Capítulo 3

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Já havia se passado uma semana. Nenhuma viva alma trocou uma palavra sequer comigo. Eu era uma pária naquela escola. Aparentemente, a Westwood Garden High School não apreciava alunos novos no meio do semestre. Tudo bem. Eu poderia viver em silêncio tranquilamente. Desde que me deixassem em paz, eu poderia ser apenas uma estátua paradinha ali, absorvendo conhecimentos e sendo ignorada pelos colegas.Eu era estranha? Provavelmente. Meus cabelos castanhos eram sem sal, não tinham aquele viço que as meninas mais populares ostentavam. Praticamente, eu os mantinha aprisionados em uma trança. Meus olhos verdes quase nunca eram detectados porque eu nunca fazia contato visual com as pessoas. Minha pele clara era tão comum quanto as paredes decoradas da sala. Eu tinha um corpo bacana, nada de que pudesse me envergonhar, mas não gostava de mostrar mais do que um pedaço de pele necessário. Fazia questão de esconder meus seios porque os achava grandes demais para a minha idade. Ou ao menos esse
foi um hábito adquirido, levando em conta que aos treze anos eu já ostentava minha comissão de frente. Os meninos tinham uma tendência chata de ficarem encarando aquela área da minha anatomia. Meus tênis não eram da moda. Minhas roupas não eram estilosas. Talvez eu realmente não pertencesse àquela escola. Tudo ali girava em torno de dinheiro. As meninas andavam tão perfumadas que isso chegava a incomodar o meu olfato. Os garotos eram tão insuportáveis que eu nem conseguia ficar muito tempo ouvindo os diálogos enfadonhos. Muitas vezes eu achava que estava sendo dura demais em meus julgamentos,mas a verdade era que as pessoas me irritavam. Então, preferia ficar sozinha. Eu estava entretida em mais um dever de sala quando percebi que alguém sentou-se ao meu lado. Olhei de rabo de olho e vi a garota grunge da escola. Rebecca. Era esse o nome. Posso não ter facilidade em fazer amigos, mas minha memória é excelente, além de ser extremamente observadora. Eu sabia o nome de quase todo mundo da sala. - Rainbow, certo? - ela perguntou, olhando curiosa para mim.- É. A garota se virou para me olhar de frente e senti que estava sendo avaliada. - Você também está sendo isolada? - ela perguntou de pronto. Parei o que estava fazendo e olhei atentamente para a interlocutora. - Rebecca, certo? - repeti sua abordagem. Ela riu. - É. Estendi a mão e ela me cumprimentou. - Já estou acostumada a ser isolada. Mudo de escola quase tanto quanto mudo de roupas - falei com sinceridade. - Uau. Isso deve ser péssimo - ela disse. - Ter que passar por toda essa merda de ser apresentada na turma e blá-blá-blá... - É. Também acho um saco. Evitei a palavra merda. Embora achasse aquilo também. - Eu estudo aqui desde o jardim de infância - Rebecca disse enquanto mascava o chiclete de maneira displicente. - E conheço meia dúzia de gatos pingados. Nenhum deles vale a pena. - Puxa! Que triste... - Eu realmente quis dizer aquilo. - Digo, é muito tempo. Você não teve afinidade com ninguém? - Não. - Sério? - Aham. - Ela pigarreou e segui seu olhar. Um garoto lindo entrava na sala. - Aquele ali é um dos objetos de desejo de noventa e oito por cento das garotas do Westwood. A maneira como ela disse aquilo dava a entender que ela era parte dos 2% que não davam bola para o cara, mas que na verdade ela poderia ter pertencido ao grupo de 98% em algum momento de sua vida acadêmica. - Ah... - Jason. Fiquei calada. Não tinha nada a acrescentar ao fato de ela citar o nome dele. Ela me olhou atentamente. Eu tinha voltado a atenção para o dever. - Você não acha ele um gato? Seu tom de questionamento era cético. - Acho muito bonito, sim -respondi, mas sem erguer a cabeça. Só que acabei perdendo a concentração no dever quando escutei o riso solto que ela dava. Era o riso que estava chamando a atenção de toda a turma. - Cara! Você é meu ídolo agora! - Rebecca disse alto. - Você é a única garota que conheci que... - Sshhhhh... - Quase cobri sua boca com mão, mas acho que meu tom de voz deu realmente a entender o desespero para que ela se calasse. - Okay, okay... - Ela ergueu as mãos no ar. - Não está mais aqui quem falou. Mas somos amigas agora, Rainbow. Você cresceu no meu conceito. Apenas sacudi a cabeça concordando com a estranheza da situação. Opa. Acho que encontrei alguém mais estranha que eu. Aquilo era raro. Olhei para o tal Jason e infelizmente aquele evento aconteceu na mesma hora em que ele ergueu a cabeça e olhou para mim. Droga. Pega em flagrante. Tentei evitar ficar rubra de vergonha, mas acredito que aquilo foi impossível. O garoto em questão deu um sorriso sacana, daqueles que querem "essa garota caiu na rede e vai entrar dizerpara minha coleção". Contive o impulso de revirar os olhos em puro desgosto. Eu detestava garotos daquele estilo. Muitas vezes meu irmão Storm tinha esse hábito extremamente constrangedor de se achar um presente dos deuses gregos às garotas do planeta. Na verdade, eu detestava meninos extremamente populares. Podem até dizer que era por despeito, por nunca estar em seus radares, mas achava a maioria arrogante ao extremo. Fora que muitas vezes completavam o pacote de serem lindos por fora, mas completamente tapados intelectualmente. Quando o professor começou a aula, minha atenção voltou totalmente para a física que ele tentava enfiar em nossas cabeças. Eu tinha de confessar que tentar ser a melhor aluna da sala, muitas vezes, era chato. Tinha de me forçar a compreender certos conceitos, que para mim, eram desnecessários. Física era uma matéria que eu entendia, mas não amava de paixão, como amava literatura, por exemplo. Mesmo assim, tentava superar meu próprio bloqueio. O sinal tocou nos alertando para a troca de sala. Peguei meu horário e fui conferir qual matéria e para qual direção eu deveria seguir. Enquanto eu tentava entender o labirinto de salas, acabei esbarrando em alguém. Olhei para cima e dei de cara com ninguém mais, ninguém menos que Jason. O tal Jason. O mais desejado e idolatrado da escola. Ou um dos... Pelo que Rebecca deu a entender, a escola tinha um quinhão de garotos daquele tipo. - Olá, novata. Fiquei momentaneamente sem responder. Eu estava buscando forças para ignorar a sobrancelha arqueada do cara. - Oi.- Então, você é nova por aqui? Uau. Que originalidade! - Ãh, acho que sou. - Minha ironia estava ganhando vida. - Precisa de ajuda com a direção das salas? - Ele insistia com aquele lance esquisito da sobrancelha. Eu já estava quase para perguntar se ele tinha botox naquela região. O cara pegou o papel da minha mão sem o menor pudor. - Hum... você tem aula de química. - Vi quando ele fez uma careta. - Sala 25. Venha, eu te levo lá.Okay. O garoto era prestativo. Ainda segurava minha folha com meus horários enquanto me guiava pelos corredores. Eu podia jurar que olhos estavam se esbugalhando enquanto percorríamos a área. Quando chegamos à sala, o garoto virou-se para mim, dando um sorriso do estilo quilowatts. - Você está segura, garota novata. - Dizendo isso, ele me entregou o papel. - Eu tenho um nome, obrigada - falei. - Claro, claro. Um nome engraçadinho, já ouvi por aí - o descarado disse e riu. - Eu sou Jason Carson, mas tenho certeza de que já sabe disso. Eu estava me contendo para não esmurrar aquela boca bonita. - Rainbow Walker. O idiota riu. - Seu nome é muito interessante, Rainbow. De onde veio? Senti uma enorme vontade de dizer a ele para olhar para o céu depois de um dia chuvoso. Idiota paspalhão. Como o sinal soou naquele instante, fiquei livre de dar uma resposta desaforada ao garoto irritante. O que ele tinha de lindo, também tinha de imbecil. Loiro, olhos azuis, atlético. A estirpe mais distinta entre os machos do colegial. Rico, pomposo e superconsciente de si mesmo. O garoto era um mané. E um clichê total. E altamente estereotipado em minha mente. O tipo de garoto que eu evitava como a praga do Egito. Graças a Deus, consegui pegar a última carteira da sala. Ali eu poderia me esconder por ao menos uma hora, ou seja, a duração da aula.Ao meu lado sentou outro garoto. Senti que ele me olhava, mas minha concentração estava toda no parafuso da cadeira à frente. Quando a professora entrou, ergui os olhos porque o som de assovios foi quase ensurdecedor. A professora era uma mulher na faixa dos trinta anos, linda de dar inveja e com um ar distinto. Ela mais parecia uma modelo de revista em vez de uma professora de química. - Queridos, queridos - a loira escultural falou. - Contenham esses hormônios loucos, por favor. Todos riram. Aparentemente, o relacionamento da turma com essa professora era assim. Descolado. A aula seguiu sem problemas, até que ela mandou que sentássemos em dupla para fazer a última questão. Questão esta que eu já havia feito, desculpe. O cara do meu lado arrastou a carteira para se aproximar de mim. - E aí? - O tom de voz era interessante. Tanto que me fez erguer o rosto e averiguar o interlocutor. Uau. O cara era alto. E bonito, eu tinha de admitir. Tinha os cabelos castanho-claros, em um comprimento maior do que o da maioria dos meninos, usava um brinco na sobrancelha e tinha os olhos mais verdes que eu já havia visto na vida. Pareciam duas esmeraldas brilhantes. E estava vestido completamente de preto. Da cabeça aos pés. Não que eu tenha passado os olhos por toda a extensão do seu corpo. Longe disso. Culpem minha visão periférica, que era muito aguçada. - E aí? - ele repetiu. Senti meu rosto ficar quente. - Desculpa - eu falei atrapalhada. - Estava pensando em outra coisa. O garoto sorriu enviesado. - Sei. Aparentemente, os garotos daquela escola eram seres oniscientes. - Seu nome? - perguntei enquanto arrancava uma folha do caderno e escrevia meu nome. - Thomas Reynard - o garoto se apresentou e chegou o corpo perto do meu para ver se eu escrevia corretamente. - Oh, uau. Você já fez a questão. - Pois é.- Nerd. - O quê? - perguntei chocada. - Você é nerd. Eu odiava aquele termo torpe de classificação. Só porque alguém gostava de química, gostava de estudar e conseguia efetuar uma equação rapidamente, não significava que merecia adentrar no reino das categorias pejorativas. - Okay, punk. Ele riu. - O quê? - Ué, se me classifica como nerd, vou te enquadrar como punk. Simples assim. Falei isso e terminei de passar a limpo toda a questão. - Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa na resposta, com toda a sua sabedoria? O cara arregalou os olhos. Yeap. Eu estava fazendo mais um inimigo com meu supersarcasmo. Para meu total espanto, ele apenas riu. - Gostei de você. - Ele se aproximou de mim outra vez para ler o cabeçalho. - Rainbow. Yay!!! Mais um membro para meu fã-clube. Meu Deus. Eu ainda teria mais quatro aulas naquele dia espetacular. Ignorei o garoto pelo resto da aula, mas podia sentir seu olhar em mim, como se eu estivesse debaixo de uma lente microscópica. Eu era novidade no meio daquela galera que já devia se conhecer há séculos. Cada vez que o sinal batia, eu disparava da sala onde me encontrava, tentando achar a última fileira de cadeiras. Droga, eu queria me esconder. Quando a última aula chegou, pude suspirar com alívio. Nas aulas anteriores, evitei loucamente qualquer espécie de contato com o Jason e o tal Thomas. Dois garotos completamente diferentes e iguais no meu ponto de vista. Malas. Ou será que eu era a pessoa ruim na equação, que só conseguia enxergar o lado negativo de cada um deles? Não importavam minhas intensas reflexões naquele momento. Eu ainda tinha o restante do segundo semestre pela frente para tentar me camuflar no meio daquela galera. Quando consegui sair para o pátio, depois da última aula, vi Sunshine correndo em minha direção. - Minha nossa, Rain! - ela disse alto o bastante para que toda a escola ouvisse. - Estou completamente apaixonada pelo quarterback do time de futebol. - Minha nossa, Sunny! - falei no mesmo tom. - O quarterback não é seu irmão? - Claro que não, sua tapada. - Ela me deu uma ombrada. - Storm entrou para o time, mas o posto dele é outro, sei lá qual. Fora que ele é reserva. - Nossa, Sunny! Estou perplexa com seus profundos conhecimentos das posições desse esporte... - eu disse, rindo. - Querida, a posição não interessa. Só interessa se o cara é forte, gostoso e altamente bonito. - Você é muito fútil, Sunny - falei e levei uma bolsada nas costas. - Ai! Depois que entramos no ônibus escolar, Sunny continuou com seu rico discurso. - Não sou fútil. Apenas enxergo o belo da vida, enquanto você se concentra em achar o que há de pior nos caras. Embora Sunny tivesse dezesseis anos, ela era muito mais experiente em relacionamentos com garotos do que eu. Bem, ela estava certa naquele ponto. Eu só conseguia enxergar os defeitos e afastava os garotos antes que sequer pensassem em puxar assunto. Será que eu deveria ser a pessoa a mudar este padrão?

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