Cicatrizes

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Como eu já imaginava nos meus sonhos mais distantes, a cabana é exatamente como Trevor. Cada pedacinho dela é intrigante e misterioso, com sua beleza, com seus segredos.

Ele me conduz pela mão até uma sala. Os corredores apesar de não serem enormes, são bonitos. Têm algumas pinturas na parede, como uma em especial de uma raposa que me chamou a atenção. Tudo magicamente detalhado: Os tons de vermelho e violeta, algumas flores nos vasos antigos, livros empoeirados e cristais brilhantes.

Me pergunto se toda vez que ele vê o vaso de tulipas vermelhas na estante, ele pensa em mim.

Ao final do corredor, ele empurra a porta antiga. O lugar é iluminado com luminárias e possui uma janela grande, tapada apenas por uma cortina preta. Milhares e milhares de estantes, tantos livros que mal posso contar.

- Aqui. – Ele diz sorrindo gentilmente, eu me sento em um banquinho ao lado de uma mesa bagunçada na sala. Ao meu redor, são tantas plantas e coisas que desconheço, que mal consigo me concentrar.

- Gostei daqui. – Respondo enquanto ele abre uma espécie de armário. Deve estar pegando alguma coisa para tratar meus ferimentos. Eu não sei se é a adrenalina, mas meu ombro não parece doer tanto assim.

Trevor sorri para mim, puxa um banquinho na minha frente, largando as coisas na mesa e estendendo sua mão em minha direção. De pé, ele caminha por trás de mim, torneando as mãos pelo meu casaco.

- Posso? – Ele diz, e eu concordo um pouco constrangida. Ele tira meu casaco, já rasgado e imundo, me deixando apenas com a blusa branca manchada. Vejo que o sangue manchou meu braço inteiro. Franzindo a testa, ele me beija. – Eu sinto muito.

- Não é culpa sua. – Eu sei que não adianta eu dizer isso. Ele vai continuar achando que é.

Ele se senta na minha frente, pegando um vidro com um líquido transparente, e... uma agulha. Dou um sorriso atrapalhado.

- Trevor? – Digo sentindo uma leve pontada de medo. Ele respira fundo. Não seja criançona, Serenity. Vamos, você aguenta.

- Olhos-negros são venenosos. – Ele diz com uma expressão chateada. – Isso é para limpar. Mas não é para feridas comuns, digo... vai doer. É o antídoto. – Eu engulo em seco. – E eu tenho que fazer pontos, por mais que eu consiga fazer você cicatrizar mais rápido.

- Não tem problema. – Eu minto, estendo o braço. – Vai rápido, antes que eu desmaie.

O líquido deveria ser gelado, eu imagino. Mas quando ele despeja o vidro no meu braço, é como se fosse água fervente. Me queima, arde insuportavelmente. Eu sinto os olhos marejarem. É o veneno daquela coisa saindo de mim.

Eu aperto a mão de Trevor com toda a força que tenho, fechando os olhos e urrando de dor. Isso dói mais do que as garras do animal.

- Sereny. – Ele diz gentilmente. Quase não consigo ouvir, com o zumbido abafado nos meus ouvidos. Me sinto tonta. – Serenity!

Eu abro os olhos, ele está nervoso. Me segura com força.

- Preciso fazer os pontos. – Ele diz isso e eu concordo, assentindo com a cabeça. A agulha entra e saí pela minha pele, delicadamente, como se ele fosse acostumado em fazer isso. Eu não consigo sentir dor, nada comparado ao que acabei de sentir.

Nem percebo quando ele termina de enfaixar meu ombro, tamanha é minha exaustão, que mal consigo me manter de olhos abertos.

Ele sorri, me envolve nos braços, e eu sinto minha visão embaçada. A última coisa de que me lembro, é de ser levantada. Ele me carrega no colo, e eu tento manter os olhos abertos. Sua boca se move devagar, o corredor parece infinito.

SerenityOnde histórias criam vida. Descubra agora