2016 – Woodvalley, Minnesota, EUA.
O despertador toca, e não posso evitar de resmungar comigo mesma.
- Bom dia, Serenity. – Digo sonolenta. Minha voz soa rouca e desagradável. Nada anormal, para 06:50 da manhã.
Quando eu vim ao mundo, fruto de muito amor (ou de sexo, pense como quiser) meus pais resolveram me chamar de "Serenity" (serenidade) pois minha expressão era... Como eles diziam mesmo? ... "Parecia transcender tudo que havia de bom dentro de nós, você era nossa tranquilidade". Digamos que toda essa serenidade foi sugada pela minha própria existência, pois eu não me sinto nem um pouco disposta para acalmar ninguém. Muito menos eu mesma.
O piso é gelado, e estremeço de leve quando encosto nele com as pontas dos pés. Eu devia mesmo usar meias, eu sei, mas é realmente agonizante dormir com elas.
Já posso ouvir os carros na rua, o latido dos cachorros e o vento bater com força na minha janela. Isso só me faz querer cada vez mais afundar na minha cama e não sair nunca mais de lá. Como disse pouco tempo atrás, serenidade está muito além de meus dons.
Coloco a roupa devagar, como se fosse um grande esforço para mim (que nesse momento é) e logo penteio meus cabelos compridos e pretos, desejando que alguém fizesse isso por mim. Pego minha mochila vermelha, e por fim coloco meus tênis velhos e desgastados (sinceramente, eu não me importaria de ir com meu pijama rosa de gatinhos para escola hoje).
Eu saio do quarto, e fico me olhando no espelho do corredor. O longo espelho levemente embaçado. Meus olhos são fundos, cansados. Dou um sorriso desmotivado, olhando meus trapos e expressão cinzenta. Vamos, serenidade.
O silêncio de dentro da casa chega a ser acolhedor. Gosto de paz, por uns dias, mas depois de um tempo começa a soar solitário e melancólico. Meus pais trabalham da manhã até tarde da noite muitas vezes, é uma rotina comum, que me faz mal ver eles. O tempo levou muita coisa de nós, inclusive o que costumávamos chamar de "família".
Quando saio de casa, o vento gelado me provoca um arrepio.
Coloco meus fones, caminhando em direção à escola. Os sons de violino em harmonia com o violão acalmam cada pedaço da minha alma, eu poderia fechar meus olhos e viajar para outro mundo.
A rua está nublada, tem folhas no chão. O Outono aqui onde vivo, é tão rico em tons de dourado que encanta aos olhos.
Woodvalley é uma cidade pequena do interior, situada no extremo norte de Minnesota. Somos famosos pelas florestas densas e climas extremos, além da vasta quantidade de lendas que rodeiam a cidade. Eu carrego Wood no meu nome, o que me faz sentir cada vez mais "na minha terra".
Me pergunto quando vai começar a nevar, e mal posso conter a empolgação para isso. Fico imaginando a neve tomar conta de tudo e de todos, e consequentemente, eu não terei aulas. Eu realmente lamento pelos jardins do Sr. Lewis.
Minha escola é um prédio grande de dois andares, ela tem um jardim imenso em sua frente, que na primavera chega a ser um evento para o resto da cidade. Acho que o diretor, Sr. Lewis, tem algum tipo de fetiche por plantas chamativas, talvez seja por isso que a escola se chama Palace Gardens.
Eu dobro a esquina, e ao longe observo a escola. Os portões gigantes estão abertos e tem um aglomerado de pessoas entrando e se esbarrando. Algo dentro de mim grita "vire-se e não volte nunca mais" mas, infelizmente, minhas pernas continuaram me levando até lá. Por mais que eu repita "não faço nada por obrigação" cá estou eu, me lamentando ao chegar em Palace Gardens.
Quando eu empurro de leve uma garota loira, irritantemente maquiada, eu consigo passar pelo portão e ficar de pé observando ao lado de pessoas esquisitas. Os alunos da noite estão aqui, inclusive os mais "amados" entre o restante da escola. Não preciso nem comentar o quanto eles são bonitos e bonitas, e o quanto tem pessoas enlouquecidas por eles. Sinceramente? Só quero sair daqui rápido o suficiente para ninguém notar minha presença.
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Serenity
FantasySe dependesse de mim, tudo seria mais simples e sereno. Eu gostaria de fechar os olhos, bater as asas como uma borboleta e fugir de toda bagunça. Mas eu decidi ir até ele. Se serenidade fosse realmente meu dom, eu não estaria tão ansiosa para descob...