Antes de mais nada, um pequeno aviso: A leitura dessa resenha pode te fazer perceber muitas coisas sobre o livro.
Começarei então, pelo começo, afinal logo de cara o livro dá um aviso sobre o próprio personagem. Um aviso que em suma é das próprias autoras e que no decorrer dos capítulos fez grande ênfase sobre a opinião pública. Uma clara demonstração do quanto nossos valores e conceitos podem ser pré-definidos por alguém que julgamos saber mais que nós; afinal, se o aviso é feito pelas próprias autoras que em conceito sabem mais sobre a história, então por que duvidar? Por que não aceitar essa ideia como minha, e anexar na minha cabeça para evitar futuras surpresas?
A verdade é que sim, Will Belmarques é um idiota, assim como todos os personagens da trama, tanto que - como curiosidade - um dos nomes sugeridos para o livro foi "Diário Dos Idiotas", sendo o nome descartado por soar fraco, genérico e clichê. Um ponto a se grifar, afinal o que Não (Me) Ganhe faz de melhor é juntar vários clichês em um livro, e usá-los de uma forma irônica, sarcástica e debochada, e mais do que tudo: mostrar camadas.
O livro é narrado por Will, um adolescente que age de forma impulsiva como uma forma de lidar com os problemas, sem ter que analisá-los. Ainda jovem, este perdeu sua avó quem era o seu modelo e apoio, e logo em seguida sua prima que além de ser sua "parceira" em traquinagens, ainda era a pessoa que o ensinava as coisas básicas que um dia no futuro ele faria ainda mais uso. A ausência dessas duas figuras, juntamente com a pressão imposta por seu pai para que o personagem principal alcançasse a maturidade, apenas fez com que o jovem se tornasse inseguro com sua própria imagem, buscando meios ilícitos para provar sua maturidade, mas com isso, mesmo que de forma inconsciente ele apenas nutria a dor da perda, a carência, a necessidade de apoio paterno e principalmente: amor.
Os pais por outro lado não são os típicos vilões de filmes. São somente adolescentes que tiveram que crescer sozinhos, depois de um descuido acarretar a mudança. Tiveram que aguentar o desprezo de suas famílias pela falta de responsabilidade, e com isso, tiveram que aprender sozinhos a lidar com o que seria para eles, sua nova realidade, cobrando do filho o mesmo que lhes foi cobrado, para que não repetisse de seus erros, mas criando um efeito dominó ao tirar dele o mesmo que lhes foi ausentado.
Existem muitas outras camadas não perceptíveis, mas antes disso é preciso frisar o que é muito marcado nesse primeiro livro: Amor.
A existência da aposta no primeiro capítulo, fez com que 90% dos leitores não torcessem por Will e Emília; no segundo, com a demonstração de saber dela sobre o assunto, o número caiu para 30%, aumentando no decorrer dos capítulos.
Agora a pergunta é: Por quê?
Acostumados com histórias padrões, o público em sua maioria forma um estereótipo de casal perfeito, deduzindo já de imediato que Emília nutria sentimentos por Will apenas por ter feito uma contra-aposta, assim como - de maneira cômica - formaram que Will nutria o mesmo somente por admirar a garota, quando na realidade fazemos isso direto. Quantas vezes não vimos uma certa pessoa e a acompanhamos com os olhos? O comodismo de roteiro criou uma zona safe, a qual os leitores passaram a se sentir cômodos, muitas vezes não se importando mais de algo seguir aquela linha, mas... Quando a trama sai da zona safe, e passa para uma área nova e desconhecida o estranhamento vem, seguido pela reprovação, raiva e aceitação. O que leva ao ponto mais odiado dessa história, e ao ponto que muitos não notaram o quão complexo era.
Ágatha Manete talvez foi, de uma forma impressionante a personagem com mais camadas da história, tendo até mesmo a opinião de uma estudante de psicologia na criação de seu capítulo, e futuro no livro. Ela não era uma personagem normal, era uma adolescente com depressão, bulimia, baixa autoestima, que se mutilava e muitos outros problemas que podem derivar destes, mas, no decorrer da história foi perceptível a falta de empatia de muitos pela garota. Talvez, tenha sido o primeiro contato de muitos com uma personagem assim, porque na vida real pessoas como ela não falam abertamente sobre o que sentem, e às vezes se recusam a aceitar que sofrem de algum transtorno, por isso, o apoio de um estranho significou tanto a ela, porque Will foi a primeira pessoa que ao invés de dizer "Oi" perguntou "Está tudo bem?". Muitas vezes deixamos pessoas como ela de lado, somente pela sua complexidade, porque pessoas como ela podem se tornar possessivas, assim como podem te afastar constantemente, e os dois casos foram realizados pela personagem em questão, que não só afasta aos desconhecidos, como ao irmão, que cresceu em um lar em que sua irmã precisava constantemente de cuidado e vigia, se tornando assim introspectivo e com dificuldade de aproximação; muitas vezes ele sente vontade de dizer ou fazer algo, mas por ter crescido em um lar em que tinha que saber dosar suas palavras para que não acarreta-se em uma descarga negativa para sua irmã, o mesmo fica calado.
O ponto é que, nenhum personagem da trama era só uma base, todos têm camadas que o desenvolveram, porque somos seres humanos, e evoluímos e nos desenvolvemos conforme crescemos, pegando iniciais referências de nossos responsáveis quem usamos de modelo. Um ambiente fechado, criou personagens fechados e um ambiente aberto - como no caso do Noah - criou personagens com aceitação para visões diversas do mundo.
Em síntese, o primeiro livro nunca foi sobre apostas, ou sobre clichês, porque a vida é um constante clichê, ela foi sobre como o lar pode desenvolver a psique de um ser, o moldando de uma forma, enquanto a sociedade pode moldar de outra forma, injetando seus padrões e conceitos.
Ao ler o primeiro livro e acreditar nas primeiras frases do livro, ou acreditar em um escape de roteiro fácil para a aposta de Will e Emília, o leitor ignorou todas as adversidades e complexidades que fazem parte do cotidiano, imprimindo em cada um o conceito de que não existe uma amizade entre gêneros opostos que não surja amor. Também dou destaque ao discurso dito por alguns de que uma pessoa como a Ágatha é "fresca", agindo como a própria opressão a alguém fora da curva como ela se sente, a oprimindo e menosprezando.
Talvez o fato de ter sido uma personagem fez com que muitos sentissem liberdade para dizer o que pensavam, mas personagens são a representação de pessoas que existem na vida real. A arte imita a vida. Se Ágatha fosse uma pessoa real, na cabeça dela seus comentários teriam impacto.
O ato um terminou de forma justa, com Will decidindo voltar ao seu passado para recomeçar sua vida, decidindo abandonar a imagem que queria passar a seu pai, indo buscar agora os valores que ele quer levar consigo, se deixando mudar. Isso também era necessário para Ágatha, a sua própria aceitação e concordância de que ela tem problemas que precisam ser tratados com ajuda médica, porque sozinha ela não conseguiria. Não pode se manter amor em um teto de vidro.
— Karlly Sore.
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Não (Me) Ganhe
Teen FictionAos dezessete anos, Will Belmarques era um completo idiota. O tipo de ser ignorante em sua própria caixa, focado em seu próprio mundo. Daqueles que acham que a arte da vida é não fazer absolutamente nada. Mas para à minha sorte o tempo muda o homem...