Em momento algum, durante a
minha caminhada eu havia olhado para trás. Sabia que Sra. Rebeca não me havia seguido porque deveria estar ocupada demais imaginado mil e uma formas de fazer-me ajoelhar nos seus pés e pedir perdão pelo modo como a tratei. Esses pensamentos eram os únicos que ocupavam a minha mente enquanto andava — sem destino — pelas ruas de Ohio cabisbaixa.Aquela mulher havia conseguido deixar-me sensível emocionalmente. Relembrar os piores momentos da minha vida davam-me vontade de arrancar o meu coração, para não sentir mais nada. Por isso, eu preferia agir como se eles não existissem ou fizessem parte dela.
Era engraçado pensar que um dia eu o idolatrava. Julgava que ele era o meu anjo da guarda. A pessoa que me protegeria dos perigos do mundo, que me ajudaria a andar de bicicleta, cantaria para mim antes de eu dormir e buscaria-me na escola todos os dias com um abraço e sorriso largo estampado no rosto, mas depois que a minha mãe morreu a nossa realidade virou outra. Ele transformou-se em instantes. De um pai presente e atencioso para um ausente e alcoólatra. Ele era uma parte ruim da minha vida, a que eu nunca teria o prazer de contar para ninguém
E a definição de família, acabou sendo destruída gradualmente a cada dia que passava até não sobrar nenhuma a que eu me agarrasse.
Por isso, quando diziam que um casal estava no orfanato para adotar crianças eu preferia esconder-me. Não queria uma nova família. E se eles fossem piores que o meu pai? Preferia ficar sozinha até o dia em que completasse dezoito anos e fosse embora daquele orfanato para construir a minha própria vida.
Quando virei uma esquina qualquer senti o meu corpo colidir com algo sólido fazendo-me apertar os olhos com força. O barulho de algo se chocando no chão preencheu os meus ouvidos e antes de encarar a pessoa a minha frente curvei-me para apanhar materiais de pintura no chão. Desde pincéis e tintas de várias cores.
Depois de apanhar tudo e colocar de volta na sacola plástica levantei-me e encarei a pessoa que esbarrei parada a minha frente. Franzi o cenho quando os meus olhos passearam pelo seu rosto e alguns dos seus traços pareceram-me familiares.
— Eu acho que conheço você — murmurei ainda com as sobrancelhas unidas a encarar o seu perfil. Os seus cabelos castanhos escuros com uma tonalidade quase preta estavam escondidos atrás de um boné com uma sigla desconhecida por mim, mas isso não me impediu de reconhecer o rapaz arrogante do cemitério.
O seu rosto não estava inchado hoje e os seus olhos possuíam a sua cor natural, cinzento.
Esperei pelo momento que ele iria soltar um comentário rude sobre o nosso esbarro, mas ele não chegou. O rapaz ainda tinha a sua atenção voltada para mim, o que me deixou constrangida. Ele estava a encarar-me sem pudor algum, como se eu fosse uma rara obra de arte. E eu sabia que não o era por isso estiquei a mão onde segurava a sacola na sua direção para desviar a sua atenção de mim.
— Isso é teu.
Os seus olhos desceram até á minha mão e ele segurou na sacola plástica para em seguida arranjar o boné na sua cabeça.
— Eu também lembro-me de você — falou, casualmente. Como se não tivesse passado os últimos minutos me encarando.
— É, a primeira rejeição a gente nunca esquece — redargui, me referindo ao facto de eu ter tomado a iniciativa de tentar o ajudar e ele dispensar-me com atitudes grosseiras.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Neutro
RomanceSe meter com as pessoas erradas tem as suas consequências. Falyn Lake conheceu um rapaz. E tudo o que ela queria era o mesmo longe de sua vida, mas ele já tinha outros planos para ela.