Encantada

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Com as pernas entrelaçadas, eu fico o mais confortável possível na poltrona antiga, o livro pesado nas minhas mãos. Uma espécie de bestiário.

- Foi meu pai quem escreveu isso. – Trevor diz, me observando enquanto procura alguma coisa nos armários. – O livro que criou vida no seu quarto também. As iniciais, S.S. – Ele suspira. – Pelo menos ele é bom com livros.

Folhando as páginas antigas, posso ver cada detalhe na qual Sebastian detalhou as criaturas.

Os olhos-negros, que nos atacaram na floresta, possuem chifres de bode negros e os olhos completamente pretos. Seu pelo é escuro, possuem garras e dentes colossais. Engulo em seco, feliz por não ter conseguido enxergar um deles.

A Besta Púrpura. Uma criatura de um metro de altura, com corpo humano, porém muito magra e coberta por penas roxas escuras. Elas possuem apenas um olho, no centro do rosto, e as mãos cobertas por espinhos. É assim que matam suas vítimas. Se olhar para o olho no centro do seu rosto, você congela. É assim que ela captura você.

Caninos de sangue. Três vezes maior do que um lobo comum, são quase sempre albinos. Pode-se enxergar pelo meio da pele em decomposição seus ossos. São difíceis de caçar. Eles atraem as vítimas imitando uma voz que implora socorro, muitas vezes alguém que a vítima ama. São persuasivos e poderosos. Roem suas próprias patas quando sentem fome, por serem mágicos, nunca morrem.

- Essas coisas sempre existiram aqui? – Pergunto engolindo em seco. – Desde antes... de nós?

- São parte da maldição. Aterrorizam até os corrompidos pela magia do meu pai. – Trevor responde e eu fecho o livro. Acho que chega por agora.

- Aquela lenda da garota morta. – Digo. – Que morreu aqui...

- Foi só uma coisa que inventei, para afastar você. – Ele responde. – Nunca funcionou. Nunca iria funcionar.

Apoio o rosto com minha mão, respiro fundo. Imagino como estão meus amigos agora. Isaac, depois de se envolver com a irmã de Ícaro. Hope e Oliver, que devem estar morrendo de preocupação nesse momento. Leslie... que eu nem pude ajuda-lo. Sinto vontade de correr até Palace Gardens, e eu nunca me imaginei dizendo isso antes.

- Quando eu voltar. – Digo. – Preciso cuidar dos meus amigos. Eles precisam de mim.

- Eu sei. – Trevor sorri docemente. – Também são preciosos para mim.

Respirando fundo, eu me levanto, ansiosa demais para ficar parada. Esse tanto de coisas que ficam rodeando minha cabeça, essa feitiçaria que ronda minha vida.

- Vou chamar o Ícaro. – Trevor diz, se aprontando. – Vamos começar. Não quero deixa-la fora de casa por muito tempo.

Ele sai, e eu fico esperando. Nervosa pelo que pode acontecer, e como farei para de alguma maneira, aprender a me virar nesse mundo fantástico e novo.

Na minha mochila, pego um blusão preto e um casaco bem quente. Calço os coturnos, prendo meus cabelos compridos e vou até os dois, que estão me esperando na sala. Ícaro com os braços cruzados, o curativo que eu fiz, a expressão impaciente. Trevor olhando pela janela, parece estar disperso demais para notar minha presença aqui.

- Vamos. – Digo, e ambos me olham. Droga, lá vamos nós, Serenity.

Ambos caminham na minha frente, enquanto eu tento acompanhar. A floresta está iluminada, apesar de estar no meio da tarde. A neve derrete aos poucos, uma ilusão causada pelo sol quente. Seria acolhedor, se não fosse Forest Witchery.

No caminho, não me deparei com nenhuma criatura diabólica dos livros. De acordo com eles, tentaram desviar ao máximo do covil delas.

- O que é isso? – Aponto para longe, uma fumaça subindo pelo céu, escura. Muito distante daqui, mas não me deixa pensar direito, que podem haver outros como eles aqui.

SerenityOnde histórias criam vida. Descubra agora