DUDA
Meu coração desceu ao estômago fazendo-me sentir sensações desconhecidas, vibrações que não lembro nunca ter sentido.
Quando acordei naquela manhã estava certa, por um bom tempo, que Marcelo deveria ficar distante de mim, que cada um em seu lugar era mais seguro para não confundir minha cabeça tola para garantir minha vaga no trabalho até quando eu entendesse que era a hora de partir. Mas quando ele me chamou em sua sala senti que algo iria me fazer ficar embaraçada, confusa e queimando por dentro.
Nunca acreditei no amor à primeira vista. Ao menos, eu não acho que seria possível conseguir um sentimento tão lindo e profundo em questão de horas.
Entretanto, no mesmo instante que tive conhecimento de Marcelo — Inicialmente o gostosão do supermercado para Chefe — levou ao meu corpo desejos perigosos e uma fome de provar sabores que talvez apenas ele carregue. Meu corpo tinha uma vibração intensa de querer tocar o corpo dele, estar perto.
Uma paixão à primeira vista, talvez? Não sabia explicar.
E, naquele instante, eu estava provando um dos sabores que ele tem, provando os lábios de um homem impulsivo e impiedoso. Nossos lábios se encaixavam de uma forma tão perfeita e confusa como as peças de um grande quebra-cabeça de uma única cor. Meu corpo ondulava junto ao dele como uma forma preenchida de sua massa doce. Meus joelhos tremiam com a onda de prazer que o toque daquele homem delicioso distribuía em cada pedacinho dos meus lábios. E tudo isso se misturava com o som de gemidos baixos e rouco que fez sair de nossas gargantas.
Era vital adorar aqueles lábios ao tocar nos meus. Sua curvatura foi feita para acariciar e machucar em mesma intensidade. A língua que em segundos invadiu minha boca, preencheu lacunas tão distintas e sensíveis que, ao menor toque, eu estava mole em seus braços. Não tinha noção do que aconteceria assim que ele me soltasse, mas sabia, com pouco de entendimento que tenho sobre mim, eu não estaria com meus pensamentos em paz em relação a Marcelo Duran pelo resto dos meus dias, que se seguiriam com ele na posição de chefe.
— Seu sabor... — ele gemeu, mordiscando meus lábios, depois de ter feito uma bagunça em minha boca, em meus cabelos, na minha cabeça. — É tão... — Ele suspirou, apoiando sua testa a minha. Engoliu seco, me encarou docemente e não falou nada.
Senti em meu coração que algo passou na cabeça de Marcelo. Não sei se era preocupação pela forma brusca e beijo brutal que ele me deu, ou pelo fato de ter acabado de beijar uma funcionária. Desapontamento me pesou quando senti suas mãos fortes soltaram gradativamente meu corpo abalado.
"Não." — Quis dizer. Estava tão bom!
Marcelo se afastou, me deixando solidão. A tonalidade de seu olhar foi de excitação a confusão e temi que em segundos tudo ficasse pior.
— Me desculpe. — Passou as mãos no cabelo com expressão de confusão. Ou seria arrependimento?
Fiquei totalmente parada, sem ar, confusa por não entender o beijo que havia acabado de ganhar, embora tenha provado cada segundo, saboreado cada gosto que vinha em meus lábios, firmei meu olhar ao dele, sobre o muro do desejo e medo, sentindo meus lábios formigarem pelo inchaço que se formou.
— Minha impulsividade não tem justificativa. — Ele parou de falar, olhou para minha boca, estendeu seus dedos em meus lábios e, nas bordas, limpou o que pensei ser meu batom. — Eu não sei onde coloquei minha cabeça quando... — Ele não disse.
Merda, ele se arrependeu e eu estou me sentindo um trapo por isso.
— Me beijou — completei.
— Não foi correto. — Ele parecia preocupado. — Não costumo beijar mulheres que trabalham comigo. Não mais.
Quando ele disse: não mais, lembrei dele e Talita.
— Senhor...
— Não me chame assim — pediu com um tom baixo, desesperado. — Lhe dei a liberdade de me chamar apenas por Marcelo.
Eu ainda estava fincada no mesmo lugar, quando olhava Marcelo retomar seu fôlego. Colocar as ideias em ordens, abandonar a ideia do beijo perfeito.
— Tudo bem — falei, depois molhei meus lábios, eles latejavam, ardiam. — Para que tudo volte ao normal, podemos fingir que nada aconteceu — sugeri, dada as condições que o beijo acabou, mas sabia que aquele beijo estava tatuado em minha memória.
Marcelo ergueu o olhar, um pouco confuso, indagou:
— Fingir que nada aconteceu?
— Não é melhor? — Meu peito queimava por dentro. O meio das minhas pernas estava úmido, dentro pulsava com violência, doía meu ventre, mas fiz uma força que não tinha... para descartar aqueles sinais que machucavam a pele, o corpo de uma jovem carente.
Se ele soubesse a maldade que acabou de fazer comigo, nunca teria me tocado.
Esquecer. Pela forma que ele reagiu após o beijo, essa seria a atitude mais sensata que poderíamos fazer. Apenas esquecer.
— Se você deseja assim... — Marcelo andou até uma bandeja prata, encheu um copo com água e tomou em um gole rápido. — Não quero confundir sua cabeça e muito menos que se sinta desconfortável. Sou seu chefe, ainda que temporário, sou seu chefe nesse momento. E o mais importante, você tem um namorado, e eu fiz errado.
— Mas eu... — Tentei falar, mas a porta foi aberta novamente.
Era Talita entrando com um rebolado exagerando. Ela bateu na porta?
— Bati a porta, mas ninguém respondeu — Foi se justificando rapidamente. — A sala está pronta, falta apenas você... para... — A voz dela foi morrendo — ... a reunião. Algum problema? — Talita olhou para Marcelo, mas depois focou em mim.
Eu sabia que se uma criança de oito anos entrasse na sala poderia deduzir que nada estava bem, quem dirá Talita que tem um faro perfeito para tudo.
— Não — Marcelo ficou sisudo. — Estarei lá em cinco minutos.
— Mas a reunião já está em atraso e...
— Cinco minutos, Talita — enfatizou com mais firmeza.
Ela mexeu a cara, desconcertada, porém teve que se virar e sair, mas não antes de dar uma olhada em nós dois.
Quando ficamos sozinhos, o meu constrangimento era muito maior.
— Podemos continuar quando eu voltar?
A ideia me pareceu tortura. Achei melhor deixar tudo para longe, realmente esquecer. Eu precisava do emprego e não poderia arriscá-lo. Depois da decepção com Frank, meu foco estava sendo meu trabalho, só queria manter-me empenhada nele sem distrações, mas aí... Marcelo apareceu.
Marcelo estava ali apenas por um período curto, eu nem tanto. Quando ele fosse embora, eu teria que enfrentar cada fúria e cuspida de fogo que Talita me lançaria.
— Acho mais conveniente esquecer tudo. — Quis dar um fim na história toda. — Tanto o beijo quanto o mal-entendido de ontem, todo o nosso constrangimento. Esquecemos e vamos trabalhar, focar nas tarefas.
— Claro, você tem razão.
Assenti e sai da sala rapidamente. Quando fechei a porta, encostei um segundo sobre ela. Estava a ponto de cair, as pernas ainda não obedeciam a direito, mas respirei fundo, andei em direção a minha mesinha e não sai de lá até que meu expediente acabasse.