quinze.

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Eu estava a morrer. E não, não era literalmente.

As crianças podiam ser seres adoráveis e encantadores, mas também conseguiam ser anjos caídos. Parece que todos os demónios que fugiram do inferno as possuíram e controlavam o corpo delas.

Esses pensamentos eram os únicos que reverberavam na minha mente enquanto encarava várias dela a correr no jardim do orfanato. Algumas caiam e choravam, outras tinham nas mãos um punhado de areia com o destino até às suas bocas e outras, para a minha felicidade apenas brincavam com os seus brinquedos. E eu tinha que tentar cuidar delas em simultâneo.

Foi esse o castigo que Louise julgou ser adequado para mim. No início, fiquei feliz, por imaginar-me rodeada de crianças, mas como previsto estava enganada.

No orfanato tinha uma pequena creche, para as crianças que perderam os pais cedo demais. As vezes eu e Keanu visitávamos elas e até brincávamos, mas fomos crescendo e alguns deles também e acabámos por perder um pouco do interesse.

— Como está a correr o seu trabalho como babá? — não precisei virar-me, para saber que era meu melhor amigo.

— Horrível — virei-me para ele, que tinha um sorriso genuíno estampado no rosto. — No começo, elas receberam-me com abraços fofos  e agora torturam-me com brincadeiras perigosas e algumas até são aspirantes a lutadores profissionais.

— Aquelas funcionárias não deviam ajudar você? — apontou para algumas mulheres a conversar de forma animada a alguns passos de distância.

— Louise deu ordens bem explícitas sobre como eu deveria cuidar das crianças sozinha e é claro que elas viram isso como uma oportunidade para descansar.

— E não está a conseguir dar conta sozinha — concluiu e passou os olhos pelo jardim. — Mas são poucas crianças. Nem passam dez.

Suspirei e sentei-me no banco que ali tinha.

— Falar é fácil — murmurei.

— Nós ainda não conversamos sobre onde você passou a noite — mudou de assunto e sentou-se ao meu lado. Por alguns segundos, senti meu coração falhar algumas batidas. — Quando o jogo terminou e não encontramos você em lugar nenhum fiquei preocupado. Eu até implorei a Louise para irmos até a delegacia fazer um boletim de ocorrência, mas ela disse que precisávamos esperar vinte e quatro horas. Porque você provavelmente decidiu se aventurar com algum rapaz por aí.

Revirei os olhos na última parte enquanto o mesmo encarava-me com expectativa a espera de uma explicação.

Comprimi os lábios uns nos outros, nervosa. Estava cansada de esconder os meus problemas dele. Keanu era meu melhor amigo e ele compreenderia-me. Eu compreendi quando ele deixou de estudar, compreendi quando ele começou a passar mais tempo com os outros rapazes do que comigo, compreendi quando ele me disse que namora minha inimiga. Passei a vida a compreender todos os erros dele.

— Lembra no dia que demorei chegar e você encontrou-me indo para a sala da Sra. Rebeca? — comecei, me sentando melhor. — Bom, quando sai do colégio fui para o cemitério. Fazia tempo que não visitava a minha mãe e deixava flores…

— Mas nós poderíamos ter ido juntos. Não precisava passar por isso sozinha — interrompeu-me.

— Não queria o incomodar.

— Falyn… você sabe que eu não me importaria. Posso ir até à lua com você se quiser.

Sorri para ele, a preparar-me para  o contar a verdade.

—Eu sei. Desculpa — comecei a brincar com a barra da minha camisa. — Então, eu meio que conheci um rapaz lá — ele franziu as sobrancelhas. — Ele estava a chorar e se eu fosse embora e ignorasse sentiria-me mal. Você sabe, eu gosto de ajudar os outros — suspirei e continuei. — Então, fui falar com e ele e o mesmo praticamente chutou-me com  palavras. Disse que não precisava da minha pena e que eu fosse embora.

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