De alguma forma, a dor e tensão acabaram em um pote de sorvete. Napolitano. Com direito à vista do mar.
Não me parecia um final ruim. Era até digno.
Eu estava comendo quase tudo sozinho. O que não era ruim. Ágatha apenas tinha dado duas colheradas, e parou por dizendo que engordaria. Ela citou números, como se soubesse às calorias. Como se realmente entendesse.
— Então... Planeja me contar o que aconteceu? — Tirei a colher da boca, passando minha visão por seu corpo encolhido dentro dos próprios braços.
Ela fez um leve sinal de negação, por isso, voltei meu olhar para o mar. Às vezes, ele tocava a areia, e algumas pessoas corriam de um lado ao outro, enquanto outros brincavam.
— Eu tenho uma filosofia. — Voltei a olhar para ela, enquanto enfiava a colher no pote de sorvete. — Se chama "Emsapiência". Como Aristóteles que tinha os Aristótelicos.
— E quem mais faz parte da sua filosofia? — Seu olhar parecia estar sendo compreensivo.
— Alguns já fizeram. — Levei a mão até a gola da camiseta, a abaixando um pouco deixando visível a tatuagem. — Não é algo do qual me orgulho, mas também não me arrependo de tudo. Na verdade, a primeira coisa que está escrita e que é lei nessa filosofia, é que não se deve olhar para o passado. A não ser, que queira ficar preso no presente.
— É difícil não olhar para o passado quando ele te segue, como uma bola. — Ela apanhou areia, deixando que passasse por entre seus dedos.
— Às vezes nós somos a bola, Ágatha. — Ela sorriu, achando graça, e virou o olhar para mim. — A vida não escolhe quem vai jogar punição, como se tudo não passasse de uma roleta russa. Às vezes, nós mesmos somos o problema, e nos perseguimos.
Voltei a afundar a colher no sorvete. Os segundos que se passaram não foram contados. Esperei que ela dissesse a próxima coisa.
Era uma comparação que na verdade, também se encaixava comigo. Meu maior problema é que eu ainda me lembrava do passado. Não conseguia me livrar dele. Me arrependia de talvez tê-lo deixado da forma que escolhi.
— Você está certo, eu sou o problema. — Voltei a olhar para ela. — O que sua filosofia diria para isso? Por acaso tem alguma frase de salvação?
Fingi estar pensando, mantendo a colher na boca.
Estava, em partes, blefando. O nome daquilo tinha sido dado por mim, mas, na época não era eu a mente pensante do grupo. Ele era o responsável pelas palavras bonitas. Sua sensibilidade sempre foi muito maior que à minha.
— Eu acho... Que você não precisa de salvação, Ágatha. Se você ainda não desistiu de tentar, então não precisa ser salvo, precisa de apoio. E querer apoio é algo bom. Não sinta vergonha por isso.
Estendi o pote de sorvete a ela, que pareceu averiguar a possibilidade.
— Podem ser mil calorias. Talvez 395. Mas não serão só mil trezentas e noventa e cinco calorias que terá perdido, e sim, a chance de aproveitar esse momento único. Afinal, não é todo dia que se pode tomar sorvete com um filósofo — brinquei.
Ela aceitou o pote e tirou a colher da minha boca, pegando mais uma porção do sorvete de baunilha.
Novamente, contato quase direto...
— Se me fizer comer mais uma, eu te mato! — Seu dedo estava apontado em minha direção.
— Não vou te obrigar. — Peguei uma colher cheia. — Mas isso está bom pra porra!
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Não (Me) Ganhe
Fiksi RemajaAos dezessete anos, Will Belmarques era um completo idiota. O tipo de ser ignorante em sua própria caixa, focado em seu próprio mundo. Daqueles que acham que a arte da vida é não fazer absolutamente nada. Mas para à minha sorte o tempo muda o homem...