Capítulo X

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Cristina chegava de um breve intervalo na lanchonete quando foi chamada no quarto de Carlos. Estava incomodado com dores. Assim que recebeu o aviso dirigiu-se até lá.

- Olá Carlos, boa tarde. Posso entrar? - perguntou Cristina.

- Doutora Cristina, por favor, entre. - respondeu ele com uma voz meio embargada.

- Você está só? - quis saber Cristina.

- Sim, Isabel precisou sair, mas já volta. - disse ele.

- O que aconteceu? Está sentindo dores? Você não costuma ter incômodo com dores.

- Meu quadril, minhas pernas, doem bastante. Estava incomodado mais cedo, mas era tolerável, agora está bem forte.

Ela examina as pernas de Carlos, quer saber onde a dor tem mais intensidade. A expressão de dor no rosto de Carlos aumenta mais. Ela pega o celular e liga para Débora, pede que ela faça a requisição da medicação analgésica e antiinflamatória e fica aguardando enquanto conversa com Carlos.

- Você começou a fisioterapia hoje, Carlos? - perguntou ela.

- Sim, hoje. - respondeu Carlos com a voz ainda embargada.

- Bem, suspeito que seja em decorrência do esforço dos exercícios de hoje. Vou te dar um analgésico e antiinflamatório forte. Pode ser que a dor ainda persista por algum tempo. Vou falar com o fisioterapeuta, acho que ele exagerou.

- Não doutora, não diga nada, por favor. A culpa foi minha. Por conta própria fiz repetições além da quantidade que ele pediu.

- Mas por que isso, Carlos?

- Preciso ficar de pé logo, doutora. - respondeu ele.

A enfermeira bate na porta, chega com a medicação requisitada.

- Pedi a medicação injetável, para que faça efeito com mais rapidez. - explica Cristina.

- Ah, sim, obrigado. Estou realmente incomodado com essa dor. - agradeceu ele.

- Carlos, por favor, não faça mais isso. Você só vai conseguir se prejudicar. Ou pior, vai só retardar sua recuperação. - pediu Cristina.

- Desculpe, doutora, eu achei que fosse ajudar… Eu realmente preciso retomar minha vida.

- Você se importa que eu sente ao seu lado? Posso lhe fazer companhia até Isabel voltar?

- Claro que pode, doutora. - respondeu ele.

- Eu sei que gera muita impaciência ficar aqui, ter os movimentos das pernas ainda limitados, mas pensa comigo, há quase dois meses você esteve entre a vida e a morte. E agora aqui está você, vivo, em franca recuperação.

- Agradeço sua preocupação. Foi uma tolice da minha parte… mais uma…

- O que é isso, Carlos, deixe dessa conversa. Há quanto tempo já temos convivido? Você não é uma pessoa tola. Muito pelo contrário, sempre preocupado com seus entes queridos. Dê uma folga a si mesmo. - desabafou Cristina.

- Bom, já que estamos sendo francos um com o outro, eu lhe diria a mesma coisa: dê uma folga a si mesma, doutora.

- Do que você está falando? - perguntou ela com surpresa.

- Exatamente porque temos convivido há um certo tempo, eu estou lhe dizendo isso. Vejo a senhora sempre numa correria, sempre com ar de cansada. Talvez nós dois precisemos ser menos duros conosco mesmos.

Cristina ficou realmente surpresa. Não esperava a resposta de Carlos. Mas não o contestou. Na verdade, baixou a guarda.

- Talvez você tenha razão, Carlos. A gente não se enxerga às vezes. É preciso que alguém nos abra os olhos. - disse ela com franqueza.

- Nossa, pensei que a senhora…

- Não precisa me chamar de senhora. - disse ela sorrindo.

- Pensei que você iria ficar furiosa com minha resposta. Já tinha preparado os ouvidos. - disse ele também sorrindo.

- Você é um camarada que gosta de viver perigosamente. Achou que eu iria ficar furiosa e ainda assim me metralhou com essa resposta. - admirou-se ela.

- Eu sou meio sem filtro. Desculpe-me. Eu vou falando as coisas que me dão na telha. - disse Carlos. - Mas é que, não sei, já que estamos sendo francos, gostaria de dizer que me preocupo em vê-la todos os dias nesse ritmo frenético. Eu também estaria vivendo em um ritmo louco, não fosse o acidente. De certa forma estou tendo tempo de refletir um pouco sobre a vida.

- Podemos concluir então que há males que vem pra bem. - retrucou Cristina.

- Sim. Quais as chances de duas pessoas workaholic como nós dois encontrarmos um ao outro vivendo vidas tão diferentes? Você, uma médica. Eu, um dono de restaurante. Conhecê-la, para mim, foi um grande bem, doutora, acredite.

Carlos sabia que poderia levar um grande fora naquele momento. Mas era um cara corajoso. Apesar de ter se segurado todo esse tempo, sentia que era hora de arriscar. Era algo que ele não temia fazer. Se tinha se segurado todo esse tempo é porque Cristina nunca mostrara nenhuma abertura. Era também porque tinha um enorme respeito e uma enorme admiração por ela. Mas aquela era a hora. Sentia-se como se estivesse novamente na direção do carro de encontro ao muro. Mas já era tarde. Já tinha dado as cartas.

- Para mim também, Carlos, foi um grande bem conhecê-lo. Admiro seu jeito determinado de ser, a forma como se importa com sua família. Dona Guadalupe, Isabel, Maria e Augusto tem sorte em terem você por perto. Sempre admirei pessoas que colocam a família acima de tudo. - respondeu ela com serenidade.

Meu Deus! Naquele momento suas pernas faltaram de vez. Nem sabia se era o analgésico ou o choque daquela resposta. Definitivamente via aquela mulher tão especial abrir a guarda para ele.

- Agradeço suas palavras, doutora. Me sinto até melhor agora. - disse ele sem conseguir esconder a admiração por Cristina. - Eu realmente sei muito pouco sobre a senh… digo, sobre você, mas digo o mesmo a seu respeito. As pessoas que tem o prazer de conviver com você tem muita sorte.

- Carlos…

Cristina continuaria a conversa, mas foi interrompida pela chegada de Isabel.

- Olá, doutora, que bom vê-la. Carlos começou a fisioterapia hoje. Está bastante empolgado. - disse Isabel com animação.

- Sim, estou sabendo da novidade. O exercício de hoje sobrecarregou um pouco a musculatura, mas ele já está bem. Eu vou indo agora. - despediu-se Cristina.

- Obrigado pela conversa. - agradeceu Carlos.

- Também eu lhe sou grata pela conversa. - disse Cristina deixando o quarto.

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