Enfeitiçada

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Ícaro me conduzia pela floresta como se tivesse decorado a trilha. Talvez tivesse andado por aqui por horas e horas. Ou talvez anos.

- Como você sabe tanta coisa? - Digo, fazendo ele formar um sorriso de canto. Neve e mais neve ao nosso redor, parece que isso só destaca cada vez mais sua pele pálida e seus cabelos loiros.

- Quero saber mais. – Digo curiosa, e ele sorri sarcasticamente.

- Entre você querer e eu contar... – Eu reviro os olhos para ele, que se diverte em me provocar. – Não sei se devo dizer tudo. Trevor não vai gostar nem um pouco do que estou fazendo com a garotinha dele.

Minhas bochechas coram. Droga, Serenity.

- Digamos que o pai do Trevor é tão ruim quanto o seu. – Ícaro fala seriamente, e minha garganta seca. – Talvez pior.

- Como você sabe...? – Eu me movimento entre a folhagem congelada. Parecem pequenas estalactites pendendo das árvores altas. É bonito... e perigoso.

- Toda Palace Gardens sabe. – Ele responde. – Mas não precisa ficar brava. Eu não sou babaca ao ponto de achar isso engraçado.

Por mais que eu não tenha motivos, eu acredito nele. E mentalmente, agradeço, seguindo meu caminho na esperança de encontra-lo logo, em paz, e retomar minha vida. Por mais que eu ache, que a Serenity de antigamente nunca mais vai voltar.

Pensar no meu pai não me ajudou nem um pouco. Onde quer que ele esteja, deixou feridas que eu nunca vou esquecer.

Logo lembro de mamãe. Sua figura frágil e preocupada. Ausente do jeito que ela está, mal sei como ela deve estar se sentindo agora... ou se ela sentiria alguma falta de mim. Preciso me agarrar na esperança de que está bem, e que tia Leona está cuidando muito bem dela. Afaste esses pensamentos, Serenity.

- Toma. – Ícaro me estende a lanterna, parecendo nervoso e olhando em volta. Meu coração não deixa de bater mais rápido também. – Não deixe isso cair, por favor.

- Certo. – Digo engolindo em seco.

- Bruxos não são exatamente do mal. Digo, alguns. - Ele sorri, sendo tocado pela luz suave da lanterna, sussurrando baixinho, andando com passos cuidadosos. - Trevor nunca foi cruel. Nada semelhante aos Sullivan.

- O que são... essas "coisas" que vivem aqui? - Ele revira os olhos.

- Não seja estúpida. - Ele diz, arrogante. - Não são coisas. São criaturas mágicas, seres vivos como eu e você.

- Eles tentaram nos matar e nos roubaram. - Digo irritada. Aquela pequena criaturinha insolente... Alphis. Sem falar daquelas monstruosidades sedentas por sangue. Guardiãs. Tenho medo do que mais pode existir por aqui, se tudo que li naquele livro pode ser de fato, real.

- Serenity... - Ele me olha pensativo. - Sebastian corrompeu a floresta com sua magia. São poucas as criaturas que não foram corrompidas também. Não é culpa delas.

Me sinto levemente mal por um instante.

Na nossa frente, uma nascente de água cristalina se estende pelo chão. O mais impressionante é que ela não foi congelada. Talvez magia tenha seu lado bonito também. Parece brilhar, por mais intensa que a noite esteja.

- Isso é triste. - Digo baixinho. - Me desculpa.

Ele sorri tristemente, pulando a pequena nascente e logo me estendendo a mão (atitude que me deixa no mínimo surpresa) eu seguro, tomando impulso e pulando também. Minhas botas tocam a terra quase preta no chão. Ao nosso redor, a folhagem das árvores parece ter um tom de branco, se fundindo com a neve no chão. Um bosque esbranquiçado, é fantástico.

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