vinte e três.

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Estava sentada no chão do quarto a montar um dominó que Greta teve a gentileza de trazer para eu passar o tempo — porque ela sabia que eu não fazia nada e que isso era cansativo para mim. E com a ajuda de vários tutoriais na internet finalmente consegui iniciar um truque. Estranho, mas era algo e mantinha-me ocupada.

A felicidade era tanta que por pouco a abracei, mas apenas limitei-me agradecer o seu gesto com um pequeno sorriso. Greta apenas sorriu de volta também e foi embora.

— Ei, boa noite — parei todos os meus movimentos e levantei o olhar para encarar o Theron parado na batente da porta.

— O que quer aqui? — perguntei-lhe, sem cerimónias.

O mesmo não respondeu de imediato. Não sei porque ele ficava tão surpreso com as minhas atitudes. Admito que, quando estava perto dele algo em mim explodia e isso densecadeava todas essas perguntas e respostas apáticas e frias. E isso não é da minha natureza. Sei que não sou assim. E é uma merda estar a me tornar algo que sempre repudiei: um corpo movido pela raiva e ódio.

Mas o facto, é que isso não é nenhum conto de fadas da Disney. Eu não o amaria depois que o conhecesse verdadeiramente, depois que visse o seu lado bom ou o príncipe que existia nele. Eu rejeitaria-o até o meu último suspiro. Não importa o quanto a sua história ou essa situação toda faça sentido. Se ele me desse a opção de escolher ou ir embora o mesmo nunca mais ouviria falar do meu nome. Eu não sou a bela e ele muito menos o monstro.

— Porque não pode dar-me uma oportunidade para a provar que não sou esse ser humano horrível que meteu na cabeça?

O encarei irritada. Isso nunca iria acontecer.

— Desculpa se não tenho problemas mentais ao ponto de apaixonar-me pelo meu sequestrador — debochei.

— Não a pedi que se apaixonasse por mim — esclareceu.

Cruzei os braços, desconfiada.

— E o que quer, então?

Um silêncio ensurdecedor preencheu o ambiente. Eu sabia que ele sabia o que queria, mas era como se tivesse medo de alguma coisa. Por isso ignorou a minha pergunta e falou:

— O jantar está pronto. Espero que desça.

Deu-me as costas e foi embora. Soltei o ar que prendia.
Parece que só terei que jantar com eles porque os mesmos nunca estavam no pequeno-almoço e no almoço. Greta era a única que estava presente em todas as refeições.

Levantei-me com cuidado por conta do dominó e sai do quarto. A medida que me aproximava do fim das escadas algumas vozes se faziam presentes.

Desci as escadas com cuidado para não fazer barulho e atrair olhares indesejados para cima de mim. E foi isso que aconteceu até eu forçar o meu corpo a ir sentar-se naquela mesa ao lado de Greta — a única que me deixava confortável naquele caos todo.

Evitei e ignorei todos olhares presos em mim enquanto servia a comida no meu prato.

Toda aquela situação era constrangedora. Senti as minhas mãos trémulas enquanto executava todo o processo para servir a quantidade que gostaria.

A conversa que eles iniciaram havia parado no momento em que sentei e isso só me deixou ainda mais desconfortável.

Eu queria morrer, literalmente.

Porque o destino deixou isso acontecer comigo?

Não bastou sofrer no orfanato com as regras distorcidas de Sra. Rebeca e algumas de Louise, ser olhada de cima com os outros órfãos e sentir-me um peixe fora de água na escola? Eu nunca fiz mal a ninguém — pelo menos, não intencionalmente — sempre evitei entrar em conflito com as pessoas ao meu redor (com exceção de Bethany, é claro) para que se realmente existisse o carma, não afetasse a minha existência.

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