Narrado por Gabriel
- Sei que é difícil... - disse Meredith assim que descemos do carro e olhamos a capela no alto da pequena colina.
Ao primeiro momento não respondi, apenas observei a paisagem fúnebre e silenciosa; o terreno era apinhado de lápides e túmulos.
Subimos a colina em silêncio, parecia que ninguém viria ao enterro de minha meio-irmã. Nem sei do por que estar ali; talvez fosse para certificar que estava realmente morta.
Ao entrar na pequena capela, notei que havia no altar coroas de crisântemos e uma foto dela em um pedestal. Mariana não sorria na foto, foi difícil vê-la sorrindo em vida.
Sentados nos bancos de madeira, encontrei minha mãe e meu pai. Gisele chorava encostada no ombro dele, como se meu pai fosse reconfortá-la depois de tanto tempo.
No outro banco havia uma mulher e seus filhos adolescentes, os reconheci, era Lúcia, minha ex-amante junto de seus amados frutos.
O padre entrou por uma portinhola no canto esquerdo da capela e fitou a sua frente. Franziu a testa, por constar que a capela estava praticamente vazia e depois de um pigarro iniciou sua fala monótona e triste, sobre a perda.
Depois que rezamos algumas orações, alguns rapazes entraram na capela e ajudaram a carregar junto de meu pai o caixão de Mariana. Minha mãe levou a coroa de flores e Lúcia entregou aos seus filhos algumas rosas vermelhas.
Todos seguimos em silêncio para o cemitério. A procissão demorou uns quinze minutos e quando chegamos ao túmulo, observei que era um lugar um tanto luxuoso de mais. Meu pai não havia economizado nos gastos.
Em volta, muitos dos túmulos haviam apenas uma lápide de pedra comum, mas a de Mariana parecia ter sido feita de mármore e com escritos em ouro. Os dizeres me enojaram: "A filha legítima de uma família cristã". A família onde vivi Jesus não tinha sido convidado uma única vez a entrar em casa, meu pai nunca havia permitido termos alguma religião. As aparências sempre foram o lema dele.
A voz do padre me fez focar a atenção no caixão outra vez. Conforme o padre aumentava a voz e levantava as mãos para o céu, meu pai se aproximava da cova e fitava lá dentro, como se quisesse ele estar lá ao invés de Mariana. Seu olhar se perdeu lá dentro e ele enfim jogou uma das rosas vermelhas que os filhos de Lúcia seguravam. Meu pai fitou-me rapidamente e quando me olhou nos olhos, virou o rosto e seguiu em direção dos carros ao longe.
Depois dele, minha mãe se aproximou e jogou uma das rosas sobre o caixão de Mariana. Ela sussurrou para mim em poucas palavras:
- Você ainda é bem-vindo ao nosso lar, se você aparecer por lá, não o deixarei que ele o expulse...
Uma lágrima caiu de seu olhar e desceu pela face vagarosamente.
- Os vizinhos não tiraram o amor que tenho por você - ela finalizou e voltou o olhar para o caixão dentro da cova. Ela fez um último sinal da cruz, em silêncio, secou as lágrimas no lenço, fungou por alguns instantes, deu às costas aos coveiros que se aproximavam e seguiu em direção do estacionamento.
- Você vai voltar para a casa deles? - perguntou Meredith ao se aproximar de mim.
Assenti e acrescentei:
- Não por enquanto, aliás. No primeiro momento farei algumas visitas. Vou deixar a morte de Mariana cair no esquecimento...
Apertei a mão de Meredith com força e me aproximei da cova. Mariana estava lá embaixo, sozinha e eu precisava me despedir dela, para sempre.
Olhei rapidamente para Lúcia e seus dois filhos, ela me fitava do outro lado da cova, sem expressão, já Anna, sua filha, me encarava, porém era menos rebelde que o garoto, mas ele ao menos não me odiava tanto quanto ela. Os três jogaram as suas rosas ao mesmo tempo e se afastaram da cena.
Meredith enquanto isso permanecia em silêncio rezando pela alma de Mariana e aquilo me fez vislumbrar que no passado as duas um dia haviam sido algum tipo de amigas.
- Você foi amiga de Mariana. - não foi uma pergunta.
Meredith assentiu, sem me fitar. As duas se conheceram no passado e só agora havia descoberto.
- Ela tinha sido a minha melhor amiga.
Não fazia ideia da amizade que elas haviam compartilhado no passado.
Eu estivera naquela cerimônia rodeado de amantes, Lúcia, Meredith e Mariana e talvez duas delas houvessem segredado uma para a outra as nossas intimidades.
- Mariana sabia que...
- Não, ela não sabia que nós dois estávamos ficando juntos... Gabriel, não se preocupe...
Decidi acreditar em suas palavras.
Olhei uma última vez para o caixão e depois fitei os coveiros, assenti e afastei do local abraçado de Meredith.
Os coveiros passaram a jogar terra no buraco com suas pás e o som dela sendo jogada sobre a madeira no fundo me dava uma sensação única de liberdade; enfim eles prenderiam Mariana debaixo da terra para sempre.
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Desaparecida na penumbra
Misterio / SuspensoEla saiu de casa, sem dizer para onde ia, três meses depois foi encontrada morta. Ao descobrirem que o corpo de Mariana foi identificado próximo às margens de um rio, boiando, todos da vizinhança emudeceram. Mariana era alcoólatra, antissocial, não...