Nostalgia

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A cozinha cheira a bolo de chocolate sendo feito. Um cheiro de infância, uma nostalgia gostosa, que é completada com as falas de minha tia Leona.

Mamãe e Oli estão sentados um ao lado do outro, apoiados na mesa com toalha de abelhinhas e enroladinhos quentinhos. Quatro canecas de café, a cortina balançando com a brisa e levando o cheiro de amor que minha tia colocou na comida. Leona mexe no bolo, acompanhada por risadas e histórias nostálgicas enquanto eu fico na bancada sorrindo, apenas apreciando esse momento raro por aqui.

- Quando a Serenity tinha uns cinco anos... - Tia Leona dizia, o avental com pequenas maçãs levemente sujo, segurando uma colher. - Ela teve a capacidade de tomar um dos meus perfumes. - Ela começou a rir, e eu reviro os olhos sorrindo. - Sabe, não consegui ficar brava. Você sempre foi um amor, Sereny. - Sereny, ela sempre me chama assim quando quer ser carinhosa. Eu fico levemente vermelha, ainda mais quando Oli debocha da minha expressão de inconformada. Não me importo. Minha mãe sorri, então eu permito que zombem de mim o quanto quiserem.

- Não posso nem me defender? – Digo com as bochechas coradas. Tia Leona nega com a cabeça.

- Não há argumentos contra perfumes caros devorados! – Ela dizia com os cabelos louros bem presos em um coque, e as mãos ágeis fazendo o bolo.

Aquele perfume tinha um aroma doce, e eu imaginei que o gosto também. Descobri da pior forma que não. Não pude evitar, me desculpe, tia. Tive uma das piores dores de barriga de toda minha vida.

Tia Leona sempre foi assim: Uma contadora de histórias. Fico admirada escutando ela, mesmo que seja uma besteira sequer. Ela é jovem, mas é muito madura, muito forte. É uma pessoa encantadora, que eu admiro.

Eu comi o melhor bolo do mundo hoje. Simples, porém, maravilhoso. Com cobertura de brigadeiro e tão fofinho quanto Loki, miando aos nossos pés, implorando por um pedaço de bolo. Hoje não, querido.

- Meu Deus, tia! – Eu dizia de boca cheia. – Você fez meu dia mil vezes melhor.

Oliver estava recebendo milhares de ligações de seu pai, que não fazia ideia de onde ele estava. Ele mal conseguiu terminar de comer com nossas broncas para avisá-lo. Ele atendeu de boca cheia, resmungando, fazendo todas nós rirmos de seu desespero.

Mamãe parecia muito melhor, esse foi um pequeno intervalo de felicidade no meio dos problemas dela. Oliver deveria ser meu irmão, ele faz bem a todos nós.

Eu fiquei em silêncio por um minuto inteiro. Olhando as cores flutuando e ouvindo cada mínimo som. O sol que brilhava pela janela, o cheiro de café, o som de conversas felizes e cada pequeno brilho. Eu agradeci.

Por tê-los aqui comigo, e por essa pequena fenda colorida no meio dos problemas.

Obrigada.

Quando Oliver foi embora, eu me despedi e caminhei até meu quarto. Me atirei na cama, com a cabeça pulsando de cansada. Pensando e lembrando de cada detalhe que ocorreu, pensando no meu pai e... Nele. Trevor.

Florestas escuras e densas, e imagino ele entre as árvores. Os cabelos tão escuros quanto os troncos das árvores, os olhos violeta brilhantes, e seus segredos. Seu medo, que parece flertar com minha curiosidade.

Eu dormi pensando no amanhã. E não importa o quão alto estejam meus fones, minha mente não se cala. Nem por um segundo.

É escuro, e eu preciso semicerrar os olhos para ver. Ao longe, quase imperceptível, uma luz avermelhada. Eu caminho pelo corredor gelado, sinto a grama cortando meus pés nus, úmida, fria. Preciso segurar os braços para afugentar o frio.

Conforme eu vou me aproximando, minha barriga dói, forte. As minhas pernas vão ficando dormentes, e a luz aumentando. Sinto o vento. Olho para cima, onde a luz começa a surgir: É a lua, sangrenta. Árvores e mais árvores vão se estendendo por uma floresta densa.

SerenityOnde histórias criam vida. Descubra agora