Capítulo 20

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Quando o jogo daquela noite acabou, eu poderia jurar que estava exausta quase tanto quanto os jogadores. Claro que aquilo era um exagero, mas minha exaustão era emocional ao invés de física. Todas as vezes que Thomas passava perto da arquibancada onde eu estava, ele dava um jeito de me cumprimentar, mesmo que de maneira sutil. Um sorriso, uma piscada, um assovio baixo. O Westwood venceu a partida de maneira apertada, mas o touchdown final, passado em um passe perfeito de Thomas para Mike, o receptor talentoso do time, e que eu descobri ser o objeto de desejo de Sunny, garantiu os pontos necessários para que saíssem vitoriosos. Quando Thomas passou para o vestiário, me pediu que o aguardasse ali mesmo onde eu estava. Sunny já havia encontrado um meio de escapulir com Tayllie e, se eu não estivesse enganada, aquelas duas provavelmente deviam estar assediando os pobres jogadores nos arredores do vestiário. Embora fosse terminantemente proibida a entrada de pessoal não autorizado naquela área, ainda assim eu podia ver que várias meninas eram destemidas em tentar furar a barreira que os seguranças do local ofereciam. Eu só esperava que Sunny não estivesse ali no meio. As marias-chuteiras eram destemidas. Era impressionante o que essas garotas eram capazes de fazer só para chegar perto dos garotos, que mesmo suados e sujos do jogo, ainda assim exalavam uma onda poderosa de feromônios. Eu estava recostada na cadeira quando ouvi a pequena confusão um pouco abaixo. Claro que a curiosidade foi maior e fez com que eu espiasse. Thomas estava cercado de três líderes de torcida, incluindo Tiffany, que alisava seu braço de maneira despudorada. - Eu não gostaria de ser grosso com vocês, garotas, mas será que poderiam sair da minha frente? - Seu tom de voz era irritado. Ele ainda vestia o uniforme sujo do jogo. Estava sem a armação de ombros e todo o aparato que usava para proteção, e eu só poderia alegar que, mesmo imundo de terra e grama, ele estava sexy pra caralho. - Ah, Thomas... não faça assim... - A voz ranhosa de Tiffany quase perfurou meus ouvidos. Afundei as unhas em minhas palmas. Era o único modo de controlar meu impulso assustador de arranhar aquela carinha sonsa. - Tiff... - Quando ouvi a abreviação irritante do nome dela, saindo da boca de Thomas, senti a onda de ódio fazer com que eu me levantasse da cadeira. Thomas disse que eu precisava sentir mais. Me abrir mais e permitir que as emoções percorressem minha vida. Aquilo era assustador porque as mesmas emoções que se entranhavam dentro de mim naquele momento não eram nem um pouco agradáveis. Eu era muito fechada, certo? Abrir aquela torrente de sentimentos poderia dar vazão a toda espécie de reações. Ciúmes mesclados à raiva fizeram com que eu simplesmente virasse as costas e saísse pelo outro lado da arquibancada. Marchei com um propósito em vista. Fugir como a covarde que eu era. Yeap. Eu estava me sentindo um rato no momento. Fugir não era a solução que a nova Rainbow teria. Ela enfrentaria a situação numa boa. Ficaria ali na cadeira, esperando o namorado livrar-se das assanhadas de plantão, talvez bebendo seu refrigerante quente, ou talvez até mesmo lixando as unhas. Até podia ver a cena. Uma perna acima do alambrado, em uma pose despretensiosa e atrevida ao mesmo tempo. Quando ele despontasse em minha direção, eu me levantaria calmamente e o abraçaria, parabenizando-o pelo jogo árduo. Um beijo selaria o encontro, e a imagem das unhas de Tiffany, percorrendo os bíceps de Thomas, ficaria desvanecida no tempo. Apenas uma memória granulada, ruim... com baixa definição e pixels de menos. Infelizmente, não era assim que minha cabeça funcionava. Eu estava em busca do meu novo eu, mas uma mudança brusca e imediata era o mesmo que falar que alguém fez uma lobotomia no meu cérebro. Ou que eu tivesse sido abduzida por aliens. O meu antigo eu, ou o eu ao qual estava acostumada, se aconchegaria na insegurança e na placidez que somente uma concha era capaz de proporcionar. Então, mesmo com as roupas divergentes da pessoa a qual eu me habituara a ser, nada conseguiu impedir que me retirasse rapidamente em direção ao meu carro. Creio que corri alguns passos, na tentativa de fugir de um possível confronto. Quando estava chegando ao carro, senti um puxão brusco no cotovelo, o que fez com meu corpo todo girasse 180 graus. Eu estava encarando os olhos tempestuosos de Thomas naquele exato momento. - Eu te chamei inúmeras vezes e você simplesmente fingiu que não ouviu? - Seu tom era irritado. Fúria fervia a fogo brando dentro de mim. - Eu estava distraída. - E o pior era que não estava mentindo. Minha raiva, além de me deixar cega, ainda tampou completamente meus ouvidos. - Desculpa. Espera... eu estava pedindo desculpas pelo que mesmo? - Tenho que acordar cedo amanhã e me lembrei que... tenho... que terminar alguma coisa em casa... - Encontrar desculpas estava difícil com aqueles olhos intensamente focados em mim e na minha tentativa frustrada de sair de fininho. - Rainbow - Thomas falou e o tom condescendente me irritou mais que o normal. - Mentir não é uma coisa que você consegue fazer bem, sabe? Tentei soltar o braço do seu agarre, mas ele apertou mais ainda. Mesmo que delicadamente. Era contraditório isso, mas, mesmo irritado, Thomas ainda conseguia ser gentil. Não percebi que havíamos dado alguns passos e agora eu me encontrava recostada no meu carro. Aquilo estava se tornando um hábito. Eu tinha até medo de olhar e encontrar a forma do meu corpo moldado na lataria. - Thomas, por que você não vai... ãhh... comemorar ou fazer sei lá o que com seu pessoal? - Tentei parecer super-relaxada. - Yaaay! Vocês venceram! Não tem alguma festa de comemoração ou algo assim? Ele largou no chão a mochila que segurava no ombro e agarrou meus braços. - Essa tentativa patética de tentar me afastar só faz com que eu queira me aproximar mais, você entende isso? - Seu tom era irritado, mas carregado com uma paixão visceral. - Isso é doentio, percebe isso? - Tentei devolver a brincadeira na troca de palavras. Quando ele simplesmente me agarrou e me beijou como se eu não tivesse falado absolutamente nada, fechei as mãos em punhos firmes na lateral do corpo, na tentativa vã de não enlaçar aquele pescoço suado. Claro que os lábios de Thomas, me beijando de maneira acintosamente sedutora, impediram que minha resolução em parecer desinteressada vingasse.Meus braços ganharam vida própria e o agarraram na igual medida com que os dele me enlaçavam como tentáculos. Nós dois ficamos um pouco sem fôlego. Talvez não. Certamente nossos cérebros ficaram um pouco desoxigenados. - Ãhhhh... o que você estava dizendo? - ele perguntou. - Eu não estava dizendo absolutamente nada. - Engraçado - ele disse e beijou meu pescoço. - Foi exatamente o que pensei. Como ainda ficamos abraçados e recostados ao carro, os outros alunos que passavam por ali gritavam obscenidades indesejadas. Isso fez com que meu cérebro despertasse para a vida e para o que eu estava propensa a fazer minutos antes. - Opa. Espera... - Tentei me desvencilhar, mas Thomas garantiu que fosse uma tentativa frustrada. - Eu preciso ir para casa. - Antes me diga por que estava fugindo como se estivesse sendo perseguida por morcegos gigantes... Tive de rir da imagem que ele pintou em minha mente.- Eu... eu... - Vamos, Rain - Thomas insistiu. - Você consegue falar a verdade que está entalada aí dentro. Olhei para o outro lado evitando o contato com seus olhos perscrutadores. - Eu pedi que você me esperasse no exato lugar onde te deixei mais cedo - ele disse entre irritado e cansado. - Por que então simplesmente saiu e fugiu pelo outro lado? Respirei fundo. Eu odiava quando era confrontada. - Okay. Olha... eu fiquei irritada, tá? - assumi timidamente. -Não estou acostumada a sentir tantas emoções conflituosas dentro de mim, então simplesmente opto por fugir e me esconder um pouco, assim consigo me acalmar e pensar melhor. - E o que fez com que você ficasse irritada? Bufei com raiva. - Vi você rodeado pelas garotas que deveriam fazer parte do seu círculo de amigos, em vez de uma pessoa completamente reclusa e monástica como eu. Quando disse aquilo, abaixei o rosto tentando esconder meus sentimentos dos olhos conhecedores daquele garoto.Ele ergueu meu queixo com um dedo e esperou que meus olhos se conectassem aos dele. - Você está se referindo à Tiffany e às lacraias que andam com ela? Contive o riso com o apelido extremamente adequado às garotas. Apenas assenti. - Você sabe que eu estava tentando me desvencilhar delas, certo? - Eu sei - disse brava com a minha própria estupidez. - Mas isso não impediu que as unhas da Tiff - debochei do apelido com que ele a chamou mais cedo - fizessem uma análise corporal no seu braço...Thomas começou a rir. - Você está com um puta ciúme, não é? - ele zombou e me apertou tentando me segurar. Eu estava irritada com ele agora. Entre as risadas, ele me beijava e, mesmo que eu tentasse fugir de sua boca, Thomas sempre me alcançava. E claro que cada beijo foi soltando a armadura que tentei colocar de volta em mim. Depois de alguns segundos de resistência fraca e completamente destruída, eu me rendi e me recostei em Thomas. Mesmo que ele estivesse suarento.- Odiei ouvir você chamar a cobra de Tiff... - admiti fracamente. - É só o hábito, Rain. Estudo com a cobra, como você sabiamente a chama, desde o jardim de infância. Esse lance arraigado de amizades era algo muito estranho para mim. - Okay. - Okay? - ele perguntou e olhou diretamente em meus olhos. - Yeap. - Então, agora você pode me dar uma carona até em casa para que eu possa tomar um banho, e depois vamos à festa de comemoração. Vai ser na casa do treinador - ele afirmou como se fosse garantido que eu toparia. - Onde está seu carro? - perguntei desconfiada. - Deixei com Mike exatamente para que você pudesse me dar uma carona... - ele falou e me puxou em seus braços. - Afinal, não seria capaz de deixar seu namorado sozinho e perdido neste estacionamento, né? Olhei para o lado e vi um grupo de garotas assanhadas acenando para outros jogadores que estavam saindo em uma caminhonete de luxo. - Tenho certeza de que você se arranjaria... - tirei sarro, mordida com a merda do ciúme novamente. - Ah... não faça assim, Rain - ele pediu e colocou minha mão em seu coração, coberta pela grande mão dele. - Assim você quebra meu pobre coração... Ri e aceitei que me puxasse novamente contra seu corpo. - Eu me ofereceria para dirigir como um cavaleiro galante, mas estou completamente cansado e judiado - ele disse e pegou a mochila no chão.Abri a porta do lado do passageiro e fiz um gesto como se fosse um chofer. - Queira se acomodar em sua carruagem, galante cavaleiro - brinquei e ganhei um beijo na ponta do nariz. Quando Thomas se sentou no banco, corri para o meu lado e me posicionei à frente do volante. Olhei para o lado e ele estava com a cabeça recostada apenas olhando para mim. - Sabia que seus olhos brilham como os de um gato quando você está brava? - ele perguntou e eu sorri sem graça.- Não. - Então, acredite. É a porra da coisa mais sexy que já vi na vida, mas confesso que não quero ser a razão dessa raiva toda e estar do lado oposto ao seu. - Então não faça por merecer, engraçadinho. Nós dois rimos e seguimos em uma relativa paz até a casa de Thomas. Ainda bem que ele estava convencido de que eu valia a pena e nunca desistia de mim, mesmo que eu dificultasse nossa relação com toda a minha inexperiência. Eu era muito, muito nova naquele lance de relacionamento. Pense em algo inexplicável e você podia visualizar toda a situação em minha mente analítica. Eu me via assim: chegamos à cidade de Westwood havia pouco mais de dois meses. Já nas primeiras semanas, Thomas Reynard fez questão de tentar perfurar meus bloqueios emocionais, como uma doninha pirracenta, em busca de algo escondido. Naquele pouco espaço de tempo que estávamos juntos, eu, que sempre fui - fechada, reclusa, calada e antissocial, acabei me envolvendo com o garoto mais popular da escola, lindo, desejado, espontâneo, irritante e que expunha todas as minhas emoções, na base da pancada seca.E agora eu havia criado uma dependência de estar perto dele. Porque ao seu lado eu me sentia viva,
como há muito tempo não me sentia. Ou como talvez eu nunca tenha me sentido em meus dezessete anos de idade. E era puramente esquisito fazer parte do mesmo grupo de garotas que respondiam aos inúmeros quizzes existentes nestas revistas adolescentes que Sunshine tanto amava. Eu estava completamente envolvida por aquele garoto. Ele conseguia extrair o melhor de mim. E perceber que as doces emoções que ele me provocava estavam me levando a me tornar alguém melhor era maravilhoso.

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