SINOPSE:
Isaac Rodrigues, um jovem de 20 anos, foge da casa dos pais e vai morar num casarão de uma cidade desconhecida.
Inicia um diário para registrar a nova vida, mas percebe que manter a compostura diante dos próprios pensamentos - e atitudes im...
De: nico.rafa.belson@gmail.com Para:isa.sk8.2010@hotmail.com Assunto: Apenas pare com isso!
Quero te arrancar daí.
Quero quebrar a cara do teu pai e depois te arrancar daí. É por causa daquele OGRO do teu progenitor que você teve uma recaída...
Ter ficado essa noite toda sozinho com seus pensamentos não te fez nada bem, não é? A Sant'Ana avisou a Jack que você teve um daqueles surtos durante essa madrugada. Você se arranhou de novo, Zak...
Por que faz isso?
Por que raios você tem que fazer isso consigo mesmo? Aquela vez que se embebedou, quando eu cheguei, você estava com o antebraço sangrando e com uma série de vergões no pescoço. Me assustou.
Dá medo saber que você não está seguro em sua própria companhia.
Por que você faz isso contra si mesmo? O que se passa em sua cabeça para se autoflagelar? Por que acha que vai ser melhor ao se ferir? Dessa maneira você acaba machucando todos à sua volta junto.
E isso foi bem hoje, que eu não tenho trabalho. Sexta e sábado é minha folga, por isso acabei indo aí mais cedo, mas você estava dormindo mais uma vez, gráças aos tranquilizantes.
E quando eles me deixaram te olhar... Ah, Zak, pra que se arranhar assim? Se eu pudesse, amarraria suas mãos, para que nunca mais fizesse isso.
Me desculpe. Eu estou aqui falando isso e nem sei o que está se passando com você... O jeito como teu pai te tratou, abrindo seus pontos, e as coisas que ele e sua mãe te disseram... Eu não faço ideia do que é ser você, e fico aqui julgando. E com você distante, eu não tenho como conversar. Não tenho como te perguntar diretamente o que está sentindo, ou o que fica pensando enquanto está sozinho.
E falando em ficar sozinho, eu e a Jack já decidimos: quando receber alta, ficará com a gente por um tempo. Ao menos até retirar os pontos. Eu já tomei a liberdade de pegar seu colchão (está aqui ao meu lado, nesse momento). Minha irmã concordou que você não vai poder ficar sozinho naquele casarão escuro. Principalmente depois de tudo o que aconteceu.
"Tudo o que aconteceu..."
Ainda dói quando penso. E se eu estou assim aqui, no conforto da minha casa, imagino você nesse hospital, sozinho.
Esses dias eu não tenho estado nada bem. E ontem seu progenitor (que não dá pra chamar de "pai") piorou tudo.
Pedi pra Sônia não trazer o Lucas esse fim de semana. Expliquei tudo pra ela (na verdade, não tudo... apenas a parte de você ter sido atacado e eu estar fazendo viagens constantes ao hospital de Eloporto). Eles não recomendam a entrada de crianças visitantes na UTI, então achei melhor assim. Eu não quero também que o Lucas me veja do jeito que estou (nem a você, da forma como está). De ontem pra hoje não consegui dormir direito (a Jack me disse que talvez eu tenha pressentido que algo estava acontecendo com você - e tinha razão), e agora eu estou horrível.
Só saí para a calçada hoje à tarde porque o Marcus teve que vir buscar um carregamento de vasos em preparação para o dia dos namorados. Ele perguntou de você, como você estava. Depois daquela brincadeira idiota que ele fez da última vez que veio, eu não estava muito afim de papo. Mas contei o que aconteceu. Ele pareceu ouvir só por cima, desatento, porque estava arrumando os tablados de vasos no carro.
Eu nunca tinha dado muita importância pro Marcus. Sempre soube que ele é mulherengo, meio otário com as brincadeiras, mas para mim ele era neutro. De uns dias pra cá (mais precisamente, depois que livramos seu quintal daquele matagal) ele tem me irritado. Parece que tudo o que sai daquela boca tem a intenção de ofender.
Ou talvez eu esteja pensando demais.
Ah, tem uma "novidade" que eu gostaria de te contar assim que você ficar melhor e puder conversar: veio um pessoal do Semanário do Vale (aquele jornalzinho de domingo que você assinou). Eles conversaram comigo, com a Jack e com o namorado dela, perguntando detalhes sobre o que aconteceu. Sinceramente? Preferia que essa entrevista nunca fosse necessária. Mas eles disseram que estavam cobrindo o evento, e queriam fazer uma matéria mostrando o que o ódio pode fazer. Algo assim. A matéria vai sair esse domingo... Eu só espero que eles não distorçam tudo o que falamos.
E tem o delegado, também...
Parece que assim que você sair da UTI, ele vai te encher o saco com algumas perguntas de rotina (e de acordo com a Sant'Ana, você só não foi para um quarto comum de hospital hoje por causa do seu surto... a Jack já disse que se fizer isso de novo você vai receber alta de orelha quente - e eu estou com ela).
Espero que esteja mais calmo amanhã.
Atenciosamente,
Um Nicolas preocupado com sua auto-agressividade
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