Narrado por Mariana
Os dois estavam à minha frente, naquele cômodo minúsculo, feito de madeira. A cabana apesar de estar com a porta aberta e cair algumas goteiras por todos os cantos, estava abafada e o cheiro de mofo era forte e indescritível. Não tinha cômodos, era tudo em um lugar só, banheiro, quarto e cozinha, mas tudo improvisado e de aspecto antigo e sujo.
Quando Gabriel e eu éramos crianças vivíamos perambulando pela floresta, antes de tudo acontecer comigo, éramos confidentes, brincávamos de subir nas árvores, mergulhar no rio e dar bom dia para os pescadores. Mesmo percebendo que alguns deles me olhavam diferente, eu era educada, não queria perder o encanto de explorar um lugar de mata fechada. Quando encontramos a cabana em meio às samambaias e cipós, ela não estava tão decadente quanto estava nos dias atuais. Hoje, parecia que cederia a qualquer momento com o vento lá fora, mas antes era um lugar até que mágico, não havia um aspecto sombrio e gelado.
Ali, junto de animais silvestres e árvores de copas altas, tinha sido, meu lugar preferido para visitar e passar um tempo, sem conversas de pessoas adultas ou querer me conectar com a natureza, mas crescer e me afastar deste lugar transformou tanto a mim quanto o ambiente quase impenetrável.
Quando voltei à cidade, o local se tornara meu refúgio, não cheguei a me instalar ali, deixei muita coisa no hotel da estrada, mas, às vezes, voltava à floresta para me conectar de volta ao passado e de quem já fui um dia. Não fazia muito tempo que havia retornado à cidade, pois minha verdadeira mãe tinha morrido. Infelizmente, para meu azar cheguei tarde demais, a encontrando em seus últimos suspiros. Deixá-la para trás depois de ligar anonimamente para a emergência, havia cortado meu coração em vários pedaços. Eu queria ao menos ter dito eu te amo, uma única vez, mas não tive esse tempo e nunca mais terei.
Eu não podia chorar, com aqueles pensamentos intrusivos revisitando meu passado, não agora que estava ali diante a duas pessoas que conviveram comigo, Gabriel, meu meio-irmão, de uniforme policial, ensopado da cabeça aos pés, que se encontrava à minha frente segurando uma arma carregada em uma das mãos e meu diário na outra, que até então estava perdido e também, dentro da cabana estava Meredith, com um vestido longo branco, equivocado para um lugar enlameado e chuvoso, mas ela estava linda, mesmo com os cabelos loiros, molhados e desgrenhados na testa. Ela era uma amiga que conheci na faculdade, enquanto ela fazia pós-graduação e eu a minha primeira, ela permaneceu junto de mim e se tornara a minha melhor amiga durante muitos anos. Com os anos seu semblante mudara, ela no passado era jovial, vaidosa e atenta às tendências de maquiagem, mas observando-o mais atenta, seus cabelos estavam sem pintar, mostrando na raiz a cor do seu cabelo original.
Voltei meus pensamentos à cena a minha frente, observei Meredith de costas para mim, a barra do vestido enlameado e descalça, parada em uma posição estática e com os ombros tensionados, será que ela encarava Gabriel à nossa frente? Ele a estava encarando, com a sobrancelha levantada e o cenho franzido, como se não acreditasse no que via.
Me sentia desacreditada também, pois finalmente havia encontrado meu diário, estava com ele o tempo todo. O diário, em sua mão brilhava com a luz laranja do lampião, de tanto que a capa de couro estava encharcada da chuva lá fora. Meu passado estava ali e Gabriel havia lido os meus segredos, minhas memórias, meus medos e mentiras. Precisava de alguma forma tirar dele minhas únicas memórias de um passado, que mesmo não querendo lembrar, pertencia somente a mim.
- Você tem algo em mãos que não pertence a você - eu disse, encarando sua mão e depois voltando ao seu olhar, que continuava a encarar Meredith.
- E você tem algo no ventre que não era pra estar aí – ele se virou para mim e apontou a arma em direção de minha barriga, que surgia por detrás do vestido esfarrapado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Desaparecida na penumbra
Misterio / SuspensoEla saiu de casa, sem dizer para onde ia, três meses depois foi encontrada morta. Ao descobrirem que o corpo de Mariana foi identificado próximo às margens de um rio, boiando, todos da vizinhança emudeceram. Mariana era alcoólatra, antissocial, não...