Ao examinar meu rosto no espelho, percebi o meu estado deplorável.
Deveria ficar em casa. Não, isso é uma péssima ideia. Além de perder aula — coisa que eu não gosto de fazer —, ficaria ouvindo meu pai falando sem parar sobre eu ter chegado tarde em casa, até a hora dele ir para o trabalho.
Abro a porta do meu quarto, e com cuidado, para não acordar meus pais, fecho a porta de fininho e sigo para a porta de entrada. Já com a minha mão na maçaneta, para abri-la, escutei uma voz grossa e, pesada, me perguntar:
— Aonde você pensa que vai, Will? — A voz do meu pai fez com que um arrepio corresse pelo meu corpo.
Odeio quando ele usa esse tom de voz comigo, porque sei que vai vir bronca.
Quase nada o irritava mais do que saber que eu tinha chegado em casa depois dele.
Minha mão que antes estava na maçaneta da porta, desliza, ficando ao lado do meu corpo. Respiro fundo e me viro, já me preparando para a bomba.
— Eu vou para o colégio — respondo, com a minha voz começando a ficar trêmula.
— Você não vai enquanto não tivermos uma conversinha. — Confirmo com a cabeça. — Venha aqui.
Isso nem de longe é um pedido, é uma ordem.
Ando vagarosamente até ele.
Merda, eu desobedeci a única regra que tinha aqui em casa: cuidar da minha mãe.
— Você deve ter percebido que chegou muito tarde em casa, não? — Levei a cabeça para cima e para baixo, concordando. — O que nós conversamos, Will? Você tem que buscar a sua mãe na cafeteria para ela dormir em casa. Em casa, porra! — O grito que ele dá faz com que eu me assuste, mas ele nem liga, já que continua a falar. — Ontem, eu cheguei em casa morto de sono e cansaço, e mesmo assim, tive que sair por aí, buscando minha mulher. E sabe onde ela estava? — Umedeci os lábios, enquanto ainda olhava para baixo. A resposta estava ali, na ponta da minha língua, mas não queria sair. — Você pode responder à essa pergunta, Will?
Meu pai poucas vezes conversava comigo, e na maioria das vezes eu preferia assim. Ele era muito estressado por conta de seu trabalho; das horas extras que precisava fazer; e quando ele não está conversando comigo coisas sobre a minha mãe, estava me humilhando.
Eu sabia que tinha me atrasado, e que deveria ter voltado logo; ter buscado a minha mãe na cafeteria, e tê-la feito dormir. Mas eu só estava aproveitando a merda da minha vida. Uma vida de dezessete anos, que um garoto normal deveria curtir, e não ficar só em casa — tirando quando não estava no colégio — fazendo a vontade deles.
— Na cafeteria — respondo, pausadamente.
— Isso! É responsabilidade sua cuidar da sua mãe! — Aponta o dedo na minha cara, e a vontade que eu tenho é de abaixá-lo, mas não faço isso, afinal, já estava muito ferrado e, se por acaso eu fizesse o que estava pensando, seria um garoto sem vida. — Você deveria ter cuidado dela, tê-la feito dormir, e não ter ido pra uma porra de uma festa de casamento! E eu nem me importo de te perguntar o que aconteceu por lá, pois eu estou muito puto com você!
Eu sei disso. Percebi apenas com as suas palavras. E somente elas já me incomodavam.
— Será que eu posso ir para o colégio, agora? — Pergunto, não querendo mais ficar ali, e muito menos olhar para sua cara.
— Vai logo, vai... — Sigo em direção a porta, a abro, bato com força, e começo a correr para o ponto de ônibus.
Aos poucos, eu estava deixando a minha vida escapar por entre os meus dedos.
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Não (Me) Ganhe
Teen FictionAos dezessete anos, Will Belmarques era um completo idiota. O tipo de ser ignorante em sua própria caixa, focado em seu próprio mundo. Daqueles que acham que a arte da vida é não fazer absolutamente nada. Mas para à minha sorte o tempo muda o homem...