26 = Em uma fria(gem)

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Lá no alto, as cinzas negras despontavam em cada invólucro branco. O branco, cedendo lugar à escala de cinzas. A decadência se espalhava por cada canto do México. Sua permanência no céu, apenas deixava a tona um dos mais trágicos dias da vida de Will Belmarques. Não o mais. Sempre que pensamos que não pode piorar, a vida se prova como uma verdadeira merda, fazendo com que a definição não pareça apenas superficial.

Já se faziam dez anos desde a morte da minha avó. Dez anos, que eu não via Ema, mas agora, estávamos os dois vestidos de preto, levando rosas brancas na mão enquanto o taxista dirigia de forma silenciosa. O luto havia voltado. Mesmo adormecido por dez anos, ele estava de volta. A falta, reinando nos dois corações confusos. Nas duas almas, que perderam demais. Que sentiam, e escondiam demais as coisas. Ema, foi a primeira a deixar sua rosa, comigo, segurando o cabo verde das três rosas na minha mão por mais tempo.

— Olá, vovó — disse. Ela não me escutaria, mas aquela era a primeira vez que eu estava ali. Que eu tinha deixado de fugir, para encará-la.

Estar de volta à fazenda me trazia memórias. Seriam somente três dias, com minha mãe justificando a falta na escola. Mas, eu não sentia que três dias seriam o suficiente.

Não para alguém que não tinha ido ao enterro da própria avó.

— Tudo bem? — Ema passava a mão pelas minhas costas.

Ela não sabia se deveria me consolar. Não sabia se, eu estava triste por estar ali depois de tanto tempo, porque, estar ali, apenas me fazia relembrar de tudo o que eu tinha feito no passado; das pessoas que tinha abandonado quando decidi que à minha vida era mais importante.

Eu era esse tipo de pessoa. Até mesmo fugi da minha avó por dez anos. Então, sim. Se ela pudesse ler minha mente saberia que eu precisava de consolo. Porque, ali, depois de dez anos, eu percebia que não gostava de perder coisas. Perder pessoas.

— Sim, tudo bem. — Coloquei as rosas em cima da lápide, e me ajoelhei para olhar o que estava escrito.

Era um trecho do livro da minha mãe. Um trecho, que somente tinha sido escrito em homenagem à sua mãe.

"Não há prazer maior do que o saber que não se está só".

Foi a frase que o personagem de "Na Mira da Arma" soltou, antes de morrer. Nesse momento, Caterina Youskim estava ao seu lado, segurando sua mão, enquanto chorava pela partida do ex-marido.

Ema consertou o vestido, enquanto se sentava ao meu lado. A mão pousada em meu ombro.

— Ela ficaria feliz de saber que veio — ela disse, olhando para mim. — Tenho certeza disso.

— Mesmo depois de dez anos?

Ema fez que sim, abrindo um sorriso singelo.

— Ela entenderia o motivo de não ter vindo antes — Ema ainda concordava. O olhar agora se perdia nas escrituras da lápide, enquanto o vento bagunçada seus cabelos encaracolados. — A vovó sempre soube da sua má relação com o filho dela.

— Eu não tenho uma relação amigável com o meu pai, mas... Eu deveria ter vindo naquela época.

Ema fixou o olhar em mim. A sobrancelha arqueada, como uma pergunta.

— Você não parava em casa naquela época. Lembro que, você sempre chegava sujo... Ou... Arranhado...

Fiz uma careta. Flashbacks me lembraram das vezes em que eu roubava fruta na casa dos outros, e descia correndo de bicicleta pelo mato.

— E as coisas pioraram, não? — Ela me perguntou. — Eu sinto muito por isso. Se soubesse que teria dificuldades eu...

— Você cresceu, Ema. Fez o certo em seguir sua vida, eu... — Travei. A resposta por alguns segundos ficou presa. — Tive que errar, para saber que estava fazendo algo que não era certo. Que... Não iria me ajudar. Entretanto, não acho que esse é o melhor momento para te falar sobre isso. — Passei o olhar em volta. Muitas famílias visitando pessoas que já tinham ido. Com certeza não era um bom local para falar da minha vida adolescente. — Contaremos fofocas em outro lugar.

Não (Me) GanheOnde histórias criam vida. Descubra agora