - disse Anna puxando assunto - tipo, a que nos atendeu está aqui de segunda a segunda. Venho sempre de dia com minhas amigas e ela está sempre atendendo as mesas, por isso que está com cara de cansada sempre. Não sabia que ela trabalhava a noite. Será que se eu trazer meu currículo ela descansa um pouco? Poderíamos dividir o serviço...

- Que bondade a sua! - disse.

- Agora que estou sem uma mãe para emprestar os cartões - disse ela - terei que me virar, não é mesmo?

Meneei a cabeça, deslocado.

Ficamos em silêncio por um tempo, observamos os cardápios. Havia uma variedade imensa de chocolates quentes e sobremesas. Moro tão perto e era a primeira vez que vinha ao Café Decór.

- Você me acha bonita? - Anna perguntou e eu me assustei com aquela pergunta repentina.

- Mas é claro que acho, você herdou a beleza de sua mãe.

- Ah, obrigada. Você me beijaria?

A garota era direta.

- Unhmm - pigarrei e desviei o olhar para a garçonete que trazia nossos cappuccinos. - Obrigado! - agradeci à garçonete e ela esboçou um meio sorriso cansado. - Acho melhor você trazer um currículo urgente para cá...

Tentei mudar de assunto.

- Você não respondeu a minha pergunta.

- Anna, você perdeu a sua mãe ontem, é normal você ficar assim carente. Veja, sou bem mais velho que você. Poderia ser o seu pai...

- Mas não é. Percebi o jeito que você olha pra mim e não é um olhar de pai, então me responde, você me beijaria?

Não tinha escapatória. A quem queria enganar?! Eu a queria.

- Beijaria sim. Você é muito bonita e é o tipo de moça que eu beijaria.

Ela sorriu feliz. Ao menos a tristeza de seu sorriso havia sumido. Sua mão aproximou-se da minha e senti os dedos dela roçarem a pele. Ela tinha um toque fantástico. Havia anos que nãos sentia aquelas sensações.

- Não podemos fazer isso - afastei a minha mão. Eu tinha de respeitá-la, Anna estava de luto e vulnerável. Não quero e não irei aproveitar da situação. Terminei meu café, ansioso para me despedir dela. As coisas estavam saindo do controle.

Paguei as nossas bebidas e seguimos em silêncio em direção da saída. Paramos na calçada de frente ao Café e Anna fitou dentro de meus olhos. Aqueles olhos... Afastei meus pensamentos lascivos e me despedi dela com um aperto de mão. Ela segurou a minha mão e veio de encontro ao meu rosto. O toque de seus lábios nos meus foi uma dádiva. Cereja e amêndoas. Seus lábios eram doces e delicados. Afastei-a logo, aquilo não poderia ter acontecido, muito menos na frente de um estabelecimento daquele.

- Desculpe... - ela disse, abaixando o rosto para o chão.

- Não peça desculpas, eu entendo você. - levantei o rosto dela com meu polegar em seu queixo - Como havia dito, tenho a idade para ser seu pai.

- Mas você não é meu pai, portanto, podemos nos beijar quando quisermos.

Ela era muito direta e aquela tentação me provocava cada vez mais.

Desaparecida na penumbraOnde histórias criam vida. Descubra agora