Capítulo 27

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O diretor Jackson já estava sentado atrás de sua mesa, com toda a pompa, com os dedos conectados, naquela típica pose de homem culto e pretensioso. Sentei-me na poltrona à sua frente e aguardei. - Srta. Walker, vou ser bem sincero. - Ele começou o discurso e meu coração trovejou. - Acabei ficando surpreendido em vê-la envolvida em alguns conflitos desde sua chegada a esta escola, mesmo que seu boletim escolar me mostre que não há nenhuma falha em você como aluna exemplar. Congelei meu cérebro por um momento apenas. Ele não estava falando apenas do episódio do refeitório de agora, pelo jeito. - Sr. diretor, eu, sinceramente, não sei do que o senhor está falando... - Tentei desconversar, ou ao menos fazer com que ele esclarecesse exatamente sobre o que estava falando. - Veja bem, Srta. Walker. Eu posso não me envolver em muitas áreas ou outras localidades, mas, de tudo o que concerne à escola, sempre estarei ciente. - Seus olhos argutos me observavam. -Sei que houve um conflito na festa na casa do treinador Murray, na sexta-feira, envolvendo, inclusive, o próprio Jason Carson, assim como sei que há um conflito relacionado a você e Cybella, prima de Thomas Reynard, que, por conseguinte, vem a ser seu namorado. Senti o sangue drenar do meu rosto. Uma sensação súbita de desmaio se apoderou do meu corpo, mas lutei bravamente contra o pânico. Como ele poderia saber sobre isso? Ou fazer essa associação? Como? Tentei vasculhar em meu cérebro e me lembrei vagamente de que o diretor tinha parentesco com a mãe de Thomas... Algo assim.- Se... Senhor... - Eu não estou te recriminando, Rainbow. - Congelei quando ele me chamou pelo meu nome de batismo. - Essas coisas acontecem. Deus sabe que meu Ensino Médio foi uma selva total. Eu quase sorri. Quase. - O que preciso é que você me avise se achar que está sob muita pressão. - Co... co... como assim? - Veja bem, sabemos de todo o histórico de você e seus irmãos e os comportamentos escolares. Temos todos os relatórios de todas as escolas pelas quais passaram. Vocês nunca tiveram problemas de espécie alguma, mas a referência de todos eles sempre foi a mesma do conselho de classe. - Que teria sido? - Vocês sempre sofreram calados o bullying relacionado aos seus nomes ou à origem e cultura familiar em que foram criados. - Sua resposta foi categórica. - Podem achar que, por não visitarem a diretoria, não sabemos o que se passa em nossos corredores, mas estão enganados. O grande problema é que, infelizmente, muitas vezes só podemos agir de maneira efetiva quando há um fato comprovado ou uma reclamação formalizada. Olhei diretamente para aqueles olhos conhecedores. - Estamos em um mundo onde a política é de tolerância zero em relação a bullying escolar. Tivemos casos graves de alunos, em outras escolas, com uma sorte sem fim de coisas que não vêm ao caso agora. O que preciso é que você não permita que seus ofensores saiam impunes. - Eu... eu... não sei se o que fiz foi o certo, Sr. diretor - falei sinceramente. - Normalmente apenas relevo, mas realmente acabo ficando exaltada quando colocam meus irmãos no meio... e eu sei... que... a meta é evitar uma briga. - Veja, Rainbow, para mim, em meu ponto de vista, você não esteve brigando. Esteve defendendo seu lugar dentro desta escola. Seu lugar como aluna. Que exige respeito. Eu admiro isso. Só queria que soubesse. Fiquei completamente chocada com a reação do diretor Jackson. Eu não estava esperando aquilo. Esperava uma reprimenda. Um sermão. Uma suspensão. Uma visita à detenção. Sei lá...Quando ele me dispensou dali, fui direto para o banheiro, tentando organizar meus pensamentos tumultuados. Olhei meu reflexo no espelho e gostei do que vi. Gostei daquela Rainbow mais forte, que lutava para suplantar a mais fraca. Percebi que daria tempo de seguir para a última aula e, quando estava quase conseguindo chegar, Tiffany parou na minha frente com um copo de suco e o despejou por completo em minha roupa. - Ops! Meu Deus! Que super sem querer! Rainbow... sua tosca... como assim tropeça em você mesma? - ela disse e as amigas começaram a rir. - Coitadinha...não bastasse ser estranha, ainda é tão passadinha. Minha ira não tinha tamanho. Eu sabia que se voasse no pescoço dela poderia machucá-la. O que eu deveria fazer? O diretor me deu carta branca para não permitir abusos. Mas até onde eu estava disposta a chegar? - Olha, vou te dar um conselho, queridinha... se eu fosse você, me afastava do Thomas. Cybella não está para brincadeira, e Thomas é dela, entendeu? Você é a forasteira aqui. Chegou aqui tentando usurpar o que pertence a outra pessoa. - Thomas não pertence a ela - falei entre os dentes - Pertence. Sempre pertenceu e sempre vai pertencer. Não adianta achar que vai conseguir alguma coisa diferente. - Seu tom de voz era mordaz. - Veja aqui... está vendo? - Ela ergueu o celular, mostrando o perfil da página social de Cybella e nela havia várias fotos dos dois juntos. - Os dois se pertencem. Você está apenas tentando estragar o equilíbrio de algo lindo e natural. Você não é nada. Não é ninguém. Não é uma fagulha, uma unha do que aquela mulher divina é. - O tom de idolatria com que Tiffany falava de Cybella era até doentio. - Acorde antes que seja tarde. Estou te dando um aviso de amiga, vá por mim. - Você não é minha amiga. - Não. - Ela riu e as outras também. - E nunca serei. E aqui nesta escola, meu bem, você só vai encontrar amizade com as pessoas que foram excluídas por nós, entendeu? Dizendo aquilo, Tiffany marchou em uma saída dramática, seguida por suas asseclas do mal, e eu? Eu apenas fiquei ali, no corredor, com suco escorrendo por toda a minha roupa. Vamos lá. Recapitulemos os fatos. Eu estava mudando, mas também não dava para esperar um milagre de um dia para o outro. Thomas vinha mudando minha personalidade? Sim. Espera. Não era ele que mudava minha personalidade. Ela já estava ali. Ele apenas era um farol que mostrava o potencial que sempre tive. Thomas apenas extraía os sentimentos que sempre fiz questão de deixar trancados e bem guardados, porque no fundo, no fundo, eu sempre soube que sentimento tem muito a ver com sofrimento. Não é à toa que as duas palavras começam com "s". E ainda rimam lindamente em um poema fajuto qualquer. Isso é um fato incontestável.Com seu incentivo, Thomas foi fazendo com que as paredes à minha volta rachassem pouco a pouco. Fui começando a entender que não precisava entrar em crise por me sentir diferente. Só precisava agir diferente, de maneira que me sentisse bem. Da forma como eu estava, sempre me repudiava. Porque sempre tinha a sensação da não aceitação de mim mesma. De não fazer parte de um todo. Mas o que bastava era que eu abrisse um pouco a concha na qual me encarcerei e olhasse os vislumbres da beleza dos sentimentos exteriores. Então, em vez de viver amargurada e constantemente em crise, bastava eu sentir. Só que o conceito de sentir é muito amplo, certo? Eu podia sentir raiva, medo, ódio, amor, carinho, rancor, repúdio... uau... citei sentimentos muito parecidos entre si... talvez porque estivesse sentindo apenas isso ultimamente. O que eu precisava aprender a fazer era ter domínio próprio sobre esses mesmos sentimentos. Não era à toa que este era um dos dons da Bíblia, certo? Porque ter domínio próprio é bíblico, cara. Mas é tipo... muito difícil na sociedade atual. Mas não é impossível. Respirei fundo e senti que uma torrente de lágrimas seria despejada imediatamente ali. Um tsunami. E aquilo, sim, seria um vexame épico. Sem nem me dar conta, zarpei pelo corredor rumo à saída da escola. Eu precisava de um momento a sós para internalizar tudo: os sentimentos perturbadores, as mágoas, as palavras ácidas, as feridas; e ainda tentar resgatar um pouco da autoestima que fora pisoteada ali há pouco pela vaca loira Tiffany.

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