Capítulo 14

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Uma chuva sorrateira batia intermitentemente na janela do quarto. Quando cheguei em casa, consegui me esconder no quarto sem que meus pais detectassem minha presença. Não que eu estivesse preocupada com isso, afinal. Se meus pais não tinham um pingo de culpa por se embrenharem em uma viagem futura, largando os três filhos ao deus-dará, porque eu deveria explicar algo concernente à escola que eles nem mesmo davam valor? Sim, lá estava a garota revoltada de que tanto falavam.Sunny havia mandado uma mensagem me perguntando onde eu estava, já que ela esperava uma carona, mas aleguei um maldito mal-estar e desliguei meu celular na sequência. Uma fisgada de culpa na consciência deslizou rapidamente, afinal estava chovendo. Mas Sunny era descolada... arranjaria uma carona, com certeza. Estava deitada de lado na cama, mergulhada em pensamentos tristes que mereciam uma colher enfiada repetidas vezes em uma vasilha de Ben&Jerry's de flocos, quando o ruído da janela ao lado atraiu minha atenção.Virei o corpo para trás e me deparei com Thomas entrando sorrateiramente em meu quarto pela janela! Bom, fui redundante observando o local por onde ele estava entrando no quarto, mas eu estava chocada. Que porra! Como ele havia conseguido subir até aquela altura? Okay, eu entendia que o cara era um atleta másculo e tal, mas certas coisas tinham limite. E o limite do chão até ali era bem alto. Fora o fato de que ele estava encharcado! - O que você está fazendo aqui? - perguntei chocada. Nem sequer reparei que eu estava com uma camiseta regata curta, com as alças do sutiã aparecendo e um short folgado, porém pendurado em meus quadris. E eu nem queria pensar no estado dos meus cabelos, ou do meu nariz, depois de uma crise épica de choro. - Já que você se esgueirou pela escola e fugiu, não dando a mínima chance de conversarmos, resolvi apelar para um gesto mais radical. - Percebi - falei com raiva. - Mas, honestamente, não quero falar com você, Thomas. Então pegue o rumo de onde veio e simplesmente saia daqui - falei e virei para longe dele. - Vá embora. Por favor. Senti dois braços fortes me
agarrando por trás e tentei lutar contra o abraço. O rosto de Thomas encaixou exatamente no vão do meu pescoço e senti que ele respirava bruscamente. - Por favor, Rain... Por favor, apenas me escute, porra - ele praticamente implorou. Senti um nó na garganta porque um lado meu queria apenas expulsá-lo dali, enquanto o outro queria retribuir o abraço e simplesmente deixar sair toda a mágoa que eu havia guardado em meu coração. Thomas não me soltou em momento algum, nem mesmo quando percebeu que eu já não lutava contra ele e que havia me rendido. E nem mesmo liguei para o fato de que agora minha roupa estava molhada e ambos estávamos congelando. Eu não tinha forças para uma conversa, um diálogo ou o que quer que Thomas quisesse naquele momento. Então me aquietei, mas deixei que ele desse início às explicações que queria me dar. - Eu estava protegendo você - ele disse num sussurro. Soltei uma risada bufada que deve ter parecido ridícula, mas que vinha a contento, já que pareceu totalmente de deboche.
- Rain, por favor, estou falando sério - ele repetiu. - Você tem que acreditar em mim. Como eu não falei absolutamente nada em retorno, Thomas continuou. Ainda me abraçando fortemente. - Cybella teve um ataque e praticamente quebrou toda a casa no sábado, depois da festa. Minha mãe quase surtou e quis colocá-la para fora porque, por mais que ela tenha feito todos os caprichos dela, ainda assim há um limite do razoável para a mamãe. Meu pai está viajando a negócios, então só estávamos eu e minha mãe em casa para conter a fúria - ele falou e suspirou longamente. - Aparentemente, quando Cybella estraçalhou o quadro réplica de um Monet, minha mãe perdeu as estribeiras totalmente. - Ele riu do fato. Eu não achei graça nenhuma. - Nem mesmo com Cybella prometendo comprar outro para repor, até mesmo um original, a fúria da minha mãe se aplacou. Eu apenas ouvia seu relato tentando imaginar o furacão Cybella passando pela casa de Thomas. -ameaçou você. Senti meu corpo ficar retesado diante da informação. - Ela ameaçou você fisicamente e acabei ficando apavorado, porque sei que pode parecer loucura ou exagero, mas algumas vezes, realmente, acredito que ela seja capaz de qualquer coisa. Meu coração batia em ritmo acelerado e eu não sabia o que falar. Thomas me virou de frente para ele, ainda sem permitir que eu saísse de seu abraço, e me apertou forte contra seu peito. - No sábado, eu me encontrei com Mike, tentando descobrir o que fazer, ou talvez acalmar meus nervos, imaginando que Cybella tivesse exagerado e eu estava ficando nervoso à toa - ele falou, mas eu estava com o rosto pressionado contra seu coração que palpitava acelerado, no mesmo ritmo que o meu. Thomas caminhou para trás e sentou-se na cama, me puxando em sua direção, fazendo com que eu acabasse sentada em seu colo. - Ela apareceu na lanchonete e, novamente, fez as ameaças - Thomas disse, tentando que eu olhasse para ele. - Pode perguntar para o Mike, ele estava lá e ouviu tudo o que ela disse. Eu te juro, Rain. Fiquei afastado porque realmente senti medo que ela fizesse algo contra você. Nunca havia me sentido ameaçada por absolutamente nada com repercussões físicas. Ameaças emocionais eu havia sofrido, como quando as pessoas zombavam do meu nome ou dos nomes de meus irmãos e espalhavam cartazes pelas escolas por onde passávamos, satirizando todos os fenômenos naturais relacionados às nossas alcunhas exóticas. Mas uma ameaça física? Em que mundo eu vivia? Achava que aquilo somente acontecia em novelas ou filmes, ou mesmo em livros de romances, carregados de drama e fatos marcantes, como a morte da protagonista. Ergui meu rosto e encarei um par de olhos verdes que me mostravam uma tristeza profunda. - E por que estava sentado com Tiffany hoje cedo, Thomas? Era uma forma de me mandar uma mensagem? Uma forma de desfazer todas as palavras que me falou na sexta-feira? - Meu tom de voz era desanimado. - Tiffany conseguiu fazer amizade com Cybella e as duas se comprometeram a trocar informações. Cybella exigiu que Tiffany mantivesse um olho em você e garantisse que não estávamos mais juntos - ele disse. - Tiffany faria de tudo para agradar minha prima, ainda mais quando ela prometeu uma série de presentes em troca disso. Olhei assustada para Thomas. Parecia um esquema sinistro de espionagem. - Então Tiffany é como um guarda-costas para você agora? A mando de sua prima? - debochei. - Não, Rain. Eu não dou a mínima para o que Tiffany faz na tentativa de cair nas boas graças de minha prima. - Seu tom de voz era irritado. - Mas elas se
falaram hoje pela manhã, quando Cybella estava a caminho do aeroporto, e achei melhor fingir que estava no esquema delas. Respirei fundo. - Credo. Isso mais parece roteiro de algum filme macabro, tipo Carrie, a Estranha. - Tentei brincar. - Talvez seja melhor mesmo que eu saia fugida da cidade e suma daqui. Eu falei aquilo mais para mim mesma, sem nem prestar atenção ao fato de que Thomas ouvia tudo e de um local privilegiado, já que eu ainda estava no colo dele. - Como assim? - O quê? -Mordi a unha do polegar tentando lembrar o que eu havia falado. - Como assim fugir da cidade? - ele perguntou e em seus olhos eu podia ver a mágoa. Tentei me levantar do seu colo, mas seus braços eram como tornos em volta de mim. - Não é nada. Em minha tentativa de desconversar, não percebi que afastei os olhos dos de Thomas, o que delatava totalmente o fato de que não estava falando a plena verdade. - Rain.Olhei para cima e seu olhar era indagador. - Não é nada, Thomas. Apenas esqueça isso. - Não. Não vou esquecer, ainda mais quando você me disse que seus pais vivem mudando de cidade sempre que lhes convém - ele disse e parecia irritado. - Eles realmente têm falado em mudar de cidade - admiti fracamente. - Como assim? E você nunca me falou nada? - Agora ele parecia puto. Eu o encarei irritada também e respondi à altura. - Eu também não sabia de nada, Thomas! - quase gritei. - No sábado de manhã, depois da festa, nossos pais soltaram a bomba. Eu e meus irmãos também fomos pegos de surpresa. Nada agradável, por sinal. Thomas parecia em pânico agora. - Então está falando que vai se mudar daqui? É isso? - Seus braços agora tremiam ao meu redor. Provavelmente efeito do frio de nossas roupas. Talvez fosse melhor que eu me afastasse e pegasse uma toalha para Thomas ou algo assim. E trocasse a minha camiseta, que agora estava completamente transparente. - Não. Estou falando que eles planejaram isso. - Sim, e daí? - Thomas estava irritado. - Você vai se mudar, é isso? - Não, Thomas! - Tentei sair do seu agarre e finalmente consegui, colocando-me de pé para andar pelo quarto, em busca de um pouco de calmaria. - Tivemos uma briga familiar horrível e as decisões acabaram sendo mudadas. - Então seus pais não vão mais se mudar. Fiquei tentada a não falar nada.De que adiantaria? A maioria das pessoas não entendia o estilo de vida adotado pelos meus pais e a decisão que foi tomada chocaria completamente a sociedade. - Eles irão se mudar - falei desanimada. Thomas se levantou da cama e caminhou em minha direção. - Você está brincando comigo, porra?! - ele falou alterado. - Acabou de dizer que não vai, mas logo em seguida disse que seus pais vão. Olhei para ele esperando que ele entendesse. Mas era exigir muito.- A estrutura da minha família é um pouco diferente da maioria das famílias que você conhece, Thomas - tentei explicar, cansada. Como ele ainda me olhava com aqueles lindos olhos verdes indagadores, resolvi sentar na cama e o chamei para sentar ao meu lado. Antes, porém, coloquei um cobertor sobre seus ombros e peguei um agasalho para mim. Só depois que me cobri foi que criei coragem para tentar explicar algo que para muitos era inexplicável. - Meus pais são hippies, Thomas. Eles vivem esse estilo de vida desde antes de nascermos e acreditam piamente na filosofia "paz e amor". - Percebi que ele prestava atenção. - Caçam comunidades hippies pelo país, a fim de viver em harmonia e essa coisa toda. Acontece que acabamos discutindo e dizendo que Sunny, Torm e eu não compartilhamos dos mesmos gostos e estávamos cansados de levar uma vida itinerante, sem criar laços, mudando de escola para escola e por aí vai. Ele me abraçou fortemente. - Eles decidiram seguir para um festival em uma comunidade hippie em Richwood, na Virgínia, daqui a algumas semanas, e nós ficaremos para trás.Thomas arregalou os olhos, assustado, com o que eu havia falado. - Está dizendo que seus pais se mudarão e vocês vão ficar aqui, sozinhos e por conta própria? - Seu tom de voz era de descrença. - Yay! Isso mesmo - ironizei minha situação de vida. - Meu Deus, Rain! Por isso disse que precisou tanto de mim no fim de semana, você estava tentando digerir essa ideia. Sacudi a cabeça concordando e tentando conter as lágrimas que teimavam em querer descer sempre que eu pensava na atitude dos meus pais. Que o estilo de vida deles era muito mais importante que seus três filhos. Ou ao menos meu estado emocional estava tão fragilizado que era assim que eu me sentia. Quando Thomas me abraçou, deixei que minha cabeça pendesse em seu ombro e permiti que as lágrimas lavassem meu rosto, na tentativa de expurgar o sentimento de abandono que eu sentia. Com o sumiço dele no fim de semana, aquele sentimento havia crescido e tomado proporções enormes diante do fato, e eu não conseguia lidar com isso. Eu tinha dezessete anos, tudo bem, quase
dezoito, mas e daí? Ainda era uma adolescente tentando vencer a merda do Ensino Médio, com uma vida toda pela frente e completamente incerta, agora que estaria por conta própria. Na rebarba de todo o drama, eu ainda teria de arcar com a responsabilidade de cuidar dos meus irmãos gêmeos de dezesseis. Depois de conseguir chorar o suficiente para alagar o quarto, Thomas colocou a ponta do dedo debaixo do meu queixo e o levantou em direção ao dele. Então depositou um beijo suave e me encarou. - E, nessa merda toda, ainda acabei de acrescentar este problema da Cybella na sua vida, não é? - ele perguntou triste. Eu o abracei, enlaçando seu pescoço com os braços e o beijei delicadamente de volta. - Você é um dos motivos de eu me recusar a sair daqui, Thomas - eu disse e senti meu rosto corar. - Não sei como, mas você tem conseguido perfurar as camadas de proteção que eu havia tecido em volta de mim. E, se antes eu não tinha laços, acabei encontrando um forte motivo para bater o pé e não querer ir embora. Seus olhos mostravam uma ternura infinita, mudando logo para um padrão mais quente e cheio de desejo. Thomas mergulhou sua boca contra a minha e me beijou como se não houvesse amanhã. Eu adorava esses arroubos selvagens dele. Mostravam-me claramente que eu o atraía na mesma medida que me sentia atraída. Então os sentimentos incertos que ele havia despertado em mim acabavam tomando força e fazendo com que eu o ansiasse cada vez mais. Meu corpo parecia criar vida própria quando entrava em contato com o dele. Nem sequer conseguia me reconhecer naquela figura devassa que agarrava os cabelos de Thomas e o puxava contra meu próprio corpo, querendo apenas um simples atrito que aplacasse meu anseio. Eu estava perdida, correndo o risco de ficar perdidamente apaixonada por Thomas Reynard. E precisava daquele momento em que nenhum pensamento racional coabitasse meu corpo. Precisava apenas sentir, dar vazão aos sentimentos arrebatadores que ele despertava em mim. Eu podia dizer que eram turbulentos. Havia fúria, por conta da rejeição infringida naquela manhã, havia raiva e mágoa, por conta do descaso e de seu sumiço durante o fim de semana, e havia paixão latente, por conta da aceitação de uma verdade única e exclusiva: Thomas era o que conseguia manter o fio da minha sanidade aceso.

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