DUDA
Por um motivo desastroso e estranho, eu estava sentada na cadeira de Talita, de frente para Marcelo. Me senti deslocada, nervosa, confusa e sem saber o que fazer com as mãos, então tratei logo de sentar-se e trabalhar. Abri a pasta que Talita queria que eu atualizasse e não me atrevi olhar na direção dele. Depois de alguns segundos me ergui da cadeira e sai da sala, peguei meus fones de ouvidos e voltei para o computador.
Era necessário eu me concentrar na tela a minha frente. Talvez fosse um pouco rude me isolar, mas precisava daquele pretexto para tentar ficar calma e concentrada na tarefa.
Aquela sensação que ele estava olhando para mim novamente, deixava com um calor sufocante. Em um momento ele pegou o controle do ar-condicionado e diminuiu a temperatura. Quis dizer-lhe que não adiantaria. Meu calor transcenderia qualquer estímulo frio que ele me oferecesse.
A sala não era tão grande. Qualquer barulho se escutava, o mínimo gemido de agonia, prazer ou frustração. Talvez a ter mesmo a respiração acelerada, o farfalhar do tecido, o pequeno batido da ponta da caneta, a agilidade das mãos nos teclados macio.
Seria fácil com senhor Ricardo trabalhando perto de mim. Ele não me salvou da fila de um mercado, muito menos recebeu uma cuspida minha, nem me viu de quatro enquanto enxugava a água que matou meu computador e que me trouxe até a sala da diretoria.
Não era apenas um leve constrangimento, era pura vergonha acompanhada por uma atração que toda mulher carente sente ao ficar quando é salva e tocada por um homem tão atraente como Marcelo. Precisamos admitir, homens bonitos, em uma cadeira de poder, com terno, é sempre muito mais excitante que um vibrador.
Estava prestes a colocar uma música relaxante, então escuto:
— Você sabe como acessar os arquivos do balanço da empresa? — Quando lhe dei atenção, estava olhando para mim.
Eu sabia, mas teria que ir até lá para fazer isso. Nunca mexia no computador de Ricardo, a não ser quando ele estava em reunião e Talita me mandava uma mensagem para eu imprimir algum documento, planilha ou algo do tipo do computador dele.
— Acredito que sim. — Não consegui me mover.
— Se importaria de me ajudar?
Não respondi. Tirei os fones do ouvido e sai da mesa. Fui para perto dele, Marcelo me estendeu o mouse e eu fechei algumas telas. Quando a tela ficou vazia, abri uma pasta atrás da outra e mostrei onde estava a lista dos trimestres que tinha, em detalhes, todo o balanço da empresa.
Senti um calor vindo dele, um cheiro gostoso de colônia masculina com notas marcantes que entraram em minhas narinas e ficaram ali para perturbar minha cabeça. A mão estendida sobre a mesa tinha dedos longos e fortes, no pulso um relógio de marca italiana e uma pulseira de ouro que fazia conjunto com a abotoadura da camisa.