Narrado por Gabriel
Uma profusão de papéis sobre minha mesa da delegacia estava me deixando atordoado. Corpos se amontoavam no necrotério e nada de respostas pelo que estava acontecendo. Cada corpo encontrado novas dúvidas surgiam.
O corpo de Mariana havia sido roubado nessa confusão. Violaram seu túmulo, levaram seu cadáver e deixaram sobre ele um recente.
Quem era aquela garota morta? Não era da cidade, ninguém a conhecia, ninguém sabia seu nome.
Corpos assim deixavam meu trabalho mais estressante e eu não estava mais suportando. Eu estava realmente exausto e ainda tinha que resolver o meu problema familiar. Meus filhos.
Como deixei passar essa questão? Como não percebi que Éric tinha o meu semblante e o sorriso de Anna era o meu? Realmente estava deixando evidências passarem despercebidas...
Eu tinha dois filhos... Aquilo era de mais pra mim, saber que a garota que eu estava me envolvendo amorosamente na verdade tinha o meu sangue. Como a mãe deles pôde esconder isso de mim o tempo todo?
Em outros tempos eu havia amado aquela mulher, a vida passou, nos separamos, mas jamais a deixaria cuidar de duas crianças sozinha e ainda mais depressiva. Eu era capaz de cuidar deles, mesmo trabalhando intensamente com investigações e assassinatos.
Havia marcado de me encontrar no parque com Anna e Éric, em primeiro momento ela estranhou em deixar claro que o irmão fosse junto. Expliquei que era algo muito sério.
Eles estavam abalados com os recentes assassinatos e um perigo à solta. Ainda mais agora, cuidarei de Anna como um pai deve cuidar. Mulheres na cidade estavam sendo mortas, ela não seria mais uma vítima.
Me arrumei e fui para o parque de carro. Esperei em uma mesa de piqueniques enquanto eles não vinham. Minha ansiedade estava me corroendo.
Assim que os vi surgindo na rua, meu coração deu uma guinada. Éric vestia um moletom amarelo e usava fones de ouvido e Anna estava com uma blusa de manga longa fina, o umbigo à mostra.
Eles se aproximaram, estavam apreensivos, pareciam incomodados com a situação. Se fosse um caso de polícia, os chamariam para irem à delegacia, àquele assunto requeria um lugar menos estressante.
O dia não estava como o anterior. O sol não estava forte e havia algumas nuvens encobrindo-o de vez em quando. Parecia que não ia chover tão cedo.
- Oi - disse Éric tirando os fones e guardando-os no bolso do moletom - você nos chamou, certo?
Assenti. Engoli em seco, era a primeira vez que que eu olhava para aquele garoto com outros olhos. Ele era alto, esguio e com os cabelos arrepiados. Os olhos dele eram em tons de verde esmeralda, parecidos com os do meu pai.
Fitei Anna sentada à minha frente, ela era loira, baixinha como a mãe e os olhos iguais aos meus. Um tom verde-amendoados, peculiares.
Meu Deus! Ela tinha os meus olhos...
Sorri para eles, feliz. Anna franziu o cenho, achando estranho minha reação.
- Você tá estranho hein?! - disse ela - O que tá acontecendo?
Esbocei um meio-sorriso bobo.
- Seus olhos...
- O que tem meus olhos? Vai dizer que minha maquiagem tá borrada? - ela correu a mão na bolsa e pegou um espelho.
- Não é isso. - ela colocou o pequeno espelho sobre a mesa e disse:
- O que é então, Gabriel? - me encarou irritada.
- Calma, tudo tem seu tempo. - disse apreciando aquele momento em família - Éric, - chamei o garoto, ele me fitou - jogando futebol?
- Só se for Fifa no Playstation - ele sorriu - não sou muito fã de correr em um gramado, sou daqueles que gosta de jogar online, sabe? Recostado na cadeira gamer comendo Doritos.Éric havia dado muitos problemas na escola, por diversas vezes foi solicitado uma viatura para buscá-lo ou mesmo por ter depredado o patrimônio público. Ele era um adolescente rebelde, mas ali, parecia franzino e inofensivo.
Sedentarismo fazia parte da minha família, meu pai morrera cedo, minha mãe nunca havia praticado esportes e eu depois que me tornei tenente, deixei de treinar na academia, mesmo ainda sendo forte, porém já estava criando uma barriga. Aquilo precisava ser mudado, meu filho não participaria de nenhuma visita ao médico pra tratar de doenças por conta da obesidade. Em breve teríamos visitas à nutricionista e mudar a nossa rotina.
- Um dia vou levar você pra jogar comigo - falei pra ele e o garoto achou engraçado, caindo na gargalhada.
- Você está bêbado? - perguntou Anna - está falando coisa com coisa. Tô ficando assustada.
- Sua mãe alguma vez na vida falou sobre o verdadeiro pai de vocês?
- Como assim? Você está dizendo que Erickson não é nosso pai? - Éric arregalou os olhos.
Engoli em seco.
- Você conheceu nosso pai? - perguntou Anna desconfiada e com a testa franzida. - ele morreu a pouco tempo...
Assenti.
- Ele era policial - falei - trabalhou comigo, mas o câncer o levou.
Eles assentiram.
- Não entendi... - disse Anna - Ericsson não era nosso pai?
Ela foi incisiva.
- Não. - respondi.
- E quem seria então? - perguntou Éric nervoso batendo na mesa.
Engoli em seco. Esboçar aquilo em palavras era um tanto difícil para mim.
- Por mais que Erickson tenha vivido com vocês, ter cuidado de vocês até sua morte...
Respirei fundo.
- Sempre vou agradecer por isso nas orações. - falei e disse em seguida: o verdadeiro pai de vocês sou eu.Um silêncio pendurou na mesa por algum momento.
Anna em choque, o rosto avermelhando e Éric com um sorriso de orelha a orelha. Suas mãos tinham desfeito o nervosismo em forma de soco.
- É sério isso? - perguntou o garoto se levantando e vindo me abraçar.
- Eu não acredito que você... - Anna apontou o dedo pra mim, chorando e nervosa - escondeu de mim essa informação e estava marcando um encontro comigo!Ela veio até mim antes que Éric me abraçasse e desferiu um tapa em meu rosto. Senti arder e eu merecia toda aquela frustração.
Abaixei o rosto, respirei fundo e disse, tentando manter a calma na frente de uma adolescente nervosa:- Até ontem eu não tinha ideia que vocês fossem meus filhos. Meredith me contou quando soube que nós dois estávamos flertando. Ela agiu antes que nos envolvêssemos ainda mais.
Anna desmanchou-se em lágrimas e sentou no gramado, aos meus pés. Agachei e sentei ao seu lado.
- Me perdoa, Anna. Realmente eu não sabia...
Ela não respondeu.
Éric sentou-se ao meu lado, colocou a cabeça em meu ombro e ficamos os três ali sentados em silêncio pelo restante da tarde.
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Desaparecida na penumbra
Mystère / ThrillerEla saiu de casa, sem dizer para onde ia, três meses depois foi encontrada morta. Ao descobrirem que o corpo de Mariana foi identificado próximo às margens de um rio, boiando, todos da vizinhança emudeceram. Mariana era alcoólatra, antissocial, não...