Lar doce lar

330 89 63
                                        


Lar doce lar.

Uma varanda simples, com um balanço de madeira velho. Portões brancos e enferrujados. As paredes da casa de um verde clarinho que costumava ser vívido, mas que agora é apenas desbotado.

O portão emite um barulho incômodo quando o empurro devagar. Eu entro e caminho até a porta, cansada e precisando de um banho com urgência.

- Chaves...Onde eu botei vocês...- Fico sussurrando sozinha enquanto vasculho o bolso da mochila. Felizmente, ali estavam elas. Com o pequeno chaveiro do Mickey, os pompons vermelhos e duas chaves prateadas.

Eu abro a porta, entro e tranco ela logo em seguida. É libertador tocar a mochila no sofá e sair me despindo pela casa. São as vantagens de mal conviver com ninguém por aqui. Eles chegam tarde, eu posso ficar sozinha, eu e minha paz.

- Olá, Loki! – Cumprimento meu gato siamês, que se esfrega nas minhas pernas implorando por carinho. Dou um abraço nele me sentindo agraciada por sua companhia e ronronar calmante.

Eu subo as escadas, apenas de calcinha e sutiã. Meu quarto é o terceiro do corredor. Tem primeiro o dos meus pais, o banheiro, e logo em seguida o meu.

O mais estranho, é que quando eu passo pelo quarto dos meus pais escuto ruídos. Eles só chegam depois das 20:00, a não ser as raras vezes que meu pai chega cedo.

Dou de ombros. Deve ser só o vento batendo na janela.

- John... - Escuto uma voz feminina gemer do quarto, e não posso evitar meu estômago se revirando. Algo me diz que isso não é minha mãe. A menos que o ódio deles repentinamente tenha acabado. Sinto meu coração arder.

Eu paro ao lado da porta, e escuto as batidas da cama na parede. No fundo, eu já sabia que isso acontecia quando ouvi minha mãe chorando durante a madrugada. Meu pai saí, e ele bebe. Ele bebe e faz merda enquanto está inconsciente. E quando está consciente também.

Esse é o dia mais estranho da minha vida. Agora eu estou de roupas íntimas parada ao lado do quarto dos meus pais, ouvindo meu pai com a amante dele. Eu estou suando frio, estou ansiosa. Eu preciso fazer alguma coisa.

Eu enfio a camisola que estava jogada na porta do banheiro e caminho até ali novamente. O sexo deles está tão ridiculamente interessante, que nem escutam meus passos.

Sem pensar duas vezes, eu empurro a porta. Eles me olham apavorados, meu pai por cima dela faz a expressão mais aterrorizada que já vi. Eu não sei o que fazer.

Os lençóis brancos perfeitamente lavados, enlaçados naquela mulher. O corpo do maldito adúltero envolvido na mulher bronzeada, com lábios carnudos e avermelhados. Completamente o oposto de minha mãe.

Estou completamente em choque.

- Filhinha... - Meu pai começa a dizer, puxando o lençol para si e tentando se levantar. Eu dou um passo para trás, pisando em um sutiã vermelho. Nojento. Ele consegue me assustar nesse estado deplorável.

Sinto meu sangue esquentar. Sinto cada tapa que ele me deu na vida, cada dia que ele me ofendeu e bateu sem motivos. Sinto cada noite mal dormida pois estava com medo dele bater na minha mãe enquanto eu dormia.

- NÃO! - Eu grito e ele fica parado. - Não chega perto de mim. - A mulher me olha tapando os peitos. Ela está aflita, os olhos azuis bem maquiados de preto, levemente arregalados. – Eu tenho nojo de você. Eu tenho ódio da pessoa que você é.

Olho em volta. A nossa foto de família ali na cômoda, assistindo tudo. Meu estômago se revira, eu nunca senti tanta raiva na vida. Pego o porta retratos, e toco no chão, provocando um barulho irritante.

Nesse momento eu já estava chorando.

Eu gostaria de quebrar cada pedaço desse lugar, destruir tudo assim como ele destruiu a nossa família.

- Foi você que acabou com tudo... John. - Digo isso e ele me olha assustado. Parece que o antigo "papai" foi substituído pelo John. O John que traí minha mãe. O John que levou um pedaço de nós.

Eu não consigo me conter, não estou pensando direito.

Eu saio correndo e chorando. Já não faz mais diferença se pisei em cacos de vidro ou não. Isso está me corroendo.

Entro rápido no quarto, colocando a primeira roupa que vejo. Ele está batendo na porta desesperado.

- Por favor, Serenity. Por favor. Eu amo você, filha. - Eu sinto náuseas. Ele não dizia isso a anos, e só disse agora por causa dessa situação. Essa situação medíocre e desprezível.

- Você tem medo de que? – Eu grito furiosa mexendo no guarda-roupas. – Imbecil.

Esse é o momento em que eu levaria um tapa. Não consigo segurar minha voz exaltada.

- Vai se foder, vai se foder. – Fico falando aflita me vestindo e pensando em como sair daqui.

Por sorte, tem um galho de árvore bem na frente da minha janela. Não é a primeira e provavelmente não será a última vez que ele me é útil. Eu me equilibro, e logo desço com cuidado, tentando não me machucar mais. Saio correndo pelo quintal, até a rua.

A última coisa que ouvi foi "Não faça isso comigo, Serenity".

O meu refúgio sempre foi e sempre será uma pracinha à duas quadras da minha casa. Tem um balanço enferrujado onde eu fico horas ouvindo música, que sempre me faz pensar melhor.

Hoje, quando estou chegando ali, vejo um garoto ali. Um garoto estranho no meu esconderijo, no meu lugar.

Não estou com cabeça para ficar com ninguém, nem ser legal, na verdade eu não quero aturar nada. Estou com raiva, estou impaciente.

Eu me aproximo com os olhos inchados e o coração apertado. Me sento no lugar de sempre evitando qualquer contato.

Não resisto à olhar de canto para ele. E seus olhos violetas estão brilhando para mim. A camisa amassada, o sorriso e o olhar perdido. Ele é tão calmo.

Queria ficar sozinha e chorar, queria poder pensar direito. Ele não está me impedindo.

Eu dou um passo na sua direção.

- Oi. – Digo baixinho com a voz fanha. O que estou fazendo?

- Sabia que você ia chegar. – Ele sorri.  

------------------------------------------------------------------------

Espero que tenham apreciado o ambiente familiar conturbado da Sereny! hehe

Obrigada por ler até aqui! :D

SerenityOnde histórias criam vida. Descubra agora