No dia seguinte, eu podia jurar que o tempo estava correndo em uma velocidade vertiginosa. Logo pela manhã o ritmo era frenético. Menos para Storm, claro. Apesar de seu nome denotar uma imagem de algo tempestuoso, ele agia em ritmo de tartaruga. Quando cheguei à cozinha, Sunshine estava revirando os olhos, completamente enojada. Storm mantinha a camiseta erguida em seu abdômen, contemplando seu reflexo na porta da geladeira de aço escovado. - Sério, Torm? Tão cedo? Já tentando nos fazer escorregar nesse sebo todo? - tirei sarro, enquanto pegava uma caneca para preparar meu chocolate quente. - Preciso sempre conferir a quantidade exata de gomos no meu abdômen. - Foi sua resposta. Diga-se de passagem, com a boca cheia de panqueca. - Estou contabilizando um pacote de seis. - Meu Deus, Torm. Você é um poço de nojeira - Sunshine disse sem dó. - Além de falar com a boca cheia, ainda tem que nos obrigar a ver isso... eca. - Garotas... vocês precisam estar adaptadas à perfeição do corpo masculino... - Quando ele percebeu o que falou, sua sobrancelha arqueou-se de maneira arrogante. - Embora eu ache desnecessário que sequer se aproximem dos machos da espécie. São todos criaturas horrendas e nojentas e que querem apenas uma coisa de vocês. Cruzei os braços e esperei a pérola de sabedoria que sairia dali. - E que seria? - Entrar nas suas calcinhas, obviamente. Homens são podres. - Storm? - Sunshine o chamou com a voz doce. - Sim? - Você percebeu que também é homem, certo? Sua risada foi tão efusiva que ele quase cuspiu o restante da comida que ainda guardava na boca. - Porra! Claro! Dê apenas uma olhada nestes músculos excitantes! Nesse tanque de guerra que levo abaixo da camiseta e sem falar... - Cala a boca, Storm! - gritei antes que falasse mais merda. - Meu Deus... você deve ter tomado algum tipo de leite transgênico, sério... - Storm, o que a Sunshine está querendo dizer é que você está denegrindo sua própria estirpe, seu burro. - Não estou denegrindo. Estou sendo honesto. - Nem todos os homens são assim. - Pensei imediatamente em Thomas. - Claro que são, Rain. Homens só pensam com uma cabeça. - Storm, deixa de ser um porco chauvinista! - gritei irritada.- É sério. Vocês mulheres, espera... mulheres no geral, não... apenas vocês, minhas irmãs, deveriam morar em um convento, um asilo de mulheres, algo assim. Nunca pensar em machos e essas paradas, saca? Eu e Sunny olhamos uma para a outra, completamente chocadas com as ideias de Storm. - Cara, você é muito mais maluco do que eu pensava... - Sunny falou, rindo. - Storm, você saudou o sol hoje de manhã? - perguntei desconfiada. - Eu não. Desde que o pai e a mãe vazaram...Não foi preciso completar a sentença. Tarefas que fazíamos simplesmente porque eles nos obrigavam deixaram de fazer sentido. Ainda mais quando elas nos lembravam o estilo de vida que os fizeram se afastar de nós naquele momento. - Por quê? - ele indagou. - Porque possivelmente eu diria que você pegou muito sol na cabeça, ou caiu de cara no chão enquanto mantinha a pose clássica da yoga, ou sei lá... você é muito doido. - Só porque não quero que minhas irmãs se engalfinhem com machos? - perguntou com sinceridade. Seu suspiro exasperado nos disse tudo o que já sabíamos. Storm era ciumento demais. - Eu só não gosto de imaginar outros caras fazendo gracinhas com vocês. Conheço as mentes desses animais. Começamos a rir porque ele mesmo se enquadrou na categoria. - Certo, animal. É hora de irmos para a aula, okay? Sunshine deu um beijo sapecado na bochecha de Storm antes de passar por ele. - Você é uma gracinha com ciúmes, Torm. Mas um convento?Nunca. *** As aulas começaram e se encerraram mais rapidamente, e a escola inteira encontrava-se em um clima festivo por conta do jogo que aconteceria mais tarde. As líderes de torcida estavam mais do que excitadas e o único assunto do qual se falava em toda a escola era em como os meninos ficavam sexy em seus uniformes. Eu nunca tinha assistido a um jogo oficial, então aquela alegria contagiante não percorria meu corpo como eu achava que deveria. Resolvi dar uma chance a toda essa movimentação e desencanar de que algo pudesse dar errado.Quando o último sinal tocou, saí da sala rapidamente e esbarrei em uma parede de músculos com um cheiro muito característico. Thomas. - Opa - falei, brincando. - Desse jeito posso acabar danificando o atleta principal do jogo... Ele me deu um beijo suave nos lábios. - Desse jeito o atleta principal do jogo até ficaria interessado em ser danificado... um esbarrão assim, de encontro a um belo conjunto de curvas... - ele disse e beijou meu pescoço.- Shhhh! - quase gritei e olhei para todos os lados, tentando detectar se alguém presenciara aquele diálogo. - As pessoas podem ouvir! - Deixe que ouçam - ele falou e pousou o braço pesadamente sobre meus ombros, guiando-nos para fora. - Não é segredo algum que você é minha garota. O dia estava realmente bonito do lado de fora da escola. Um belo dia como um prenúncio de um excelente jogo. Era assim que Thomas pensava. Que, se o sol raiasse durante o dia, o jogo seria fantástico. Qual era a lógica desse pensamento, eu não fazia ideia. - Vou para o campo e já ficarei por lá para o jogo - ele disse enquanto me levava para o meu carro. - Fico te esperando exatamente às 17h30, na entrada da arquibancada A, okay? - Okay. Quando chegamos ao estacionamento, Thomas me abraçou e prensou meu corpo contra o carro. Ele apenas me olhou durante um bom tempo, sem falar nada. Eu já podia sentir meu rosto esquentando diante de seu olhar perscrutador. - O que... foi? - perguntei incerta. - Nada - ele disse, e passou as costas da mão suavemente pelo meu rosto. - Estou apenas memorizando seu rosto para me preparar para o jogo. Eu ri do disparate. - E como memorizar meu rosto poderia te ajudar? - Ergui uma sobrancelha, tentando a todo custo não ronronar como um gatinho por conta do carinho que ele me fazia. - Cada vez que eu fechar os olhos, seu rosto estará por trás das minhas pálpebras e vou saber que você estará me assistindo da arquibancada. - Thomas beijou meus lábios suavemente.- E isso vai me fazer querer dar uma surra do caralho naqueles pulhas... - Tão confiante... - falei, rindo. - Você me enche de confiança, Rain - ele disse, sorrindo. - Simples assim. - Por quê? - perguntei, eu realmente estava curiosa. Se eu não sentia confiança em mim mesma, por que outra pessoa sentiria essa mesma confiança de forma tão cega? - Porque eu posso ver aquilo que você teima em não admirar no espelho todos os dias - ele disse, e seu sorriso arrefeceu um pouco. Suas mãos agora englobavam todo meu rosto. - Você não se vê da maneira como eu a vejo... mas pretendo mudar isso. Sorri sem graça, mas aceitei que, se ele acreditava naquilo, então quem seria eu para jogar areia em seu ventilador? - Okay. Faça um bom treino. - Enlacei seu pescoço de maneira espontânea, o que arrancou dele um ofego meio chocado. - No teatro as pessoas dizem "quebre a perna", como uma forma de desejar boa sorte... eu acho que aqui não seria uma boa, né? Ele riu e beijou a ponta do meu nariz. - Não. Mas entendi a referência. - Beijando meus lábios com um pouco mais de seriedade e volúpia, Thomas acabou fazendo com que eu ficasse um pouco tonta. - Te espero lá. Dizendo isso, ele simplesmente se afastou e caminhou de costas, com um sorriso lindo no rosto e uma promessa no olhar. Acenei de maneira tola e completamente fora do meu estilo, mas esperava recuperar as forças nas pernas para entrar no carro e ir para casa. Eu tinha um armário inteiro pela frente para vasculhar e encontrar algo que fosse nada mais nada menos do que perfeito para vestir. Queria ter a certeza de que estava fazendo a coisa certa me dirigindo para encontrar aquela Rainbow que Thomas afirmava enxergar. Cheguei em casa rapidamente e, mesmo que eu tivesse tempo de sobra para tomar um belo banho e me arrumar com calma, meus nervos estavam me corroendo. Quando entrei, Sunny estava na cozinha comendo alguma coisa. - Ei - falei e coloquei a mochila na cadeira. - Ei. Está preparada para o jogo? - ela perguntou e ergueu as sobrancelhas de maneira cômica, para cima e para baixo. - Hein? - Por que será que tenho a impressão de que essa sua pergunta contém algum tipo muito louco de insinuação? - perguntei e abri a geladeira em busca de algo que me refrescasse. - Ah, qual é, Rain! - ela falou e quase saltitou onde estava. - A química entre você e o gostoso do time é tão forte que praticamente incendeia os corredores da escola... Meu rosto ficou quente. - Deixe de exagerar, Sunny. Thomas e eu somos namorados muito discretos. - Querida... discrição aqui não é o problema. Os olhares que vocês trocam quando estão longe um do outro é que dizem que uma fogueira vai se acender em breve... Quase dei um cascudo na minha irmã. Eu não conseguia entender por que seu cérebro funcionava de maneira muito mais leviana do que o meu. - E quando pergunto se você está pronta para o jogo, eu quero dizer "O Jogo". - Muito bem, espertinha - falei e sentei à sua frente. - O único jogo para o qual vou me preparar é o que vai rolar daqui a... - Olhei em meu relógio de pulso. - Uma hora e meia.
- Uhuuu! - Ela bateu palmas comemorando. - Você vai fazer o papel da namorada perfeita e torcer pelo seu queridinho? Revirei os olhos. Os comentários de Sunny podiam irritar até mesmo um santo. - Vou fazer o meu melhor - disse sem muita convicção. Eu não sabia o que poderia esperar de um evento como aquele. - Okay. Então vamos nos preparar para arrasar nesse jogo e deixar bem claro que Thomas Reynard é um cara tomado. - Sunny... Por que eu iria querer isso? - perguntei sem entender.- Porque, minha querida e inocente irmã mais velha, agindo assim você deixará muito claro para aquelas líderes de torcida que seu namorado não está disponível no mercado. Bebi o suco que agora descia com um gosto amargo. Eu odiava qualquer espécie de competição. E uma neste nível era totalmente fora da minha liga. Sunny sacudiu a poeira inexistente em suas mãos e se levantou, como se estivesse se preparando para a guerra. Ela me puxou sem cerimônia alguma e subimos correndo as escadas, rumo a um momento totalmente feminino e cheio de coisinhas com as quais eu estava começando a me habituar. Thomas O treino foi brutal. O treinador não quis dar moleza para ninguém, especialmente porque os resultados nos jogos garantiriam a vaga para as eliminatórias. Depois de executar todas as ordens que o ditador nos deu, fomos enviados para o vestiário com o intuito de descansarmos um pouco, para logo mais nos prepararmos para o jogo. Jason mantinha seus asseclas sempre ao lado, tentando me irritar, mas minha despedida mais cedo de Rainbow e a perspectiva de encontrá-la logo mais, antes do início da partida, me fez um cara calmo e pacífico. Depois de uma ducha, vesti rapidamente minha roupa e fui para o corredor, para o exato lugar onde fiquei de esperar por ela. Recostei-me à parede e deixei minha mente vagar, refletindo sobre a mudança que eu sentia em mim desde que Rainbow entrara na minha vida. Como uma pessoa conseguia mudar outra de maneira tão contundente e de forma tão rápida? E eu me perguntava: será que esta mesma mudança, a que eu sentia no fundo do meu ser, podia também ser sentida por ela? Será que eu poderia estar, finalmente, conseguindo cavar por entre as trincheiras que ela havia feito à sua volta, chegando perto de seu coração? Eu esperava que sim. Minha meta era que a redoma que Rainbow colocara à sua volta fosse gradualmente retirada, de maneira espontânea. Mas se fosse de maneira súbita e intempestiva, também seria benéfico, porque sentimentos passionais tendiam a trazer à tona a veracidade de quem somos por dentro. E Rainbow Walker era um verdadeiro vulcão por dentro. Ele só estava adormecido.

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Rainbow
Fiksi RemajaRainbow" Walker sempre se sentiu diferente das garotas da sua idade. Com um nome peculiar e uma família estranha, ela nunca conseguiu estabelecer vínculos ou manter muitas amizades. Agora, em uma nova cidade, ela terá de se adaptar a uma nova escola...