Capítulo 18 - De volta ao vestiário

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Narrado por Gabriel

Muitos documentos ainda estavam arquivados em formato físico na delegacia, o pessoal andava meio lento e parecia não ter muita intenção de escaneá-los. Seria tão mais rápido pesquisar pelo computador, mas não, agora eu estava dentro de uma sala comprida, escura e cheia de caixas com arquivos antigos e objetos encontrados em casos de assassinatos e roubos. Para uma cidade pequena havia muitos arquivos de denúncia e flagrantes.

Peguei vários casos de assassinato registrados na cidade desde a década passada e nada batia com as mortes de Mariana e Lúcia. Não havia morte de mulheres com as descrições que demos. Assassinadas no lago ou rodovia.

As duas haviam morrido muito próximas e em um tempo muito curto e as duas tinham alguma ligação comigo, o policial da cidade. Lembro muito bem do meu caso com Lúcia, do nosso sexo e de como ela gostava de mim. De como éramos parceiros, mas ela sempre tinha deixado claro que não queria nenhum relacionamento comigo ou com qualquer outro homem, pois era uma mulher livre e que ninguém da cidade a colocaria dentro de uma gaiola e não a deixaria viver.

De certa forma queria ter tido oportunidade de ter casado com Lúcia, ela havia se formado em Harvard e havia voltado para a cidade assim que terminara a faculdade e junto dela duas crianças com 6 anos. Desde então eu pensava que aquelas crianças poderiam ter sido meus filhos e vê-la cuidado deles desde então sozinha, imagino que tinha falhado com ela como homem. Não tinha dado a ela a força para superar a decisão de ser mãe solteira ou qualquer coisa do tipo. Se bem que ela parecia feliz cuidando daqueles dois, mas Érica estava crescendo uma criança irresponsável e dando trabalho cada vez mais para a polícia local. Eu muitas vezes acobertava suas infrações, tentava dialogar com ele e dar uma chance de melhora, mas o garoto parecia não se importar. Ele parecia odiar não ter um pai do lado e ter que aguentar os sermões da mãe. Agora nem a mãe ele tinha para ouvir.

Já a garota era rebelde, vestia-se vulgarmente na maioria das vezes e dava em cima de todo homem que se aproximava dela. Os outros policiais gostavam do jeito dela e ela dava atenção de mais a eles. Muitas vezes ela ia até a delegacia com caixas de Donuts para presenteá-los e quando ela fazia isso, eu pegava minha chave e minha jaqueta e ordenava a ela entrar em meu carro.

Seu semblante ficava raivoso, mas oportunista que era, sempre tentava me manipular com seu charme e beleza. Trazê-la para casa era uma desculpa para rever Lúcia e ao menos dizer um oi.

- Essas crianças cada vez mais crescem e cada vez que fazem um ano de vida a mais me deixam ainda mais nervosa e assustada - dizia ela toda vez - Me sinto tão envergonhada...

- Não precisa sentir vergonha, você tentou ser a melhor mãe que eles poderiam ter - respondia.

- Quando deixei o pai deles, havia decido criá-los de outra maneira e agora não faço ideia do que fazer mais - ela reclamava e seus olhos enchiam-se de lágrimas - queria que tudo fosse diferente agora, minhas decisões saíram completamente do controle.

- As coisas logo melhorarão - respondia a ela, com um semblante encorajador. - Você sabe que sempre estarei por aqui, mesmo não me querendo mais em sua vida.

- Obrigada Gabriel - dizia ela - Mas você sabe da minha decisão.

Aquiescia e ia embora, com a vontade de beijá-la latejando dentro de mim. Sentia a sua falta. Queria ter ajudado ela a criar as crianças, não me importava deles não serem meus filhos. Por isso que sempre que possível tentava conversar com Éric e com Anna. Eles pareciam me ouvir, mas só nos primeiros segundos.

Já o caso que tive com mariana havia sido um erro, pois éramos irmãos; não éramos de sangue, mas aquilo destruiu nosso relacionamento com nossos pais. Quando nosso pai descobriu, ele me expulsou e depois de algum tempo, Mariana decidiu morar sozinha, pois viver em sua casa era impossível. Os fofoqueiros de plantão da cidade diziam que ela havia saído, pois quando nosso pai bebia vivia dizendo a ela sobre a traição do nome dele e que ela havia transado com o intruso da família.

Mariana passou a ficar cada vez mais sozinha após se distanciar de nossos pais. Certa vez fiquei sabendo que ela havia limpado o estoque de vodca do mercado da cidade. Fui ao mercado verificar e tinha razão, alguém havia feito uma boa compra daquela bebida. Ela havia se tornado alcoólatra e sozinha. Eu tinha uma porcentagem de culpa naquilo.

Nós éramos adolescentes irresponsáveis e cheios de hormônios borbulhando naquela época. Juntos éramos imãs em brasa e qualquer lugar que ficávamos a sós era motivo para transarmos. Lembro-me de quando ela foi até o campo de futebol perto da floresta e transamos dentro do vestiário antigo. Ninguém entraria ali, mas mesmo assim tinha sido arriscado, pois muitos dos jogadores iam para lá fumar um baseado ou fazer o que a gente também havia feito. Não dava para saber o tamanho do risco, mas havia sido algo diferente e transar com ela era toda vez renovador. Ela era boa no que fazia.

- Gabriel? - alguém me chamou e voltei à realidade. Havia mergulhado no passado literalmente. A minha volta havia dezenas de registros abertos e nenhum que fazia alguma ligação com os casos atuais.

- Pode falar, João - respondi, me levantando do chão.

- Foi encontrado outro corpo de mulher - ele avisou. - Estamos indo para lá agora mesmo e pensei que quisesse ir, é próximo de onde o corpo da sua irmã foi encontrado e o de Lúcia.

Senti um aperto no coração ao ouvir o nome delas.

Respirei fundo e saí da sala bagunçada. Logo voltaria ali para mais pesquisas.

- Aonde o corpo foi encontrado?

- Num dos vestiários do campo de futebol perto da floresta.

Aquela resposta me trouxeram à tona novamente as lembranças que tinha com Mariana daquele lugar.

Tinha que ser profissional naquele momento e não demonstrar nenhum tipo de reação ou emoção.

- Já sabem de quem é o corpo?

- Provavelmente da filha da Sra. Palmer, Cecília.

Perfeito, mais uma ex-amante minha morta.

Desaparecida na penumbraOnde histórias criam vida. Descubra agora