Acordei no dia seguinte com uma tremenda enxaqueca. Estudei até de madrugada e depois engatei em um livro superdenso de literatura. O resultado disso? Poucas horas de sono e uma baita "ressaca". Consegui ajeitar meu visual no espelho e desci para o café da manhã. Todos já estavam à mesa. - Percebi que ficou até tarde acordada, Srta. Rain - minha mãe reclamou, enquanto sacudia a espátula na mão.- Daí as olheiras assustadoras... - disse Sunny com a boca cheia de pão de canela. - Mãe, vou demorar um pouco esta tarde - Storm disse. - Tenho treino e logo depois uma festinha com a equipe. - Não é muito cedo para se enturmar com festinhas, Storm? - perguntei sentando-me à mesa e me concentrando em não morrer ali mesmo. Mal conseguia abrir os olhos, tamanha a dor martelando meu cérebro. - Claro que não, Rain. Você é que é quadrada mesmo - ele disse e piscou o olho de forma marota.Ignorei o comentário, porque eu sabia que era a mais pura verdade. - Acho que você poderia me convidar para esta festinha, Storm - Sunny sorriu placidamente. Ali havia um plano. - O quê? - ele falou chocado. - Claro que não! - Pois eu acho uma ideia excelente, Torm - a mãe disse. - Dessa forma, você consegue que suas irmãs se enturmem também. - Mãe! - ele quase gritou. - Também acho isso, filho.Meu pai entrou no assunto, largando sua xícara de chá. - Seria maravilhoso. Sunny e Rain podem ficar mais à vontade na escola. Quase deixei meu pãozinho cair na caneca de leite. O quê? Eu? Por que raios meu nome foi parar naquela conversa? - Paaai... - falei, tossindo. - Eu não entro nessa equação... - Rain, deixe de besteira - nossa mãe disse. - Você vai também. Chega dessa seriedade que ostenta. Abri a boca. Ainda bem que eu já havia engolido a comida.- Mãe... - usei meu tom mais desesperado, mas não obtive resultado. A fisionomia dela continuava impassível. - É isso, Storm. - Ela apontou o dedo para ele. - Ou leva suas irmãs a este evento social ou você também não irá. - O quê? - nós três gritamos juntos. Aquela era a pior espécie de chantagem. Uma chantagem cruel e hedionda. Ao menos eu achava, em meu estado de dor aguda. - Está decidido - nosso pai deu o veredito final.- Mas, mãe... - Storm ainda tentou argumentar em favor de sua causa. - Sem mas. Vai levar suas irmãs. Sunny quase sambou na cadeira, tamanha era sua felicidade. O quarterback estava frito. Ela caçaria o cara até o fim do mundo. Eu? Estava ferrada. Por acaso já disse que odiava festas ou qualquer tipo de evento social que me obrigasse a trocar palavras com outras pessoas? Por acaso já disse que odiava multidões, onde meu espaço pessoal poderia ser invadido facilmente? - Vou subir e trocar a roupa por uma mais cool! - Sunny gritou. - Você deveria fazer o mesmo, Rain. Ou pelo menos passar uma maquiagem. - Tem noção de que horas são, Sunny? - perguntei. - Sim. Hora de ficar gatíssima! Bufei em total desgosto. Minha irmã era totalmente desmiolada. Não adiantava ela ser poucos meses mais nova que eu. Sim. Meus pais não esperaram nem ao menos o período de resguardo adequado para procriar novamente. Daí o fato de sermos irmãos engatados. Quase trigêmeos. Eu poderia bem dizer que eu era a mais velha dos gêmeos... tipo por... quase um ano.Quando a hora de sair para a escola chegou, eu estava completamente passada. Não conseguia acreditar que meus pais me obrigaram a comparecer a uma festa de escola. Enquanto Sunny delirava, eu sofria em segredo. Mal havia feito uma amiga e já estava badalando. Exatamente no meio do grupo das pessoas que eu mais detestava. Storm estava vivendo uma tempestade parecida em seu interior. Ele não queria suas irmãs por perto. Isso era claro como cristal. Provavelmente para agitar sem culpa. A raiva de Storm fazia jus ao nome que ele carregava. Já Sunny ostentava um sorriso brilhante e sem-vergonha naquela cara. Já eu... não fazia ideia da razão de levar um nome tão colorido quando eu estava me sentindo completamente cinzenta por dentro. Exatamente naquele dia, meu pai havia liberado meu carro, então segui em silêncio, o que só tornou tudo muito pior. Storm pegou sua bicicleta e sequer se despediu antes de sumir de casa. Quando chegamos à escola, eu mais parecia um ser autômato. Andando sem rumo, apenas em busca do refúgio sagrado do saber. Pense em uma pessoa louca de sono e irritada de raiva. Como meus pais odiavam o mundo capitalista e os remédios alopáticos, eu havia apenas tomado um chá esquisito que minha mãe fez, de alguma planta mais esquisita ainda. Mas nem assim minha enxaqueca deu adeus. Para minha total alegria, naquele exato dia eu teria aula de Educação Física. Quando cheguei ao ginásio, meu choque foi humildemente disfarçado por um bocejo. As meninas estavam totalmente equipadas em seus trajes sumários para a aula de futebol. Pelos raios cósmicos... Para não gritar de ódio, eu ainda tinha de deglutir a informação de que teria de ser a goleira. Suspirei e pedi forças aos céus. Eu precisaria, para sobreviver. Enquanto me dirigia para o local do sacrifício, a trave do gol, fui interrompida pelo som do meu nome sendo chamado. - Ei, Rainbow! Virei e vi o babaca do Jason acenando em conjunto com seus amigos enfadonhos iguais a ele. Segurei a vontade sobrenatural de erguer meu dedo médio. O garoto estúpido estava conseguindo tirar o melhor de mim. O professor de Educação Física,que mais parecia um ancião pedindo a gritos por sua aposentadoria, me chamou no canto. - Querida, você sabe o que deve fazer? - Claro que sim, professor - respondi, amenizando meu sarcasmo. - Evitar que qualquer coisa passe por aqui. Ele riu e bateu a mão nas minhas costas. - Boa menina - falou e foi para o meio do ginásio. - Que comecem os jogos! Pense se não me vi em Jogos Vorazes. Infelizmente, eu não era marrenta como a protagonista para alvejar todos os panacas que entravam no meu caminho. Lá vinha a merda da bola! Logo na minha direção. Disputada por duas garotas loiras e que mais pareciam estar fazendo um comercial esportivo. Quando a maldita foi arremessada na direção do meu rosto, só tive tempo para desviar e proteger meu nariz, com os braços erguidos. Com esta manobra lindamente executada, consegui impedir que a bola desgraçada entrasse no meu local sagrado. Bem como evitei que meu nariz sofresse uma fratura múltipla. Claro que fui ovacionada pelo meu time. Que eu mal conseguia identificar. Era fácil estar no gol. Eu deveria simplesmente impedir que a bola branca passasse por mim. Beleza. Na última jogada, porém, levei uma trombada tão forte da atacante, que fez jus a este nome, já que ela realmente me atacou, e caí de lado na quadra. Senti uma dor absurda nas costelas, mas levantei a mão alegando que estava bem, enquanto o professor apitava como um juiz feroz. - Isso foi falta grave, Tiffany! - ele disse. - Você está bem, querida? Sim. Claro. Eu estava ótima. Teria um mapa de roxos na minha lateral, mas quem ligava para este detalhe tão pequeno? A garota Tiffany me ajudou a levantar, não sem antes me dar uma olhada enviesada. - Fica esperta, garota novata. Okay. Aquele era uma espécie de alerta importante. Do qual eu não fazia a menor ideia do que se tratava. No vestiário, fui mais rápida do que todos para que pudesse sair logo dali. Aquela nuvem de vapor de chuveiro poderia intoxicar qualquer pessoa, já que vinha carregada com essências dos mais variados tipos de loções de banho. Reconheci ao menos duas, da Victoria's Secret, já que Sunshine empesteava o banheiro com as referidas essências. Quando consegui me refugiar na sala de Biologia, sentei e abaixei a cabeça entre os braços. Nem sei se cheguei a fazer uma primeira inspiração, e já recebi uma cutucada sutil nas costelas. É desnecessário dizer que quase pulei da cadeira. Eu só não conseguia classificar se meu pulo seria pela dor aguda nas costelas judiadas da aula, ou por cócegas indiscretas. - Olá, nerd - o punk disse. Eu estava irritada agora.- Okay, garoto punk - falei, soprando minha franja para longe. - Vamos manter as regras das boas maneiras e nos chamar pelos nomes originais? Ele acenou em concordância. Um sorriso satisfeito nos lábios. - Olá, Rainbow. - E aí, Thomas. Pronto. Um diálogo fácil e muito eficaz. Agora se ele só pudesse sumir dali seria maravilhoso. - Vi você jogando futebol hoje. Olhei para ele e ergui a sobrancelha.- Jogando, não. Eu era simplesmente a goleira. - Fiz questão de menosprezar minha participação ridícula no time. - Cara, o goleiro é um componente importante na equipe - ele disse e me deu uma piscada. - Veja bem, aquela defesa ninja que você fez com os braços foi épica. Eu tive de rir. - É mesmo. Deve ter sido linda para ser apreciada. - Você não faz ideia.Deixei o comentário morrer ali. Tive uma leve suspeita de que Thomas só sentou ao meu lado para que pudesse ser colocado em dupla comigo novamente. E obviamente o professor não quis correr riscos de uma debandada geral dos alunos, fazendo com que lugares fossem mudados. Logo, lá estava eu. De dupla com o garoto punk. Ops... Meu deslize. Thomas. Depois de alguns minutos de explanação do conteúdo sacal, o professor nos passou exercícios para serem resolvidos e entregues ao final da aula. Eu achava muito sutil aquela tática de ficar sentado à mesa, checando e-mails pelo celular, enquanto os alunos tentavam demonstrar que absorveram a matéria dada. Ou não dada. - Rainbow. Thomas ficava falando meu nome como se estivesse tentando adivinhar algum fonema interessante ali. - Você gosta do seu nome? - ele perguntou repentinamente. Dei um olhar altamente congelante antes de responder. - Que raio de pergunta é essa? - Uma pergunta muito simples
- ele respondeu e mexeu na ponta do meu cabelo. Puxei a cabeça rapidamente de seu alcance e o olhei com cara feia. - Há controvérsias sobre eu gostar ou não do meu nome, Thomas. - Por quê? Respirei fundo e contei até dez em italiano. Parei a contagem no número seis, já que havia esquecido como se pronunciava o sete. - Porque meu nome é, estranhamente, um substantivo aplicado a um evento natural. Não está sequer na lista de nomes mais dados às crianças. E por que isso? Porque meus pais acham os fenômenos naturais muito mais interessantes do que nomes tipicamente americanos. Então, ser associado a um arco-íris, ou o brilho do sol, ou tempestades de trovões épicas, como acontece com meus irmãos, é algo muito emocionante para nós - falei sarcasticamente e voltei a atenção para meu caderno outra vez. - Respondi sua pergunta? Quando ergui a cabeça novamente, seu olhar era intenso e contemplativo. - Uau. Você falou mais palavras comigo do que me lembro de já ter ouvido dedicar aos outros alunos - ele disse e ergueu a sobrancelha.- Como assim? - Olha, você é nova aqui. Até aí, tudo bem. Sua chegada trouxe um frescor bacana à escola e certa curiosidade sobre você - ele falou e eu apenas fiquei esperando que pérola de sabedoria sairia dali. - Porém, desde que chegou, não foram muitas as pessoas que conseguiram realmente se aproximar. Você simplesmente as isola. - O quê? - Ri sem achar graça alguma. Eu fazia aquilo realmente, e daí? - Não quero me intrometer, mas você deveria ser mais expansiva com novas possibilidades de amizade, sabe? - Sério? Já foi aluno novato em alguma escola, Thomas? -perguntei, contendo minha irritação. - Não. - Ótimo. Então, estudou sua vida inteira aqui? - Yeap. - Maravilhoso - eu disse e soprei a franja. - Então não faz ideia do que é estar no foco dos alunos veteranos na escola, como se estivesse sob a lente de um microscópio gigante, sendo avaliada, julgada, ou o que mais os alunos gostam de falar quando entra alguém novo em seu mundinho fechado. Thomas ergueu as mãos em pedido de desculpas.- Uou! Calma, tigresa! Não falei nada para ofender. - Sei que não - eu disse cansada. - Mas é realmente muito chato ser o centro das atenções quando este nunca foi ou será seu objetivo de vida. Odeio os olhares e cochichos, entende? - Até mesmo eu me surpreendi com a admissão. - Bom, eles só te afetam se você se importar com o que dizem de você. E, honestamente, te acho uma garota tão segura que não deveria sequer dar um pingo de atenção ao que os outros acham ou deixam de achar de você. Uau. Aquela também foi a sentença mais longa proferida por ele. - Certo. É muito mais fácil falar do que fazer ou sentir - desabafei. Não entendia, mas Thomas conseguia fazer com que eu abrisse a boca e soltasse o verbo. - Veja minha irmã, por exemplo, ela adora mudar de escola. Adora ser a garota novata, chamar a atenção para si. Ela faz amizades com uma facilidade invejável. O mesmo para meu irmão. Porém, eu não sou assim. Infelizmente. - Mas bem que poderia aprender a ser mais despojada dessas coisas da vida.- Como assim? - Ora, se você mesma afirma que muda de cidade constantemente, poderia exercitar alguma prática para enfrentar essa dificuldade que tem. Uau. O garoto era o que agora? O Dr. Phil? - Alunos adoráveis, espero que vocês estejam se empenhando em cumprir o questionário - o professor nos interrompeu. Ao menos, não éramos só nós dois que estávamos envolvidos em uma conversa firme e improdutiva na sala de aula. Olhei para Thomas, que ainda não tinha desprendido o olhar de mim.- Vou analisar seu sábio conselho - eu disse sem ironia, e quis dizer aquilo mesmo. Talvez fosse preciso que um aluno punk tivesse tido a coragem de chegar e me falar o que meus pais sempre tentaram me fazer entender. A dificuldade em me adaptar estava exatamente em mim mesma. Eu culpava o mundo, quando, na verdade, deveria fazer uma autoavaliação e ver se conseguiria encontrar uma forma de ser alguém mais fácil de conviver. Minha dificuldade em fazer novos amigos poderia, sim, estar associada ao hábito constante de mudanças a que nossos pais nos obrigaram desde crianças. Eu provavelmente havia feito um escudo à minha volta, fazendo com que as pessoas se mantivessem distantes; dessa forma, quando eu precisasse mudar de cidade de novo, não haveria sofrimento e muito menos ranger de dentes. Seria fácil descartar os colegas de escola, tal qual descartamos um guardanapo. Mas este era meu conceito. Minha visão das coisas. Embora tivesse feito disso uma prática constante em minha vida, agora era hora de evoluir um pouco mais. Em breve, eu estaria em uma universidade, por conta própria, ou teria um trabalho qualquer e, por mais que eu quisesse, não havia a menor possibilidade de passar por estas etapas sem conviver socialmente com as pessoas. Apenas precisava descobrir como derrubar o muro que construí à minha volta.Thomas
A garota novata, Rainbow Walker, estava mexendo com a minha cabeça. Não sei dizer a razão para estar tão fascinado, ou quando precisamente aconteceu, mas lá estava eu. Completamente encantado em tentar entender aquela cabeça tão diferente das garotas da escola. Ela era linda, e o mais engraçado de tudo era que parecia não se dar conta disso. As meninas cochichavam entre si, roídas de puro ciúme, sobre o quão diferente ela era. Ouvi Tiffany, em seu tom mais invejoso possível, ridicularizar o nome tão incomum, e quase parti em sua defesa. Rainbow era uma garota séria e completamente alheia ao fato de que todos ao seu redor queriam uma parcela de sua amizade. Eu, ao menos. Há muito tempo não ficava tão interessado em uma garota assim. Daquela forma que me fazia correr quando uma aula acabava, apenas para garantir que conseguiria um lugar ao seu lado em nossas aulas compartilhadas.Cheguei a me arrepender amargamente por não ter escolhido as mesmas matérias que ela, mas agora era tarde. Teria de usufruir de sua companhia apenas quando pudesse. Não sei por quê, mas estava empenhado em quebrar aquela redoma de vidro que ela havia colocado ao seu redor. Era certo, como a Terra é redonda, que aquela garota guardava dentro de si as coisas mais especiais possíveis, mas permitia a poucas pessoas terem um vislumbre disso. Honestamente? Eu estava ardendo de ansiedade para ser um dos poucos escolhidos.

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Rainbow
Teen FictionRainbow" Walker sempre se sentiu diferente das garotas da sua idade. Com um nome peculiar e uma família estranha, ela nunca conseguiu estabelecer vínculos ou manter muitas amizades. Agora, em uma nova cidade, ela terá de se adaptar a uma nova escola...