Normalmente, todos os dias, a esta hora eu deveria estar deitada na minha cama, encarando um ponto fixo na parede e ouvindo alguma música. Eu faria isso por umas duas horas, até enfim meus pais chegarem.
O silencio iria dominar. Meus pais não iriam nem se falar ou, se estivessem em um bom dia, John trataria ela como uma deusa, mas logo iria desabar. Ele sairia pela porta da frente, e só voltaria as 03:00 da manhã. Fedendo, bêbado e com algum vestígio de sexo barato. Minha mãe choraria até dormir, trancada no quarto. Eu lutaria contra minha vontade de gritar em frente a eles, como, em toda vez que o fiz, não acabou nada bem. Não me agrada lembrar das vezes que minha mãe teve que segurar John para que ele não me batesse. Tempos sombrios, eu diria.
Mas, nada disso está acontecendo agora.
O pôr-do-sol aqui é extraordinário.
Tem algumas árvores antigas aqui, com as folhas em tons alaranjados, balanços enferrujados. Minha roupa está amarrotada, as calças sujas e a blusa com um pequeno rasgo no ombro. Me sinto suja, imunda. Meus olhos ardem. Inchados e provavelmente vermelhos. Mal consigo mantê-los abertos.
Eu olho de canto, com minha expressão mau humorada e aparência deplorável.
Desde que o conheci, ele sempre está por perto. Eu deveria achar assustador e correr na direção oposta, mas... algo nele me conforta. Só de estar aqui. Até mesmo em silêncio.
Esse definitivamente é o dia mais confuso da minha vida.
- Ei. - A voz dele é gentil. Como um abraço quente ou uma brisa leve que toca meu rosto. Me provoca uma palpitação no peito. – Não vou perguntar se está bem. Posso ver. – Ele franze a testa, uma expressão acolhedora. Posso imaginar minha cara de desgaste.
Sinto uma dor no peito, uma vontade de contar tudo a ele, o completo estranho.
Quando eu cheguei aqui, ele parecia estar me esperando. Talvez seja mera coincidência ou não faça diferença alguma. Eu ainda estou abalada, e tudo que ele fez foi me conduzir até o balanço e ficar comigo em silêncio.
Sinto que preciso, no mínimo, agradecer.
- Eu não vou chorar. – Falo com a cabeça baixa - Não quero chorar.
Como se já esperasse isso, ele dá um sorriso triste.
- Qual o problema disso? – Ele fala me aconchegando somente com o olhar.
Não posso evitar de admirar ele. O cabelo castanho escuro e liso, balançando com o vento. Um balançar leve, agradável. Como um carinho.
Sinto minhas bochechas arderem quando percebo que fiquei o olhando. Como se isso fizesse alguma diferença agora, Serenity. Poxa.
- Eu já conheci uma garota como você. - Ele fala olhando para o céu. O sol está se pondo, laranja e rosa em perfeito contraste. Não sei porque, mas os olhos dele continuam me chamando mais atenção. - Ela era teimosa. Aguentava toda pressão do mundo, mas quando ficava comigo, ela desabava. - Ele toca meu braço de leve, e eu fico perplexa.
Não sei o que pensar sobre isso.
- Você mal me conhece. - Digo e ele sorri de um jeito provocativo. - Você é estranho, Trevor.
- Eu sei de muitas coisas. Eu não estou certo? - Ele levanta os cabelos com a mão, em seguida se espreguiçando para trás no balanço - Aliás, aposto que você não é o tipo de garotinha rebelde que sai de casa à essa hora para ficar com garotos desconhecidos. - Eu dou um sorriso e ele me olha - Em um lugar no mínimo suspeito!

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Serenity
FantasySe dependesse de mim, tudo seria mais simples e sereno. Eu gostaria de fechar os olhos, bater as asas como uma borboleta e fugir de toda bagunça. Mas eu decidi ir até ele. Se serenidade fosse realmente meu dom, eu não estaria tão ansiosa para descob...