Eu não faço ideia de como agir, o que pensar, o que dizer. Só consigo pensar em algum plano de fuga: dizer que estou com dor de barriga e correr para o banheiro? Não. Poderia... fingir que vou desmaiar? Muito chamativo, eu diria. Droga, Serenity. Não há fuga.
Seus olhos azuis intensos são sombrios.
Ele segura meu braço firmemente, me guiando até um sofá afastado, no escuro.
- Olha, Ícaro, eu...
- Shh. – Ele faz sinal de silêncio. Quando estou pronta para retrucar, coloca a mão gelada em mim. – Preciso que feche os olhos. E vai saber tudo.
Eu obedeço. É como se eu saísse de meu corpo, e pudesse me ver ali, desacordada. Tudo se torna fosco, embaralhando minha visão e me tirando de Arcano's. Eu confiei na magia de Ícaro cegamente.
Tudo que era preto começou a se misturar, tornando-se formatos de casas, uma rua longa e algumas árvores espalhadas pela mesma. Fico olhando para tudo admirada... se eu fosse a Serenity de algum tempo atrás, iria jurar que morri ou que colocaram drogas na minha bebida. Mas eu sei muito bem do que a magia deles é capaz.
Caminho devagar, ouvindo algumas crianças gritando e rindo enquanto andam de bicicleta. Ainda me sentindo estranha com essa "forma" consciente que eu assumi.
Um garotinho ruivo acelera a bicicleta vindo em minha direção, sem sequer notar minha presença. A felicidade e velocidade dele me despertam um desespero em sair correndo.
- Meu deus, garoto! - Grito, mas... ele passa por mim. Ele me atropela, passando por meu corpo e eu não sinto desconforto algum, como um fantasma. Fico tocando minha barriga checando se está tudo no lugar certo, levemente perplexa.
"Nada aqui pode te ver". A voz de Ícaro sussurra dentro de minha cabeça, como certo deboche "garota estúpida" e eu resmungo algo, andando em frente.
- E aí, o que quer que eu faça? – Eu grito esperando que ele responda.
"Explore, não seja preguiçosa". Eu reviro os olhos. Ele consegue ser irritante sem nem mesmo estar por perto.
Sigo andando, e mais à frente, vejo minha casa. A mesma coisa de sempre, a mesma melancolia de sempre. Pedindo forças para eu mesma, sigo em sua direção, olhando as paredes verdes desbotadas e atravessando o portão. A vantagem de estar fantasmagórica, é que não preciso nem fazer o esforço de abrir o portão ou a porta. Só preciso andar.
Passo pela porta, me sentindo enjoada. É tudo igual, tudo, menos... eu.
Ela está no sofá. Eu estou no sofá. Sentada, se apoiando no ombro de Ícaro e sorrindo, enquanto ele olha e acaricia os cabelos negros dela. Uma Serenity completamente diferente, ao mesmo tempo que parecemos iguais.
- Hm... - Serenity dizia rindo. - Como você pode achar isso? Que ridículo.
- Acho que ridículo é você ser tão burrinha e não se cuidar quando se enfia em qualquer lugar por curiosidade. - Ele dizia sério, e aquela Serenity achava graça. Ela nem... ela não faz ideia de que vai morrer adolescente.
Me questiono por qual motivo ele disse aquilo. Se me conheço bem, fiz algo deveras imprudente, no mínimo. Agir sem pensar, fugir, desafia-lo. No mínimo.
- Sempre gentil, meu querido. Acho que garotas como eu podem se cuidar. - Ela levanta, abre a porta e começa a dizer. - E acho que meu namorado deveria levantar e me aproveitar enquanto estou aqui.
Ela usa o meu pijama favorito. Rosa, com gatinhos pretos e uma pantufa fofinha de coelho. Algo nos olhos cinza brilhantes me dizem que ela é tão inocente quanto estúpida.

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Serenity
FantasiSe dependesse de mim, tudo seria mais simples e sereno. Eu gostaria de fechar os olhos, bater as asas como uma borboleta e fugir de toda bagunça. Mas eu decidi ir até ele. Se serenidade fosse realmente meu dom, eu não estaria tão ansiosa para descob...