Capítulo 24

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Por mais estranho que pudesse parecer, acordar ao lado de Thomas não foi tão esquisito quanto pensei que seria. Ele depositou um beijinho suave em minha testa e abri os olhos calmamente. A visão daqueles olhos verdes enevoados deu um tombo em meu coração. Se meu corpo estivesse obedecendo aos comandos adequados, eu teria saído da cama rapidamente, já que estava preocupada com o bafo matinal. Eu nem sabia como os casais se comportavam ao acordarem juntos e como lidavam com essa particularidade. Porém, com os efeitos da noite anterior, estava me sentindo enferrujada, quase podendo ouvir o ranger e estalido dos meus ossos e músculos tentando se descompactar para executar um movimento. Segurei um gemido de dor que varreu meu corpo quando sentei na cama. Minhas costelas pareciam ter sido espremidas por um Troll. Ou então eu podia jurar que tinha dormido de espartilho. - Não fuja! - Thomas tentou me segurar.- Eu já volto. Marchei como uma tartaruga para o banheiro e percebi que meus irmãos ainda deviam estar dormindo, já que as portas de seus quartos estavam fechadas. Sunny havia pendurado sua placa de "não perturbe, pois aqui há um zumbi prestes a te devorar". Sorri internamente e percebi que eu estava feliz, apesar de todo o drama da noite anterior e da perspectiva de ser objeto de fofoca da escola inteira na segunda-feira. Fora a dor. Não podemos nos esquecer da dor do caralho que estava percorrendo todas as fibras musculares do meu pobre corpo naquele momento. Sentar no vaso sanitário havia sido uma tarefa monumental. Quase equiparável a um treino intenso em academia. Ou pós-treino, quando os músculos se recusam a obedecer e tremem loucamente. Quando voltei para o quarto, Thomas estava sentado na cama, passando as mãos pelos cabelos e bocejando. - Se ainda está com sono, por que razão me acordou? - perguntei e cruzei os braços, esperando que desculpas ele daria. - Dormir abraçado com você é maravilhoso, mas existe algo como o chamado da natureza, já ouviu falar? - Sorriu. Quando ele se levantou da cama, suspirei por toda aquela glória masculina e amarrotada, que não deixava de ser sexy nem mesmo ao acordar. Era bem injusto, mas quem está reclamando? Eu não. Ele se aproximou de mim e me enlaçou em seus braços. Sem esperar um segundo ele me beijou e meu cérebro processou o agradecimento de ter escovado os dentes com capricho. - Hummm... creme dental de menta com pequenas partículas cristalizadas... - ele disse e lambeu os lábios. - Meu favorito.Abri a boca em choque, mas ele já havia me soltado e marchado para fora do quarto. Aproveitei o momento e troquei de roupa rapidamente - na medida do possível, já que todos os meus movimentos estavam sendo executados como se estivessem em uma câmera slow motion -, colocando uma calça de moletom e uma regata no lugar do pijama quentinho e puritano. Prendi os cabelos em uma trança e, quando me inclinei para procurar um par de chinelos, gemi em voz alta. Esqueci da dor nas costelas. Agora eu estava preocupada de precisar de um guincho para me retirar daquela posição inglória. Foi quando ouvi o pigarro atrás de mim. - É realmente uma cena digna de apreciar - o descarado disse e riu. Percebi que ele devia estar olhando para o meu traseiro. Quando consegui voltar a uma posição digna, sem gemer audivelmente no processo, arremessei um chinelo em sua direção. Infelizmente o objeto tomou outro rumo e acabou acertando meu quadro de avisos na parede. - Idiota.
- Idiota, mas você me ama. Quase engasguei. É claro que ele devia estar brincando, já que, logo em seguida, sentou-se na cama para calçar seus sapatos. - O que vamos fazer hoje? - ele perguntou despreocupadamente. Eu ainda tentava fazer meu coração voltar ao ritmo normal e não deixar transparecer que havia ficado abalada agora há pouco. - Não sei. Ficar em casa seria ótimo para mim. E seria mesmo. Eu queria me enrolar debaixo das cobertas e ficar ali o dia inteiro. E Thomas eria bem-vindo, claro. Mas eu não sabia se teria coragem suficiente para externar aquele desejo. - Eu sei. Mas você precisa sair. Então vamos dar uma volta por aí. - Thomas, estou com tooooodo o meu corpo malhado de contusões. E tudo dói. Até meus cílios estão doendo, se é que isso é possível - falei e acompanhei o riso que ele deu. - Sei disso também. Por isso, já estou com o arsenal de drogas, vulgo analgésicos, preparado para você. Agora vamos. Ele disse e levantou-se de um pulo me pegando desprevenida quando me ergueu em seus braços e saiu do quarto disparando pela escada. - Thomas! Me solta! O que você está fazendo? Ponha-me no chão! - tentei ralhar, mas eu lutava contra o riso. E claro que rir e lutar contra o seu agarre ao mesmo tempo doía pra caralho. Quando percebi que ele rumava para a porta de saída, me sacudi em seus braços. - Fica quieta! Ou vamos acordar seus irmãos! - Mas nem tomamos o café da manhã! Já estávamos do lado de fora de casa e Thomas quase me colocava dentro do carro quando Storm gritou da porta. - Ei! Onde os dois estão indo tão rapidamente? - Vou sequestrar sua irmã. E não se dê ao trabalho de chamar a polícia! - Thomas gritou entrando no carro e arrancando rapidamente. Eu provavelmente devia estar parecendo uma trouxa, pois um sorriso insistente resolveu se instalar em meus lábios e não saía de forma alguma. Mesmo que meu rosto estivesse doendo horrores, ainda assim eu estava feliz com os arroubos de Thomas. Ele acabava me obrigando a fazer coisas que nunca pensei que gostaria de fazer. Eu encontrava diversão onde antes apenas via algo anormal ou idiota. Isso me fez lembrar que nem ao menos averiguei direito o estado do hematoma em meu rosto. Abaixei o espelho do quebra-sol e dei uma espiada no estrago. Estava roxo, inchado, mas nada que pudesse colocar uma criança pra chorar pensando que eu fosse um zumbi ou algo assim. Abri e fechei a boca algumas vezes, testando se o movimento causaria muito desconforto. Ainda bem que o soco não alcançou meus lábios, ou naquele momento eu poderia estar com um beiço estilo Angelina Jolie, mas sem todo o glamour e sexualidade latente da diva hollywoodiana. Tentei me ajeitar no banco sem demonstrar muito as dores que sentia. Eu não queria estragar o clima festivo de Thomas. - Não faço a mínima ideia para onde vamos, garota. - Ele desviou os olhos do trânsito. - Vamos ser selvagens hoje! - Thomas! Você é louco! Eu nem ao menos peguei minha bolsa. - Eu sou muito mais esperto que você, querida. O que seria aquilo ali atrás no banco? Olhei para onde ele apontava e vi minha bolsa largada de qualquer jeito.Voltei os olhos para ele e um sorriso estúpido espalhava-se pelo meu rosto. - Você tem uma mente criminosa, Thomas Reynard. - Você não faz ideia, meu bem. - Piscou de maneira atrevida. Nosso passeio seguia até que Thomas parou em um posto de gasolina e desceu rapidamente para usar a bomba de combustível. Eu fiquei dentro do carro apenas acompanhando seus movimentos com os olhos. Vi quando um carro cheio de garotas em trajes sumários parava ao nosso lado. Uma delas chamou Thomas, mas ele nem sequer deu atenção e fingiu não ouvir. Thomas correu para a loja de conveniências e demorou alguns minutos ali dentro. Eu tentava conter minha ânsia em ir atrás dele e descobrir o que estava fazendo. Antes que eu pudesse executar meus planos, Thomas saiu da loja com uma sacola cheia de guloseimas. Pelo brilho prateado que aparecia, eu só poderia supor que era um grande saco de salgadinhos, daqueles bem carregados de condimentos. Quando voltou para o carro, antes de ligar o motor, me puxou para um beijo. Com uma mão grudada em minha nuca, Thomas quis reforçar suas intenções. Acredito que deu certo. Eu estava nas nuvens agora. - Vamos para a estrada, baby! Arregalei os olhos em choque. - O quê? - Relaxa. É aqui perto, mas vamos pegar a I-52 de todo jeito... Resolvi em uma batalha mental, entre o lado racional e o emocional, que deixaria que Thomas guiasse aquele dia e que aproveitaria ao máximo. Antes que o carro saísse para a estrada, Thomas me passou uma garrafa de suco de laranja e mais
dois comprimidos. Eu estava suspeitando que o garoto queria me tornar uma viciada em Tylenol. - Beba isso e engula essas preciosidades, Rain - ele disse calmamente. - E sem fazer drama. Ou vou colocar na minha boca e fazer você engolir de um jeito muito mais interessante... Senti meu rosto corar com a insinuação do beijo erótico que ele propunha. - É assim que se brinca de médico? - perguntei enquanto bebia o suco.Sua risada encheu o carro. - Adoro o fato de você ser tão inocente e sagaz ao mesmo tempo, baby. Liguei o rádio e uma melodia suave tomou conta do ambiente. Estávamos em um silêncio confortável. Em um dado momento, quando minha cabeça pesou e me apoiei no encosto do banco, contemplando a paisagem que era apenas um borrão do lado de fora da janela, Thomas segurou uma das minhas mãos e a manteve apoiada em sua coxa. Ele cantarolava em algumas músicas, assoviava em outras. Ou simplesmente xingava quando a canção era ridícula, em sua opinião, claro. - Essa música é um lixo. - Eu gosto de One Direction. - Eles são ridículos. - Eu não acho. - Você pode bater boca comigo à vontade, meu bem. Mas para mim eles não valem um tostão. - A Billboard diz o contrário, engraçadinho - argumentei. - Ridículos - ele disse em um tom de nojo.- Eu acho o Harry muito gato - falei e ganhei um beliscão. - Ai! Isso dói! Vamos somar mais um roxo à coleção que Rainbow já tem? Eeeeeba! - Nunca mais fale uma asneira dessas ao meu lado. - Thomas fingiu irritação. Comecei a rir do disparate. - Você está com ciúmes de um cara absolutamente inalcançável? Thomas fez um bufo irritado. - Ridículos. Bati em seu braço e ganhei uma olhada irritada. - Você está com ciúmes! - Comecei a rir com mais vontade.- Okay. Admito. Não gosto de ver você babando pelos caras. - Pelo cara, no singular. Eu só gosto do Harry. Recebi outro beliscão. - Para com isso! Eu vou ficar roxa por sua causa! Ou melhor, mais roxa. Cara, você não conseguiu contabilizar a quantidade de cores que tenho no meu corpo agora, mas te digo que quase faço jus ao meu nome. Sou praticamente uma paleta de cores. Posso dizer que tenho tatuagens até! Thomas me deu uma olhada estranha e percebi que o episódio da noite anterior voltou à sua mente. Tentei voltar ao clima ameno que compartilhávamos antes. - Deixe a música, por favor. Eu amo essa letra. - Isso é tortura psicológica, Rain. - Finja que não está ouvindo nada. - É difícil quando meus ouvidos estão praticamente sangrando - ele falou, emburrado. Depois de mais alguns minutos de discussão sobre música, o sono acabou me vencendo. Já passava do meio-dia, mas eu nem ao menos sentia fome. Encostei o rosto no encosto do banco e adormeci. Quando acordei, sem nem ao menos saber por quantos minutos estive fora, percebi que um casaco me cobria. Thomas tamborilava uma canção que tocava no rádio. Quando me mexi no banco tentando levantar, ele olhou em minha direção. Seus olhos estavam brilhantes e cheios de entusiasmo. - Quanto tempo eu dormi? - perguntei, me sentindo a pior das namoradas. Ele havia me tirado de casa para um passeio e eu simplesmente adormeci. Mas eu sempre poderia culpar as "drogas", não é mesmo? - Menos de uma hora. - Uau. - Olhei em volta para tentar identificar onde estávamos. - Onde estamos? - Quase lá. Tentei evitar meu olhar assassino, mas foi impossível. Thomas apenas riu. - E onde seria esse quase lá? - Você sabe que se eu lhe contar deixa de ser uma surpresa, certo? - Sua mão acariciou suavemente minha coxa. - Por que não pega alguma coisa para comer ou beber? Peguei a sacola que estava no banco de trás e saí em busca de algo para passar o tempo. Que esse tempo fosse comendo besteira, tudo bem. Apanhei um pacote de batata frita e uma soda. - Quer alguma coisa? - perguntei solícita. - Desde que você coloque na minha boca... Bufei da gracinha, mas cumpri meu papel adequadamente. Enquanto eu colocava uma batata em minha boca, Thomas requeria ao menos duas na dele. E sempre acompanhava com uma mordida nos meus dedos. Por mais que eu tentasse ser rápida, ele sempre conseguia me morder. O que só arrancava risadas minhas. Em momentos como aquele, eu pensava que alguém provavelmente tinha feito uma abdução do meu corpo, algo como aliens de um planeta distante, ou simplesmente uma lobotomia tinha sido - realizada durante meu sono, porque eu me desconhecia em meus comportamentos habituais. Pequenas brincadeiras roubadas, risos espontâneos, a despreocupação com a forma como eu devia agir em torno das pessoas. Thomas Reynard havia mudado tudo aquilo em questão de alguns meses. E eu não poderia dizer que sentia falta da minha antiga "eu". A nova Rainbow estava muito mais feliz e segura de qualquer coisa que quisesse fazer ou realizar. Era até engraçada toda a situação, porque com todo o drama a respeito da viagem de meus pais, a nova realidade com que eu e meus irmãos tínhamos de lidar, completamente sozinhos... até mesmo aquela transição estava sendo tranquila, já que Thomas revoava ao meu redor e tirava meus pensamentos de toda aquela merda. Eu tinha de admitir, porém, que as mudanças, mesmo que bem-vindas e necessárias para que eu saísse da minha concha interior, ainda eram estranhas para mim. - Thomas? - Sim, baby? - Ele olhou para mim e segurou meus dedos entre os seus, depositando beijinhos suaves. - Quem poderia imaginar que você fosse essa pessoa tão... tão... - Eu não conseguia encontrar a palavra ideal. - Tão? - Persistente e... tão cheia de surpresas - eu disse. Meus olhos não podiam se afastar de seu perfil. - Persistente? - Sua sobrancelha arqueou em minha direção. - Sim. - Sentei meio de lado no banco para que pudesse olhar diretamente para ele. - Olha, sei que não sou a pessoa mais fácil de lidar. Na verdade, em todas as escolas que frequentei ao longo dos últimos anos, praticamente não fiz questão de estabelecer nenhum tipo de amizade ou relação mais íntima com ninguém. Percebi que ele prestava atenção ao meu discurso. Eu estava ficando nervosa, porque queria que ele entendesse que realmente podia sentir as mudanças nem tão sutis que ele operava na minha vida. - Nunca olhei mais de duas vezes para um garoto ou deixei que qualquer um se aproximasse muito... - Espera... nesse meio-tempo tenho certeza de que algum garoto deve ter tentado se aproximar, Rain. Não adianta me fazer acreditar no contrário, porque não engulo essa. - Thomas riu. - Eu cheguei a ficar com dois garotos. Ele me olhou atravessado. - Você perguntou. - Me defendi de seu olhar. - Não perguntei nada. - Você acabou de perguntar! Estou apenas dizendo que, em um momento ou outro, algum garoto tentava se aproximar, mas o máximo que me permiti foi dar um beijo em um e no outro. E claro, some a isto um ambiente festivo e um pouco de pressão dos meus pais. Um deles era um vizinho e minha mãe perturbou mais de um mês para que eu desse uma chance ao garoto. - Olhei para a janela tentando me recordar. - Dominic. Era o nome dele. Acabei aceitando ir a uma festinha com ele e deixei que ele me desse um beijo. E sabe o quê?Thomas parecia irritado, mas ouvia atentamente. - Não senti absolutamente nada. - Nada? - Seu tom de voz deixava transparecer sua satisfação. - Nada. Eu cheguei a pensar que as pessoas superestimavam muito a expectativa de beijos trocados e tudo mais. A teoria das mãos dadas em uma tarde ensolarada num parque... - Suspirei. - Pensei que o problema fosse com eles, quando na verdade o problema era comigo. - Não, Rain. O problema nunca foi você. O problema é que eles
nunca souberam chegar em você. Esse foi o azar deles e a minha sorte. - Thomas piscou desavergonhadamente para mim. - Eu sou muito fantástico. Revirei os olhos e ganhei um beliscão na bochecha. Ainda bem que ele escolheu a bochecha do lado oposto ao hematoma lindo que eu ostentava. - Você fica uma gracinha revirando esses olhos para mim, sabia? - Você é completamente louco, sabia? - retruquei. - Como uma pessoa pode revirar os olhos e ainda assim parecer uma gracinha? - Não sei. Só sei que em você é fascinante - ele disse. - É bom conseguir tirar você do sério. Ri e observei as placas indicativas. - Thomas! Nós estamos chegando em outro estado! Você é louco? - Você já me perguntou isso e eu respondi que não. Não sou louco. Sou apenas entusiasmado demais com a oportunidade de passar um dia fantástico com minha namorada nerd. Olhei irritada. - E o que poderia ser um dia tão fantasticamente nerd em seu conceito? - Vamos passar o dia em uma reserva florestal.- O quê? O que há de nerd nisso? - Ri de sua ideia. - Você vai ver. Em dez minutos chegamos ao lugar de que Thomas falava. Abri a boca completamente chocada. Estávamos em uma reserva indígena, cerca de quase duas horas longe de casa. Thomas segurou minha mão e saiu praticamente me arrastando pelo lugar depois de trancar o carro. Se havia uma coisa que eu amava com toda a minha alma era história. Meu sorriso estava congelado no rosto, porque, com certeza, aquele seria um dia memorável. Esqueci a dor no corpo, a leseira que o remédio havia dado, esqueci tudo aquilo. Resolvi me concentrar apenas na expectativa de um dia fantástico, ao lado de um garoto simplesmente arrebatador, que chegou à minha vida como um furacão devastador.

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