Dias depois, já em casa, depois de um arroubo de criatividade pós-ociosidade, eu ria sozinha no meu quarto quando Thomas entrou, carregado de sacolas de compras. Levantei o rosto e franzi as sobrancelhas diante da curiosidade em saber o que seria tudo aquilo. Thomas depositou um beijo no topo da minha cabeça e disse: - Por que você está com esse sorriso de Cheshire no rosto? - Meu sorriso se alargou mais ainda diante da recordação do infame gato da Alice, aquela loira do País das Maravilhas.- Fiz um poema maravilhoso. Acredito que possa até mesmo me valer uma entrada em alguma universidade por conta da intensidade do texto, ou talvez até mesmo um prêmio fantástico... - eu disse e peguei o papel em que havia escrito minhas belas palavras. Ajeitei a perna ainda engessada na cadeira à minha frente e aprumei o corpo para que eu pudesse declamar aquela pérola. - Está preparado? Thomas sentou-se bem à minha frente e acenou positivamente com a cabeça. Em seu rosto um belo sorriso desenhado quase tirou minha concentração para o que eu iria fazer. - Não ria, Thomas - alertei antes de tudo. - São palavras que saíram diretamente do meu coração. - Okay - ele disse, já rindo. Dei início, por fim. Oh, bela Cybella... de bela não tens nada, apenas um torpe coração de cadela. Por que carregar tamanha beleza se carregas a alma de Cruela? Tudo isso por conta apenas de uma garota, que se encontrava na dela.Não sei como consegui terminar de ler meu poema sem cair no riso diante de Thomas com a mão na boca, tentando esconder seu choque e o sorriso de escárnio. Quando nos entreolhamos, acabamos caindo na gargalhada, sem poder acreditar que eu conseguia ver humor até mesmo no que poderia ter sido uma tragédia. Era um fato consumado. Eu deveria ser considerada uma das maiores poetisas da atualidade. Dizem que os melhores textos resultam de emoções cruas passadas para um papel. A minha emoção feroz estava ali. Claro que agora eu conseguia encontrar uma forma de rir diante do que a cadela fizera. Mas não deixava de ser verdadeiro o sentimento que eu tinha sempre que pensava na prima de Thomas. Tão linda e perfeita por fora, completamente destruída por dentro. Bom, talvez agora a beleza da criatura minguasse um pouco, diante do fato de que estaria presa por alguns anos ainda. E sua carreira havia ido pelo ralo quando deixou-se guiar pelo ciúme doentio que sentia de Thomas. Uma coisa tenho de confessar: ficamos com medo da louca acabar saindo isenta de qualquer culpa por conta da fama ou por alguma alegação de quadro mental perturbado. Claro que sabíamos que ela tinha realmente um quadro mental perturbado, um transtorno de personalidade ou algo assim. Mas o laudo médico caracterizou que ela estava em sã consciência quando decidiu tentar pôr fim à minha pacata vida. O que me leva à grande e brilhante dedução de tudo em minha vida. Uma pessoa linda, perfeita aos olhos do mundo, dona do que o dinheiro pudesse comprar, não conseguiu vencer os conflitos interiores e passar por cima disso. Era uma pessoa cheia de traumas e problemas tão graves que a levaram a agir de maneira perturbada. Eu, em contrapartida, um ser comum, tranquila, com tão pouco dinheiro que mal podia comprar um McDonald's, em bons tempos, consegui vencer aquilo que me mantinha cativa dos meus sentimentos e enfrentei os medos que me enclausuravam em uma redoma de vidro, me isolando dos sentimentos mais belos do exterior. Deixei de ver o mundo com os olhos de uma revolta intensa, onde tudo era motivo de escárnio ou apto a ser ignorado, e passei a valorizar cada pequena coisa, cada pequena fagulha de sensações que poderiam ser despertadas das mais variadas maneiras. Pisar descalço em um chão frio, em um dia de calor, tocar a pétala de uma rosa, abrir um bombom, beber um gole de água quando se tem sede, sentir a tortura delicada de um beijo doce, transformado em algo curiosamente incandescente... Passei a olhar o mundo com outros olhos. Passei a me enxergar com outros olhos. Porque agora eu conseguia me enxergar como Thomas me via. Agora conseguia valorizar a pessoa que eu era.Descobri, inclusive, que, antes de dedicar meu amor a ele, precisei passar a amar uma pessoa muito mais importante. Eu mesma. Simples assim. Olhei para Thomas, que me contemplava como se estivesse embevecido. Senti meu rosto ficar vermelho. Eu detestava quando alguém me pegava no flagra, em pleno momento de divagação, quando meus pensamentos vagavam ao longe. - Onde sua cabeça está? - ele perguntou. - Estou pensando em como sou feliz por ter você na minha vida.Thomas se levantou e ajoelhou-se à minha frente, beijando uma das minhas mãos. - O que me leva ao assunto pendente... - Que seria? - Minha sobrancelha se ergueu em uma indagação. - Estas sacolas contêm um vestido lindo, um sapato e alguns apetrechos para você ficar mais magnífica do que já é para o nosso baile. Senti meu rosto esquentar. Eu ainda tinha de aprender a lidar com os elogios eloquentes de Thomas.- Você pode me dizer como vou conseguir ir ao baile com esta perna engessada? - Do mesmo jeito que está aí agora. Sentadinha nessa cadeira de rodas. - Ah, não... Thomas... isso é ridículo... o cúmulo do horror adolescente... eu, um baile, o cara mais lindo do baile e... a inaptidão de dançar com esse cara mais lindo do baile. Thomas riu. - E desde quando você dá valor ao que a sociedade pensa? Faça apenas o que você quer. E eu quero. - Thomas beijou minhas bochechas. - E eu quero você lá comigo. Ou não vai fazer sentido algum. Olhei ressabiada para aquele garoto que aquecia meu coração, tal qual o sol aquecia o sistema solar inteiro. - Você tem um poder de convencimento muito bom, Sr. Reynard. Estávamos nos beijando no meu quarto quando ouvimos a porta se abrir lá de baixo. - Alguém em casa? Meu coração quase parou na garganta. Era a voz da minha mãe. Nem sei ao certo quais eram os sentimentos que se formaram em meu peito naquele momento.- E agora? - perguntei assustada. - E agora o quê? Vá ver seus pais, ué. Contar as boas novas, reportar as fofocas. Nós dois rimos porque eu sabia que o humor sarcástico de Thomas estava em pleno andamento. Thomas me pegou no colo e segurei um grito de choque. E dor. Afinal de contas, minhas costelas ainda reclamavam um pouco, dependendo do aperto. - Desculpa, amor. Quando chegamos lá embaixo,Sunshine já estava abraçada aos nossos pais, e Storm continuava recostado na parede da sala, olhando meio desconfiado. - Pai, mãe. - Rain... - O choque nos olhos de nossos pais foi hilário. Para não dizer outra coisa. - O... o que aconteceu? - Então... se vocês tivessem atendido ao celular, teriam sabido que Rainbow foi atropelada por uma louca psicopata, que quase foi para os braços do Criador, mas voltou de uma experiência extracorpórea porque não conseguia ficar longe daquele cara ali, que por sinal é o namorado dela, que por sinal vem dormindo aqui em casa e fazendo as vezes de homem da casa - Storm vomitou as informações, enquanto eu abria a boca em choque. - Embora essa porra de homem da casa seja um golpe muito baixo, já que não há exemplar de macho mais fantástico do que eu, vejam bem. Ali estava meu irmão. Achava que o tinha perdido em algum lugar daquele drama todo. Meus pais olharam de Thomas para mim. Esqueci de falar que Thomas ainda me mantinha em seus braços? Então... - Acho que precisamos ser atualizados de todo o assunto.- Acho que sim, mãe - eu disse, simplesmente. - Mas estou muito feliz que vocês estejam de volta. O sorriso no rosto dos meus pais valeu por todas as lágrimas derramadas pela decepção que eles possam ter nos causado naquele último mês. *** Depois de toda a atualização feita e detalhada, graças a Deus, por Sunshine, me despedi de Thomas, chateada por não poder comparecer ao último jogo do campeonato. O Westwood estava na semifinal, mas dificilmente levaria o título, já que muitas coisas aconteceram ao longo dos meses. A própria ausência de Jason, transferido pelos pais, depois da suspensão dos jogos, fez com que o time sentisse os efeitos, mas Thomas conseguiu levar a equipe até as semifinais, garantindo ainda os convites das universidades em volta. Qual não foi minha surpresa quando Thomas revelou que aceitaria o convite de Princeton, para ingressar no time de futebol americano, fazendo o sonho do pai, já que estava em uma universidade da Ivy League, uma das oito mais prestigiosas do país, e ainda cumpriria o sonho da carreira que sempre tivera.Melhor que isso. Princeton ficava a pouco mais de uma hora e meia de distância de Westwood. O que daria um bom motivo para que ele não se mantivesse longe de casa. Ainda custava admitir que a razão que ele dera era exatamente o fato de não querer ficar longe de mim, enquanto eu ainda não houvesse tomado minha decisão de qual faculdade cursar. Eu não tinha metas estabelecidas de me afastar de casa. Até mesmo porque não sabia quais seriam os próximos passos dos meus pais. E não poderia deixar meus irmãos desprevenidos. Havia algumas opções em Nova Jersey que poderiam ser favoráveis e funcionar na logística familiar Walker. Além de eu permanecer ao alcance de Thomas Reynard. *** A noite seguinte seria exatamente a noite do baile. Thomas ficara de passar em casa depois do jogo, alegando que fugiria da festa logo após, então era para eu deixar meus pais já avisados da dinâmica que acontecia todas as sextas-feiras. Quando, mais tarde, já deitada em minha cama, apenas observando o delicado vestido azul-escuro que Thomas conseguira para mim, ouvi a porta do meu quarto se abrir, meu sorriso foi instantâneo.- Conseguiu escapulir das garras de todas aquelas líderes de torcida? - perguntei brincando, apenas observando Thomas retirar a camiseta e tentando não babar ou me engasgar com a língua. Thomas tirou os tênis e os jogou de qualquer forma no canto do quarto e, quando fez a ameaça de abrir o zíper da calça, minha sobrancelha se ergueu em choque. - Relaxa, mulher. Estou com um short de pijama por baixo. Deus me livre ter que enfrentar a fúria daquela espátula voadora de Storm de novo - ele disse enquanto retirava os jeans e se deitava em minha cama.Comecei a rir, porque a cena realmente foi engraçada. Em uma das vezes que Thomas havia dormido no meu quarto, no meio da madrugada, ele dera um jeito de retirar a calça jeans. Na manhã seguinte, quando abrimos os olhos, quase morremos de susto, já que Storm estava parado diante da minha cama, com uma espátula de fazer panquecas, ameaçando toda a sorte de crimes hediondos contra as partes baixas de Thomas, a menos que sua roupa íntima ainda estivesse posta. Foi preciso que eu levantasse e erguesse o cobertor e mostrasse que Thomas ainda estava devidamente vestido com um short, além do fato de eu ainda vestir meus pijamas mais bem-comportados. - Aquela espátula vai perturbar meus sonhos por muito tempo - Thomas admitiu. Abracei meu namorado perfeito, que me entendia mais do que eu mesma, e apenas me deixei cair nas garras de um sono reparador, já que, no dia seguinte, havia a promessa de um baile inesquecível que marcaria o começo do resto de nossas vidas. epílogo - Pelo amor de Deus, Rain! Decida-se. Ou cabelo preso ou solto - Sunshine falou irritada. - Mas é você a grande conhecedora desses lances de estilo. Como anda a tendência dos bailes agora? - perguntei, enquanto vasculhava o google em meu celular, em busca de informações das it girls. Só não poderia ser de nenhuma Kardashian, pelo amor de Deus. - Bom, o seu vestido é de um azul muito bonito. Você vai estar sentada em uma cadeira de rodas horrenda, eu vou fazer uma maquiagem fantástica... Acho que podemos fazer um estilo meio solto, meio preso... que tal? Revirei os olhos diante da explicação.Sunny. Faça a sua merda aí e pronto. - Era isso o que eu precisava ouvir, maninha. *** Depois de quase uma hora de pura tortura, depilação de um lado só, já que uma perna estava engessada, pinças malditas em minhas sobrancelhas, cremes e toda a sorte de coisas que Sunny alegara ser vital para o grande dia - como se aquele fosse meu casamento, pelo amor de Deus -, eu estava semipronta. Minha mãe entrou no quarto, toda orgulhosa, e sorriu diante do resultado.- Oh, vocês duas estão lindas, mas você, Rainbow... você está espetacular - ela disse de maneira sentimental. - Aquele garoto ali embaixo vai ficar completamente abobalhado. Com a sensação de que um caminhão de flores atropelou sua alma. Rimos da besteira da mamãe. - Mãe, o que tem a ver um caminhão de flores ser o atropelador? - perguntei. - Nada. Mas fica mais romântico. E se a pessoa morrer atropelada, pelo menos as flores do enterro já estarão ali. - Ai, mãe... que horror! - Sunny
falou e rimos as três juntas. Eu senti falta daquilo, daquela camaradagem entre nossa mãe e nós duas. Sabia que aquele tempo em que eles se mantiveram longe foi importante por muitos fatores. Estávamos inclusive preparados para, eventualmente, em um futuro próximo, os dois resolverem se aventurar novamente. - Você prefere que eu chame seu pai, Storm ou seu Thomas para vir buscá-la aqui em cima? - mamãe perguntou. Minha resposta não poderia ser diferente.- Thomas. Quando minha mãe o chamou em meu quarto para me buscar, meu coração estava na boca, batendo acelerado. Eu queria ver sua reação. Estava nervosa e excitada ao mesmo tempo. - Rain? - Thomas chamou do lado de fora. - Entra! Ele entrou no meu quarto, meio incerto, nem sei por quê, já que ele deveria estar mais do que acostumado, afinal, fizera seu ninho ali. Quando seus olhos se conectaram aos meus, senti toda a incerteza se esvair. A admiração e as sensações que Thomas me trazia, de ser amada plenamente pelo que eu era, estavam ali... imperando como coraçõezinhos flutuantes em meu peito. Aqueles olhos verdes tão magnéticos simplesmente me diziam o que eu precisava saber. Que ele me achava bonita da maneira que eu era, do jeitinho que estava. Sentada naquela merda de cadeira de rodas, com uma perna tropegamente engessada e sem poder me dar ao luxo de extravagâncias, já que minhas costelas ainda gritavam de dor. Se é que costelas podiam gritar, claro. - Uau... você está...Comecei a rir porque me lembrei do início. - Diferente. Um sorriso enviesado tomou conta de seus lábios. - Absolutamente maravilhosa e estupendamente linda. Aquele elogio era exatamente para não deixar dúvidas do que ele queria dizer. - Você é a garota mais linda do mundo para mim. Thomas se abaixou e me pegou no colo. Meus olhos ficaram no nível dos seus naquele momento.Nossos lábios estavam tão próximos que nossas respirações podiam ser sentidas um pelo outro. - Eu te amo, Rainbow Walker. - E eu te amo, Thomas Reynard. Nossos lábios se conectaram em um toque sutil e acalentador, apenas uma doce exploração de algo maravilhoso que sabíamos que teríamos pela frente. E foi assim que meu príncipe, mais parecido a um roqueiro sexy juvenil, completamente a estampa de tudo aquilo que eu sempre repudiei, o garoto mais popular da escola, o astro do futebol,simplesmente conquistou meu coração. Sem fazer muito alarde, sem precisar de uma marreta. Ele simplesmente perfurou minha armadura, rachou a proteção que teci ao meu redor e me mostrou que meu mundo não precisava ser cinzento e sem cores. Meu mundo poderia ser tão colorido quanto a paleta de cores que meu nome evocava, ou até mais. Thomas me mostrou que sentimentos são lindos para serem sentidos em sua plenitude e que podemos apreciar todas as gamas de sensações que o mundo pode oferecer, desde as mais simples às mais intensas. Thomas me mostrou o principal durante todo aquele processo. Ele me mostrou a mim mesma. A verdadeira Rainbow. E o que vi foi simplesmente lindo. Foi tão brilhante quanto um belíssimo arco- íris logo após um dia de chuva.fim.
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Rainbow
Teen FictionRainbow" Walker sempre se sentiu diferente das garotas da sua idade. Com um nome peculiar e uma família estranha, ela nunca conseguiu estabelecer vínculos ou manter muitas amizades. Agora, em uma nova cidade, ela terá de se adaptar a uma nova escola...