19.08.18 - Domingo

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De: zakrod98@gmail.com
Para: isa.sk8.2010@hotmail.com
Assunto: Um "eu" endemoniado... Um encontro marcado!


Boa noite, amiga! Você não adivinharia nem em dez chances quem foi que acabou de me ligar... =/

Eu estava terminando de arrumar a cozinha, e o Nicolas estava lá em cima, em meu quarto, estudando para algumas provas que vai ter nessa terceira semana de aulas. Quando o telefone tocou, vi que era minha avó. Mãe de meu pai...

Sabe quando dá um embrulho no estômago antes de fazer algo? Bom, eu tinha lá meu pressentimento... E quer saber qual é meu problema com minha avó, e que torna tudo mais difícil? É que apesar dos conceitos retrógrados, ela realmente tem boas intenções comigo... Não é como meu pai, que preferiria me ver morto e que odeia abertamente o fato de eu ter nascido.

Respirei fundo, e atendi.

Ela me cumprimentou carinhosamente e perguntou como eu estava... Começou a falar um pouco sobre ela, que a vida está difícil, de como ela tem que penar para ir sozinha às consultas no posto de saúde porque não tem quem a leve (mas cá entre nós: eu a conheço o bastante para dizer que ela é orgulhosa demais para pedir ajuda, também), e outras fofocas de parentes que não vejo há mais de dois anos, e cujas rotinas não me interessam nem um pouco.

E depois veio o assunto que minha avó realmente queria. O verdadeiro motivo de ela ter me ligado. Ela deve ter pego alguma pista aqui e ali com minha mãe, pois descobriu que eu fui "contaminado pelo capeta". Começou a me perguntar se eu tenho ido à igreja (isso é essencial para ela) e ficou decepcionada quando eu disse que não. E ela começou a me dizer que é importante, porque eu preciso salvar minha alma, e que "essas coisas" que aconteceram comigo são sinais de que o mal está perto. E quando eu perguntei "Do que a senhora está falando, vó?", ela disse: "Essa coisa de homossexualismo, que eu fiquei sabendo que você pegou".

Pois é, ela usou o sufixo "ISMO", como se a homossexualidade fosse uma doença.

E ela começou a chorar no telefone. Nossa... Minha vontade era de desligar o celular e jogar meu chip na fogueira para nunca mais ser encontrado. Mas fiquei um tempo quieto, ouvindo... Ela implorou para que eu voltasse. Disse que liberaria o quartinho dos fundos da casa dela para que eu ficasse lá (ela sabe que eu não me dou bem com meus pais).

Se essa oferta tivesse sido há uns quatro meses (antes de eu tomar a decisão de me mudar para cá), eu talvez tivesse aceitado. Nessa época eu ainda estava encurralado pelos meus próprios receios sobre ser gay, sobre não ter onde cair morto, sobre não ter mais amigos no mundo, e todo o resto.

Mas agora? Hahahaha ← riso sarcástico.

Bom, não que agora eu seja um cara resolvido, rico e popular, mas... As coisas mudaram para mim. E mudaram bastante.

Eu tentei explicar para ela que "essa coisa" não era ruim, que eu estava feliz, que não era do demônio, mas não adiantou. Ela tem uma crença forte e enraizada demais. Não serei eu, um "pivete" de 20 anos, que vai fazer a cabeça de uma senhora mudar. E parecia que quanto mais eu tentava explicar (com a voz mais afável que consegui fazer ao telefone), mais ela achava que eu era o anticristo encarnado. E mais ela chorava, na certeza de que minha alma já foi consumida pelo Satanás.

Em meio a essa conversa dolorosa (pois ela é a única pessoa de minha familia com quem eu me dava bem), o Nicolas parou na metade da escada e se apoiou no corrimão, me olhando preocupado. Acho que ele notou, pela minha voz, que eu estava prestes a chorar (mas segurei). Fiz sinal para ele de que estava "tudo bem", mas ele continuou descendo os degraus, e parou na minha frente enquanto eu ouvia as ultimas palavras de minha avó, pedindo para que eu fosse até a casa dela. No fim, falei: "Se a senhora quisesse apenas me ver, eu iria essa semana mesmo, vó... Mas eu não vou aí para que me leve num exorcismo".

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